Tá no Google: “Feminicídio é o homicídio cometido contra mulheres que é
motivado por violência doméstica ou discriminação de gênero”. As matérias jornalísticas
também estão lá: “Assassinatos de mulheres crescem 250% neste ano em Belo
Horizonte”. “Aumentaram 44% em São Paulo até agosto de 2019”. “O Brasil não é
apenas o quinto país com mais feminicídios do mundo, mas esses números podem
aumentar, já que parte dos homicídios de mulheres registrados poderiam ser
também feminicídios, assim como a maioria dos estupros de mulheres seguidos de
morte devem ser consideradas também feminicídios por terem como motivo o ódio e
o desprezo pela mulher.” Pra onde vai nossa sociedade? Até quando mulheres
continuarão a ser maltratadas e seus maridos/companheiros/amantes ficarão impunes?
No palco do Teatro III do CCBB, está em cartaz o espetáculo Nastácia.
Com ótima dramaturgia de Pedro Brício e tradução de Paulo Bezerra, temos a cena
do livro que retrata a festa de aniversário de Nastácia, mocinha do romance O Idiota,
do aclamado filosofo, escritor e jornalista russo Fiodor Dostoiéviski. A
história nos coloca como coadjuvantes das angústias, revoltas e revanches de Nastácia,
que arma o maior rebú na sua festa. Um pretendente a casamento faz tudo para agradá-la,
o velho amante tenta demovê-la de suas loucuras e convencê-la a aceitar o
casamento arranjado, até que chega o Príncipe, personagem principal do livro.
Nastácia parte com ele, mas foge, mas volta, mas foge de novo, mas volta...
ufa! Até que faz a sua escolha e o fim... é importante assistir ao espetáculo
pra saber o resto.
A criativa direção de arte, com instalação, figurino e cenografia, de Ronaldo
Fraga, ambienta todo o espaço cênico, com molduras plotadas, mesas com
rodinhas, cadeiras de época, e os mais variados objetos que dão o tom da
nobreza, mas sabemos que são de fácil compra. É isto que faz a beleza da
cenografia: o uso do objeto cotidiano a favor de uma ação teatral diferente.
Taças plásticas douradas, garrafas de metal prateada, são taças de vinho e
garrafas de champagne. Coloca plateia dentro da ação em um palco semi-arena com
passarela. O figurino também completa a simplicidade e a elegância necessários,
com destaque para a malha inicial da atriz com suas partes intimas desenhadas. Tudo
iluminado por Chico Pelúcio e Rodrigo Marçal com competência. Temos ainda a
trilha sonora de Gabriel Lisboa e os vídeos de Cao Guimarães.
Miwa Yanagizawa é a diretora deste ótimo espetáculo. A plateia é incluída
na história, como convidados da festa. A utilização de todo o espaço do Teatro
III é inteligente. Destaque para a condução dos atores que, em determinados
momentos, explicam para a plateia, saindo do personagem, mas mantendo o ritmo da
apresentação. Soluções teatrais
inteligentes, como a entrada da aniversariante em cima de um carrinho de rolimã.
Um casamento geral com a equipe. Um capricho!
No elenco, Julio Adrião e Odilon Esteves, dão vida a Totski e Gánia
respectivamente. O jogo teatral dos dois é muito bom. Sabem que a estrela é Nastácia,
e se emprestam aos papéis com verdade cênica e atuações seguras.
Flávia Pyramo é Nastácia e a idealizadora do projeto. Excelente trabalho.
Flávia não perde uma vírgula. Atenta e esperta em cena, conduz o espetáculo
como uma nobre anfitriã. Olhar profundo, verdadeiro. Se empresta a Nastácia com
garra e dedicação. Leveza ao correr no palco. Força nas cenas de embate. É pra
aplaudir de pé.
Nastácia mostra que o feminicídio vem desde que o mundo é mundo. E a
peça propõe uma reflexão. E se Nastácia denunciasse os abusos? E se revoltasse
contra os homens que a tratam como objeto sexual? E se o fim fosse a sua
felicidade e os malfeitores punidos? É importantíssimo ver que este espetáculo
toca numa ferida aberta e jorrando sangue, comparando o passado, apresentando a
literatura de qualidade, e fazendo do teatro um lugar seguro para discussões,
arte e aprendizado. Viva Nastácia. Aplausos sem fim.
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