Deveria ser óbvio que somente a educação do povo
irá transformar a nação em que vivem. E não é nivelando por baixo que se terá
um resultado imediato. Como bem diz o ditado, não existe solução fácil para
problema complexo. É preciso de tempo e projeto. Planejamento, execução e
pessoas comprometidas. Coreia do Sul, Tailândia, China, Chile... exemplos
positivos não faltam.
Está em cartaz, no Teatro Café Pequeno, o
espetáculo O Substituto. Texto de Daniel
Porto. Como um dia de aula, chega o professor substituto para oferecer (impor?)
a sua forma de ensinar, totalmente diferente do que se vem fazendo. Tendo por base
as frases, entrevistas, comentários e projetos do que se está apresentando atualmente
no governo brasileiro (em alguns casos no federal, estadual e municipal), o
texto é um grande desafio. Falar tudo o que está sendo dito sem precisar apontar
o dedo com a indicação de que “isto é certo” ou “isto é errado” é a grande
sacada. O texto já mostra e cabe à plateia tomar partido – sem trocadilho! – de
qual lado está: opção pela queima de livros, a autoridade sem liberdade, a “biblificação”
da palavra, o desprazer pela história, a negação do passado. Ou a opção por
achar isto tudo um absurdo e lutar contra esta onda nefasta. Amanda Bastos é a
consultora de História que auxilia nos fatos.
No palco, o cenário de Karlla de Luca
opta por uma carteira sem encosto – escolas sucateadas – e um piso plotado (ou desenhado?
Fiquei na boa dúvida!) com giz contendo as palavras de ordem da nova educação
proposta. Karlla também assina o figurino cinza, sem cor, sem vida, sem alegria,
bastante pertinente para o momento. A luz de Paulo Denizot recorta, aponta,
ilustra, cria sombras caricaturais, fazendo a sua crítica ao que está sendo
dito, mas também deixando a plateia decidir.
Alexandre Lino é o professor substituto
que carrega os nomes dos presidentes da época da ditadura no Brasil. Sim, houve
ditadura. Sim, a terra é redonda. Extremamente seguro e sem expressar o que
pensa, Lino consegue dar vida ao professor que chega para “mudar isto tudo que
está aí, talquei?” mas sem questionar. Apenas impor a sua visão de dono da
verdade, acuando, inibindo, pressionando, e – por que não? – torturando os
alunos com seu jeito de ensinar a sua visão dos fatos. É realmente um ótimo trabalho.
Lino tira forças para acreditar naquela verdade sem deixar que a sua verdade
interior interfira no seu trabalho.
Maria Maya dirige o espetáculo, como sempre
com a delicadeza de quem tem um DNA de respeito! Foco na palavra, força na interpretação,
atenção à luz, respeito ao público. Inegável seu amadurecimento a cada trabalho
apresentado. Capricho e simplicidade no mesmo tom.
A peça causa revolta, incômodo, dúvida,
reflexão. E é esta a função do teatro. Mesmo nas comédias mais rasgadas ou nos
musicais chorosos, fazer o público conversar, pensar e tomar atitudes é a tarefa
da arte. O Substituto faz isto com competência. Após o espetáculo, o bate-papo com
a plateia enriquece o todo. Os mais revoltados vão embora, ou por
identificação, ou por desacordo. Mas certamente irão pensar sobre o que
assistiram. Nada melhor do que mostrar a situação, seja com lente de aumento ou
com distanciamento, para se ter a real noção daquilo que se vive, e O
Substituto é desses espetáculos necessários para que se apresente o que está
acontecendo com o ensino publico brasileiro e, principalmente, possamos decidir
se é isto que queremos para o futuro da nação. Eu já fiz a minha escolha. E não
é a atual diretriz que eu acredito que seja a correta.
Este espetáculo precisa ficar em cartaz o
máximo de tempo possível. Muitas pessoas precisam assistir. Aqueles que votaram
neste regime de governo por falta de opção, ou se isentaram de escolha, até
mesmo quem acredita que é o atual caminho é correto, precisam assistir para que
possam entender a situação, ouvir o outro lado, dialogar, achar um denominador
comum, pois, caso contrário, muito em breve, não teremos nem condições de apresentar
mais teatro para a população brasileira. Aplausos de pé.
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