sexta-feira, 30 de junho de 2023

A CERIMÔNIA DO ADEUS


Uma pesquisa publicada em 2020, pelo Instituto Pro Livro, Retratos de Leitura no Brasil, indica que o país perdeu, nos últimos 4 anos, mais de 4,6 milhões de leitores. A porcentagem caiu de 56% para 52%. Brasileiros com mais de 5 anos que não leram nenhum livro representam 48% da população. A pesquisa informa ainda que 34% dos entrevistados disseram que alguém os estimulou a gostar de ler. E é nesta parta que eu me interesso da pesquisa. Há 13 anos produzo, junto com minha sócia Sônia de Paula, o projeto Lê Pra Mim?, que incentiva e leva literatura infantil a alunos de escolas públicas municipais. A criança aprende pelo exemplo.

Acredito muito no casamento entre a literatura e as artes cênicas. Trabalhei no projeto chamado “Ópera na Literatura”, onde palestras mostravam que muitas óperas foram baseadas em livros. No teatro, gosto muito de peças que têm livros adaptados. “O que diz Molero”, que o mestre Aderbal Freire-Filho levou aos palcos, transformou-se em um método e em gênero de teatro, o “romance-em-cena”.

Mauro Rasi é daqueles autores nacionais que merecem e precisam estar em cartaz pelo menos uma vez ao ano, pelos palcos brasileiros. Depois de Nelson Rodrigues, deduzo que tenha sido Mauro Rasi o que mais traduziu e “fotografou” em diálogos o comportamento da tradicional família brasileira, mostrando a hipocrisia e preconceitos velados. “As Tias de Mauro Rasi”, “Pérola” e “A Estrela do Lar” são referências. Como ele mesmo diz “Eu não faço comédia, eu faço vida”.

Está em cartaz no Teatro do Copacabana Palace o mais que prefeito espetáculo “A Cerimônia do Adeus”, de Mauro Rasi. Como diz o programa, é um espetáculo que promove uma grande homenagem à literatura. Mauro traz conflitos familiares, muito próximos dos seus próprios, que culminam em sua saída de casa, com conversas imaginadas entre leitor, personagens e escritores. A mãe, a tia, os primos, um pai ausente, um filho mergulhado em seu mundo-quarto, cuja literatura é sua companheira e, consequentemente os autores Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, pensadores que, em sua literatura, abrem qualquer porta para novos universos. Com a palavra, os autores: “Querer ser livre, é também querer ver livres os outros” (Beauvoir) e “Tudo que sei sobre minha vida, ao que parece, aprendi em livros.” (Sartre).

No palco do belíssimo teatro do Copa, o cenário é assinado pelo diretor Ulysses Cruz. Quatro portas que indicam ambientes – entrada, cozinha, quartos – junto com bancos e muitos livros, tudo que é extremamente necessário para contar a história. Ao fundo uma tela que recebe projeções com uma imensa porta que leva ao imaginário do personagem principal. Ótima cenografia, moderna, que bebe na fonte dos melhores espetáculos internacionais. O figurino, de época, também são criação do diretor. Lara Lazzaretti, Alexandre Miyahara, Laura Fragoso e Laercio Lopo assinam o excelente audiovisual projetado, que ilustram e completam as cenas. Aplausos de pé para a iluminação do espetáculo, misturando corredores de luz, boate, focos, tudo sem prejudicar a projeção. André Abujamra nos presenteia com uma trilha sonora totalmente atual e carinhosamente adequada ao propósito do espetáculo. É preciso destacar o excelente trabalho de Leonardo Bertholini na direção de movimento.

Ulysses Cruz dirige este espetáculo trazendo uma roupagem moderna, criativa, sem perder a qualidade do texto e dando importância às ótimas atuações, aos atores, ao texto. Muito boa a sua opção pelo palco vazio que vai se preenchendo com livros, bancos, sons, luz. A composição dos personagens, na medida certa, sem nenhum exagero. Um espetáculo que podemos chamar de Teatrão, e dos melhores.

No elenco estão: Beth Goulart (Simone de Beauvior), ótima, forte, que preenche o palco com sua linda presença; Malu Galli (a mãe) sensacional, dominando cada momento em cena; Lucas Lentini (o filho) frágil e firme ao mesmo tempo, seguro e perdido ao mesmo tempo, delicado, na defensiva, e ao mesmo tempo inteligente e doido por um mundo melhor. O trabalho de Lucas é extremamente seguro e bem feito. Ótimo. Rafael de Bona (primo mais velho), tem uma atuação também forte e segura, perfeito como o homofóbico que esconde uma repressão quanto à sua condição real. Temos também Eucir de Souza (o simpático Sartre), Fernando Moscardi (o medroso amigo da escola) e, não menos importante, Fernanda Viacava (a tia divertida e espírita). Ótimos, ótimos, ótimos todos em seus papéis.

“A Cerimônia do Adeus” em cartaz é um espetáculo necessário e atual para os dias de hoje, ali estão discussões importantes sobre conservadorismo, preconceitos, relações familiares e, acima de tudo, a importância de se incentivar a leitura para que todos possam se livrar de fake-news, buscando em livros, matérias de jornais confiáveis, informações importantes para que façam suas análises e encontrem a verdade. 


O espetáculo certo no lugar certo. “A Cerimônia do Adeus” precisa ser visto por muitas pessoas. Então, corra já para o teatro e assista a esta pérola de Mauro Rasi, com a direção fenomenal de Ulysses Cruz, as interpretações brilhantes dos atores. Não perca este conjunto, que tem a produção de LC Produções e Ulysses Cruz Arte e Entretenimento à frente. Um dos melhores espetáculos deste ano, sem medo de errar. Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas. Viva o teatro!!

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