domingo, 11 de junho de 2023

JONATHAN


Dizem (quem, cara pálida?) que o tempo é efêmero (temporário, passageiro, transitório). 


O filme que ganhou o Óscar este ano é justamente aquele que lida com o espaço-tempo todo junto ao mesmo tempo e misturado. Segundo o filme, todas as vidas numa só vida, porém em espaços-tempos diferentes, embora ao mesmo tempo, no mesmo cenário. Confuso? Confuso… Pra mim, o tempo é sempre para frente, ou melhor, contabilizado sempre no somatório, nunca na redução. Não andamos para trás em busca de acontecimentos do passado. Porém somos capazes de revivê-los em memórias. Será isto uma volta no tempo? E o futuro? A Deus pertence, sabemos. Mas, calma. Se planejamos o futuro e ele acontece exatamente conforme o roteiro, será que não o previmos? É dura a vida do pensador… 


Confesso que, embora tenha lido e acreditado no release, fui ao Google para saber mais da história do jabuti que dá nome à esta peça: Jonathan. Ela é real - em parte, ja explico. Sim, existe um jabuti-tartaruga com nome Jonathan (que significa Dado por Deus, ou Presente de Deus) que completa aproximadamente 192 anos por aqui na Terra, mais precisamente morando numa ilha inglesa localizada entre a África e o Brasil.


Rafael Souza-Ribeiro - mais conhecido como Rafuda - conheceu a verdade sobre o animal e acreditou que ali havia uma história a ser contada no teatro. E, espertíssimo, misturou temperos de fábula com realidade virtual típica de novela de Aguinaldo Silva (Fera Ferida, Pedra sobre Pedra, A Indomada…) com pitadas de Walcyr Carrasco (Chocolate com Pimenta, Alma Gêmea…). Salpicou um pouco de Chico Buarque de Holanda na trilha sonora - Geni e o Zepelin - e criou este texto brilhante e genial "Jonathan" - que estreou no teatro Ipanema e cumprirá nova temporada no teatro Gláucio Gil.


Na história, Rafael mistura a verdade do jabuti com uma história de preconceito, intolerância, moralismo… Hei! Pera ai... Isto não te lembra algo similar? Igrejas pentecostais… evangélicas… religiões "antes de Cristo"”.. Sim, sim, o cheiro, no caso fedor, é o mesmo. O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus nem existe mais. Jonathan, a peça, também fala da passagem do tempo. Como um animal pôde sobreviver a quase dois séculos de histórias e mudanças da calota polar terrestre? Ai que loucura, ai que velhice! Soma-se a isto parte da vida do pequeno humano Jonathan que, ao longo de sua vida, passa de admirador a cuidador do bicho. E Rafael nos dá uma história completinha, com princípio, meio e fim, conforme os membros da academia americana de cinema gostam de premiar como "Melhor Roteiro Original". Acrescento aqui a perfeição nas palavras escolhidas, andamento do texto, forma de contar a história, tudo muito bem pensado e com excelente vocabulário.


No palco vazio, temos apenas uma pequena estrutura que serve como deck de acostamento de barcos (cenografia da diretora Dulce Penna e Dodô Giovanetti). "Rafuda veste Carla Ferraz" em cena, com um figurino que lembra - com capuz - uma tartaruga! A luz de Paulo Denizot acende a cena com muitos azuis, brancos, vermelhos e rosas, sem contar num elemento refletor que lembra um farol no meio do mar. Arthur Ferreira assina trilha sonora e o craque Diego Nardes na maquiagem e visagismo.


Dulce Penna é a diretora deste monólogo divertido e importante, uma vez que traz um tema atual e cheio de reflexões. Dulce explora não só todo o espaço cênico, plateia inclusive, como também organiza o andamento da história e do movimento espoleta do ator. Acerta nos momentos em que leva a plateia às gargalhadas com a atuação de Rafael e com o foco na história, auxiliado por luzes tipo "pino" em cima do protagonista.


É claro que Rafael sabe qual o objetivo do seu trabalho. Utilizando-se de seu excelente humor e irreverência cênica, ele conta e atua na história como um hétero não trivial, debochando da heteronormatividade com trejeitos e afetação que, a partir do terço final da peça até o término, se justificam claramente. É inegável seu grande talento. Sua presença cênica é rica e forte. O trabalho de narrador presente e atuante é ótimo. 


Rafuda é o autor de dois grandes espetáculos que eu assisti e adorei: Gisberta e Cerca Viva. Excelentes. Aqui em Jonathan ele exerce todo seu conhecimento da língua portuguesa, do preconceito sobre os homoafetivos, da caretice social que vivemos no mundo atual e nos apresenta um espetáculo lindo, rico em profundidade de valores, signos sociais, comportamentos humanos e dúvidas filosóficas.


"Jonathan" é um dos monólogos mais interessantes que assisti nos últimos tempos. Pelo tema, pela forma de unir uma história real ao momento conservador da sociedade, mostrando que o que aconteceu no passado se repete no presente. O tempo é apenas uma contação de números, um tic tac de relógio. Recentemente recebi um vídeo no instagram com o título "Fatos profundos que vão te fazer refletir" e, entre eles está a pérola: a gente simplesmente não sabe que horas são, e sim confiou na pessoa que configurou os relógios. Ou seja...


Vida longa e este espetáculo inteligente, divertido e atual. Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas! Viva o teatro!!

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