domingo, 25 de junho de 2023

ENSAIO SOBRE A PERDA


Sou do time que propõe, ao final de uma relação amorosa, profissional e até mesmo de amizade, que seja dado um tempo proporcional à duração da história. É necessário o afastamento físico. Não ter notícias, não ouvir a voz, não saber nada daquele que está indo embora. É a descompressão, a necessidade de viver o luto, a recomposição de forças. Olhar para si, comer melhor, dormir, exercitar, ocupar o dia. E depois, muito depois, quando as forças estiverem novamente equilibradas – a mental e a física – aí sim, se for o caso, ter um novo contato, pois será uma nova relação. Pode ser amizade ou pode não ser mais nada. O tempo dirá.

É muito comum assistir espetáculos sobre relações hetero normativas. Casais em crise tem aos montes na tv, no cinema, no palco, nos seriados. Mas histórias sobre amor, amor mesmo, envolvendo homo afetividade é muito raro. E quando surge algo bom, temos que valorizar.

Eis a grata e belíssima surpresa do fim de semana: após apresentação online e finalizando temporada no Teatro Gláucio Gil, a peça “Ensaio sobre a Perda”, escrita por Herton Gustavo Gratto é a joia da temporada. Um diamante muito bem lapidado. Herton nos apresenta um texto de primeiríssima linha, com tudo que os cursos de dramaturgia propõem: apresentação dos personagens, colocação do conflito, desenrolar da trama, clímax e desfecho. Os diálogos são muito reais. Quem nunca disse uma daquelas frases da peça para alguém que atire a primeira pedra. É vida real. 

A história: dois atores decidem retomar o projeto de uma peça. Porém, durante os ensaios, “percebem que as feridas que foram abertas ainda não estão cicatrizadas.” Herton tem mãos de fadas no texto. Seus diálogos são ótimos. Teatro é texto e ator. Aqui temos um dos melhores textos sobre relações entre duas pessoas que eu já tenha visto no palco. Foi difícil conter a emoção em vários momentos e agradeço por isto. Tocou fundo.

No palco, cenário e figurino do sempre impecável Nello Marrese, nos dá dois homens jovens, atores, em um espaço de ensaio. Mesa grande, cadeiras. No chão a marca do espaço cênico. JP Meireles assina a luz com momentos bastante bonitos. Temos ainda Caroline Monlleo na direção de movimento contribuindo com as cenas.

João Fonseca é o diretor deste trabalho sensível, humano, honesto e verdadeiro. João usa a plateia como cúmplice e confidente. O jogo entre os atores é extremamente verdadeiro e todas as cenas estão muito bem executadas, a tal ponto que chegamos a duvidar se os atores realmente foram um casal no passado, ou se tudo é apenas ensaio, encenação. Cenas de briga e de conciliação, cenas de gritos e desculpas. A verdade cênica é muito forte.

Herton Gustavo e Hamilton Dias interpretam, respectivamente Gustavo e Hamilton. Colocar os nomes dos atores como personagens dá muito mais verdade à cena. Ambos impecáveis. Sérios, verdadeiros, seguros, confiantes, entregues ao texto. Ao se emocionarem em cena, faz com que a plateia embarque no choro coletivo e torça para o final feliz daquele momento da vida dos dois. Afinal, quem não gosta de finais felizes? Hamilton e Herton merecem pelo menos uma indicação a um dos tantos prêmios de teatro de nossa cidade.

Me faltam palavras para expressar o quanto foi benéfico e importante assistir a um espetáculo sobre a temática LGBTQIAPN+ tratado com seriedade, com sentimentos reais. Como pequenas ações estragam a relação e como é possível resgatar o bom da história. As discussões apresentadas servirão, certamente, para muitos espectadores levarem aos encontros com seus analistas. 

Uma frase que diz tudo sobre o espetáculo: “Alguns finais são felizes. Outros são necessários”.

Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas para “Ensaio sobre a Perda”. Um trabalho excelente de todos os envolvidos. Viva o teatro!


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