Clitemnestra matou Agamenon, seu marido, porque este matou
sua filha, Ifigênia, para agradar a deusa Artêmis a fim de que “auxiliasse” o
exército de Agamenon com o objetivo de vencer a guerra contra Tróia. A guerra é
resultado da traição de Helena, esposa de Menelau. Fofoca típica de novela de
Manoel Carlos. Clitemnestra, mãe de Ifigênia, sofreu com a morte da filha e,
por justiça, matou o marido. A novela continua, agora com viés de vingança de
João Emanoel Carneiro. Esta é a argumentação da mãe de Electra por ter matado o
marido. Já Electra, que defende o pai, e para vingar sua morte, planeja, com
seu irmão Orestes matar sua mãe, Clitemnestra. Pela visão de Electra, matar
para vingar uma morte é tão ou mais “pecador” que o primeiro delito. Electra a
acusa de ter-se aproveitado da oportunidade para matar Agamenon, a fim de que
seu amante, Egisto, comandasse o reino de Argos. Bem, historiadores que me
perdoem, mas é mais ou menos assim a base desse barraco familiar da
antiguidade, que se passa no Egito, cenário das belas novelas de Glória Perez.
Sou
totalmente contra pena de morte. O inferno é aqui. O inferno são
os outros. Aqui se faz, aqui se paga. Morreu, acabou, deu-se bem o
morto que, morto, não paga. Já quem fica, sofre, mesmo tendo sido feita justiça
com as próprias mãos.
Mas o que importa nisto tudo é que está em cartaz no Espaço
Sesc, teatro de arena, o nosso Maracanã do teatro, ELECTRA, a tragédia grega de
Sófocles. Neste espetáculo temos a supervisão de texto de Fernanda Schnoor.
O coro é condensado em um só homem, Corifeu, chefe do coro.
Pílades, amigo sem fala de Orestes também não está ali, mas sua falta nem é
sentida. Ambas as decisões (coro + Corifeu e retirada de Pílades) são positivas
para a montagem. Li no programa que todos beberam na fonte de Antônio Abujamra cuja
adaptação serviu como base para o trabalho. Abujamra sempre foi mestre. Salve!
A cenografia de Nello Marrese, sempre moderna e atual, é
composta de pallets, estrados de madeira, que servem como pequenas montanhas,
montes, escadas. Que facilita e auxilia na interpretação e movimentação
cênica. Gosto muito da serragem ao redor dos pallets, simulando terra, deserto,
dando um efeito bastante interessante. O figurino de Marília Carneiro e Reinado
Elias são bonitos, necessários para que se entenda onde está localizada a
trama, e identificar quem sofre e quem manda. Destaque para a túnica de
Clitemnestra e de Corifeu. A luz do sempre eficiente Luiz Paulo Neném é bem
trabalhada, brincando de xadrez nos pallets, colorindo de vermelho na
morte, abrindo o sol quando necessário. A trilha sonora de João Bittencourt é
moderna, televisiva e cinematográfica. Senti falta de um “som” na morte de
Clitemnestra (#ficaadica! – ou não, como diria aquele compositor baiano).
João Fonseca é o diretor desta montagem clássica, necessária nos tempos atuais. Como sempre, João sabe chegar ao objetivo, que é contar a história e fazer as pessoas se envolverem no espetáculo. Não é fácil dirigir um clássico – e que clássico! – Existe um limite entre o naturalismo e o dramalhão mexicano. Os atores ficam o tempo todo nesta corda bamba, para que o espetáculo seja o correto, e não caia em nenhuma armadilha. João dá conta, mantém todos na linha e a montagem é muito boa, um clássico como tem que ser.
O elenco masculino, formado por Francisco Cuoco, como o Preceptor, tem uma das suas melhores interpretações em teatro. O sempre ótimo Mário Borges é Corifeu. Ricardo Tozzi como Orestes, mostra a força e a fraqueza do irmão de Electra, quando fica em dúvida e desespero no momento em que se defronta com a mãe assassina. Já para as “meninas”, temos o lado carismático e doce de Paula Sandroni como a irmã Crisôtemis, que se rende ao sistema para não sofrer nem ser perseguida. Seria uma decisão sábia? Cada um sabe o que lhe dói mais. Camilla Amado é Citemnestra, defendendo o ponto de vista da rainha, da mãe, da amante, mesmo diante da incompreensão dos filhos. Vemos ali que ela também está em dúvida sobre estar certa ou errada, pedindo sempre ajuda aos céus, aos deuses, a Apolo, que não a abandone, que mostre caminhos. Camilla empresta verdade, é uma das melhores atrizes e vê-la em cena sempre é uma aula. Porém, Electra, de Rafaela Amado, é a estrela, a protagonista, desta história. Rafaela está altiva, forte, corajosa, não há dúvidas de que sua Electra sofre, e muito, “Ai de mim!”, pela injustiça, pela falta do irmão, pela “tucanagem-coxinha” da irmã em cima do muro, pelo pai ausente. Rafaela tem ainda o desafio de ter a sua frente sua mãe biológica. E como odiar a personagem mãe diante da realidade da mãe de verdade? No palco está a resposta. Duas atrizes se enfrentam de peito aberto, corajosamente, para que a história seja contada com eficiência.
Além do já dito, existe um fundo sócio-politico impossível de separar do momento em que vivemos. Como diz João, no programa,
“...para Sófocles o que importa é que ninguém pode usurpar um poder que não é
seu e abusar deste poder para acabar com a liberdade de seus opositores”. O que
vemos, de todos os lados de nossa política, é um querendo acabar com a
liberdade do outro lado. Por isto Electra se mostra bastante atual em sua
montagem. Teria muito a dizer sobre comportamento humano neste
espetáculo. Falar sobre, como diz Camilla, e eu concordo, “todos somos animais
ferozes quando maltratados. E Electra é uma representante exemplar deste
animal”, mas fico por aqui, para não falar demais, pois quem muito fala, muito
erra.
Um espetáculo importante neste momento, um clássico, que
merece ser visto por todos. É disto que precisamos para mostrar às novas
plateias que o teatro está vivo e que temos que valorizar esta arte. E termino
com a última frase de Orestes: “É preciso acabar com os que abusam do poder”. Viva
Camilla Amado, viva Electra!
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