O tema é recorrente, mas a atualidade permite: crise afeta a todos de alguma maneira. Na área cultural, projetos foram adiados,
verbas reduzidas, espetáculos cancelados, tournées encerradas. Todos estamos
apertando os cintos para continuarmos na função de levar cultura e diversão à
população.
“Temos que deixar de ser financiados pelos governos e nos
ampararmos no público, nos tornarmos auto-sustentáveis”. Esta é a visão ideal, que
nos impulsiona a seguir adiante. Como fazer? Levar público ao teatro, ao
cinema, aos shows, aumentar as vendas de ingressos, livros, discos e derivados.
Mas, se o povo está sem dinheiro, como resolver esta equação? Eis o mistério da
fé... Eu acredito e tenho fé na nossa arte, na cultura, com meio transformador
da sociedade. Então, se queremos uma sociedade nova, educada, culta, temos que ser
criativos e começar agora.
Falando nisso, dois amigos amargurados por mais de um ano
sem emprego, e tentando buscar alternativas, estão se lamentando quando dão de
cara com uma possibilidade um tanto quanto obscena e abusada: se existe mercado
para ver homens sarados e fortes, semi-pelados, dançando para mulheres, por que não
fazer uma versão com homens “de verdade”, acima do peso, calvos, idade
avançada, trabalhadores comuns? É desta ideia que Jarry, personagem principal, que convence o amigo Dave, a reunir mais quatro pessoas para fazerem um número de streep
teasse. E assim, juntam-se a eles mais dois trabalhadores da fábrica onde, no
passado, ganhavam suas vidas. Depois decidem “abrir teste” para as duas últimas
vagas do grupo de seis, e surgem um rapaz baixo, porém bem dotado, e um que
atende pela alcunha de Jegue... bem... já podem imaginar o motivo. Com o sexteto
formado, hora de ensaiar o show, divulgar e apresentar, mas com uma condição: ou
tiram toda a roupa, ou nada feito. Isto é, “ou tudo, ou nada”.
Esta é uma simples sinopse da peça “Ou Tudo Ou Nada - o Musical”, em
cartaz no Teatro Net Rio, versão para o teatro musical do filme inglês
“The Full Monty”. A adaptação do texto e das letras das músicas é de Artur
Xexéo, que tem sempre um bom olhar brasileiro nos seus trabalhos de dramaturgia
para teatro, como em “Nós sempre teremos Paris”, seu musical mais aplaudido.
A montagem brasileira tem idealização e direção de Tadeu
Aguiar. Cada vez mais craque, Tadeu tem, neste espetáculo, um de seus melhores
trabalhos de direção. Sua forma de conduzir a história, com calma, deixando os
acontecimentos e os atores falarem por si, contrasta positivamente com a
marcação rígida e ritmada, não só do elenco, mas do cenário também (assinado
por Edward Monteiro). Aliás um belo cenário de uma fábrica, com portas de
correr, escadas de ferro, mezanino (onde ficam os músicos). Gosto muito dos
biombos com rodízios que trazem janelas e portas para o palco, criando pequenos
ambientes, rápidos de serem montados, com destaque para o banheiro da boate.
Tadeu apresenta um espetáculo ao mesmo tempo leve,
divertido, competente, tecnicamente impecável, de alta qualidade, entre outros
adjetivos positivos. Ótima a cena do velório, com uma projeção de cemitério
sobre o cenário da fábrica (uma beleza!) acrescido de um número musical
emocionante – direção musical assinada por Miguel Briamonte que também está ao piano com Daniel Sanches. Os músicos são Josias Franco, Ricardo Hulck, Marco Moreira nos sopros, Marcelo Rezende na guitarra, Leandro Vasques no baixo e Tiago Calderano na bateria. Aplausos também
para o figurino de (sempre competente dupla) Ney Madeira e Dani Vidal, a luz de Daniela Sanchez e David Bosboom, e a coreografia de Alan Rezende.
No elenco, Mouhamed Harfouch, Claudio Mendes, André Dias, Victor
Maia, Carlos Arruza e Sérgio Menezes são os “homens normais” que se reúnem para
tentar salvar suas contas bancárias através do número para mulheres. Mouhamed é
o protagonista e encara de frente o desafio, sem titubear. Cláudio Mendes, Victor
Maia e André Dias, são os responsáveis pelos momentos mais divertidos da peça.
André, além de bom ator, é o cantor mais marcante. O garoto Xande Valois tem
ótimos momentos. Patrícia França e Kacau Gomes são sempre competentes e cantam
bem. Mas é Sylvia Massari que, quando entra, muda a regra do jogo... ops...
isto é coisa de novela... Sylvia canta, dança, representa, faz graça e se
empresta para um personagem divertido e cativante! Completam o elenco, Samantha
Caracante, Carol Futuro, Sara Marques, Larissa Landin, Fabio Bianchini, Felipe
Niemeyer e Gabriel Peregrino. Ufa!
É desta garra, criatividade, competência, força-tarefa e
entrega de toda a equipe, que o teatro (e quem sabe nosso país?) precisa para
dar a volta por cima neste momento de Lei Seca Econômica. Não tenho a menor
dúvida de que esta temporada, com produção de Eduardo Bakr, será um sucesso e
que, com este espetáculo estamos dando um novo passo na cena teatral carioca,
onde a sustentabilidade vai fazer as pazes com a plateia. Por um mundo onde os
espetáculos sejam, novamente, de terça a domingo! Viva o teatro, vida longa a “Ou Tudo Ou Nada - o Musical”!
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