Seria possível quantificar a influência que um livro pode
ter na vida de uma pessoa? Principalmente em seu comportamento? Livros de
auto-ajuda estão aí para isso mesmo. Mas a que ponto um romance, um conto, uma
história infantil pode servir de influência para alguém cometer um crime?
Faz um tempo comprei numa livraria (ao vendedor prometi jamais confessar qual delas foi) um exemplar de “O Livro Maldito”, de
Christopher Lee Barish. Neste, pode-se
aprender desde um simples falsificar de dinheiro (papel moeda) até mesmo como
fugir da prisão. O livro, se não me engano, não pode ser comercializado. Mas
está à disposição de quem quiser comprar o livro ˜Como Influenciar Pessoas e
Fazer Amigos”. Ora veja você, se é possível influenciar uma pessoa, segundo o
livro, a roubar, matar, praticar qualquer um dos sete pecados capitais, então
este livro também não deveria estar proibido de venda? Vai saber o critério...
O que importa é quem irá utilizar este ou aquele livro e para qual
propósito.
Está em cartaz no Teatro Poeirinha o genial espetáculo “The
Pillowman – O Homem Travesseiro”, texto do inglês Martin McDonagh e traduzida por Bruno Guida. A história
gira em torno de um interrogatório que dois policiais fazem a um escritor, e ao
seu irmão retardado, porque seus textos, suas histórias, são muito parecidas
com crimes que estão sendo cometidos na cidade onde vivem. Por exemplo, a
história de uma menina que come pedaços de maçã com lâminas de barbear e de um
garoto que tem seus dedos do pé decepados. Sim, é um texto para se ter sangue frio
e ser forte. Tanto o autor quanto o tradutor não nos poupam dos detalhes
sórdidos dos contos. E todo o processo de interrogatório gira em torno da
pressão psicológica sobre o escritor o que acaba resultando praticamente em uma
terapia, pois tanto o investigado quanto os investigadores expõem seus
problemas comportamentais durante o espetáculo. O escritor é acusado de cometer os crimes. Será ele mesmo ou culpado? Terá ele influenciado alguém? Ou seja, um texto brilhante.
Na parte técnica, Ulisses Cohen nos
oferece um cenário bastante interessante com mesas e cadeiras de metal,
barulhentas de propósito e ao mesmo tempo leves como necessário. A disposição
dos objetos no palco mostra que ali é uma sala de delegacia exclusiva
para interrogatórios, daqueles dos mais violentos. O figurino de Daniel
Infantini é ótimo!! Vi um universo Tim Burton, com pitadas de “Meu Malvado
Favorito”. A iluminação de Aline Santini usa e abusa favoravelmente do clima
sombrio, com fumaça ambiente, um fog, desenhando os fachos de luz.
A direção de Bruno Guida e Dagoberto
Feliz é fascinante. Desde o inicio da peça, ao caminhar
dos atores fazendo barulhos no chão, passando pela utilização do palco, pausas,
respirações e climas construídos com precisão, tudo funciona perfeitamente bem.
Destaque para a oficina de bufão pela qual os atores passaram. A utilização do
grotesco divertido é levada a sério! Apaixonante este trabalho.
E são os atores que se entregam de tal
modo ao espetáculo que ficamos extasiados, sem piscar, boquiabertos, saboreando
cada frase, cada momento deles no palco. Bruno Autran é o irmão retardado do escritor,
também interrogado, mas em outra sala. Sua interpretação nos comove e ao mesmo
tempo entendemos a dependência amorosa deste irmão pelo seu ídolo, o escritor.
Flavio Tolezani é o escritor. Além de atuar com verdade, Flavio é um ótimo contador
de histórias. Os contos/textos do escritor interrogado são narrados por Flávio/escritor e o trabalho é ótimo. Bruno Guida é o investigador
subalterno, querendo mostrar serviço ao mesmo tempo que se apresenta afoito.
Ótimo seu trabalho. Wandré Gouveia interpreta papeis distintos e contribui para
o entendimento e ilustração do espetáculo.
Mas é de Daniel Infantini a brilhante e
espetacular interpretação do investigador principal. Desde sua primeira entrada
em cena até sua última fala, gestos, palavras, comportamento, atitude,
pausas, Daniel aproveita tudo. Até calado Daniel está interpretando, no olhar, com presença cênica, sendo completo em sua atuação. Sem
duvida a melhor interpretação vista por mim no teatro carioca em 2015.
Até que ponto textos de um escritor influenciam outras pessoas?
Só as mentes fracas e desajustadas podem cometer um crime por conta do que
leram nos livros? Quantas crianças são pegas em cima dos armários tentando voar
como super-homem?
O Homem Travesseiro é um espetáculo
obrigatório para todos que amam o teatro. Gosto de um bom texto,
onde se pode fazer a análise comportamental das pessoas diante de situações
adversas. Uma aula de interpretação e direção, um prato cheio para psicólogos
levarem para salas de aula e debaterem a peça. Tudo ali é ótimo, bem resolvido,
bem pensado, bem executado. Sem duvida um dos melhores espetáculos deste ano.
IMPERDÍVEL!
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