sábado, 8 de maio de 2010

COLAPSO

Quando comentei que ia trabalhar num certo camarote de uma errada escola de samba, ouvi a seguinte pérola "Rico não tá nem aí pra festa. Eles estão lá para fazer negócios". E era a mais pura verdade. Lá no tal certo camarote, tudo funcionou a contento, do buffet a ida dos ricos para desfilar em seus carros alegóricos. Adoraram. E fizerem vários negócios!

Está em cartaz no Teatro Poeira, sem sombra de dúvida um dos melhores teatros da cidade, a comédia histórico-surreal "Colapso", texto e direção de Hamilton Vaz Pereira. Pelo programa, ele nos conta que a peça foi escrita e reescrita, desta ultima forma que vemos no palco, antes da eleição do Presidente Lula. É sem sombra de dúvidas um texto genial, como tudo que Hamilton Vaz faz (ok, abusei do travra lingua agora). Gosto quando um texto consegue unir o humor inteligente com referências históricas, principalmente sobre a lama em que chafurda a alta sociedade, os politicos e quem domina o país em que vivemos.

O que isso tem a ver com o primeiro parágrafo? Explico: tudo começa, na peça (olha eu de novo sacaneando o trava lingua), numa festa da alta sociedade na casa de Tuta Morvhan, senhora da alta sociedade, casada com um embaixador, amante do sócio de seu marido e, calma nao acabei, amante também de uma aspirante a atriz. Nesta festa (negócios, negócios) eles tramam a venda de armas para o Iraque e uma matança de baleias na costa brasileira. Fora isso, a atriz aspirante faz contatos e chantagem para conseguir verba para seu espetáculo.

Não conto mais nada sobre o texto, pois ORDENO que assistam ao espetáculo. É tudo tão tramado com competência, armado e desvendado com tanta inteligencia sob a batuta da genial direção de Hamilton Vaz Pereira, que fiquei boquiaberto. Destaque para a antológica cena do velório de um dos personages, onde são citados "Frank e Amaury", "Jambert" e outras pérolas dos finados anos 90. Magistral cena que deveria entrar para os anais do teatro brasileiro. Há tempos não ria tanto com tamanha inteligência do que me era dito pelo elenco.

A cenografia de Fernando Mello da Costa é funcional e o figurino de Inês Salgado é excelente. Harmonia de cores em diversas cenas. Belo, rico e criativo. A luz de Jorginho de Carvalho é o que é. Gosto muito da trilha sonora criada por Hamilton, Mario Manga e Iuri Brito Vaz Pereira.

O elenco é de primeirissima linha e excelente qualidade. Ricardo Tozzi e Emanuelle Araújo representam bem seus papeis de escritor em ascenção e atriz aspirante, respectivamente. Ambos estão naturais e a vontade. André Mattos faz um embaixador um pouco acima do tom da naturalidade. E é nas brilhantes atuações de Osmar Prado e Lena Brito que a peça tem seus maiores aplausos. Os dois criam personagens plausíveis e incrivelmente caricatos, com trejeitos e tiques nervosos que dão vida, graça e credibilidade aos seus papéis. São personagens pensados com carinho, com entrega, com competencia. Desses dois, o maior trabalho fica por conta de Lena Brito que consegue nos dar a dimensão exata de uma socialite que passa todos os tipos de creme para ter uma cara jovem, mas os tiques nervosos de uma velha senhora nao negam a idade. Excelente o trabalho de Lena Brito que, por mim, vale uma indicação ao premio Shell de melhor atriz de 2010.

"Colapso" é um titulo que mostra o momento da ruptura entre todas as tramóias, onde as máscaras caem e, como se diz no morro, "a casa caiu", mas nao traduz o que representa de fato o espetáculo. Colapso de relações? Colapso dos jogos de interesse? Até nisso Hamilton Vaz Pereira nos faz parar para pensar. E é aí que ganhou todos os meus aplausos. Adoro ser desafiado no intelecto.

Espetáculo OBRIGATÓRIO. Maravilhos. Brilhante e genial. Parabéns a toda equipe. Se fosse cinema, o bonequinho aplaudiria de pé.

sábado, 1 de maio de 2010

GYPSY

Houve um tempo nos carnavais cariocas em que a Imperatriz Leopoldinense andava ganhando o título de campeã do carnaval. Depois dela, a Beija Flor também teve seu momento "só dá ela". Mas sempre que eu assistia aos desfiles dessas agremiações, ficava a sensação de que, apesar do belíssimo trabalho, do excelente conjunto, da "impecabilidade" do que era mostrado na Marquês de Sapucaí, faltava uma comunicação com o público. O que víamos eram excelentes profissionais trabalhando exclusivamente para ganhar a nota máxima, e conseguiam. E o público... embora agraciado com belos espetáculos, ficava de fora do contexto.

Sem sombra de dúvida, os musicais da Broadway amplamente produzidos pelos excelentes Claudio Botelho e Charles Möller, são jóias raras em nossos palcos desde que começaram a trazer de fora aquilo que achavam que nós teríamos que ver, sem precisar ir até os EUA ou Londres. Eles praticamente quebram a patente do original e trazem para nós genéricos de musicais, que a meu ver são até melhores que os originais. Haja visto "O Despertar da Primavera" e "A Noviça Rebelde". Este último musical abriu o Teatro Oi Casagrande, no Rio e desde esta estréia a empresa Aventura, com a sociedade de Luiz Calainho, mestre nas mídias e marketing, vem com força total na produção teatral musical brasileira.

Assisti a "Gypsy", musical em cartaz no Teatro Villa Lobos, minha sala de espetáculos favorita no Rio de Janeiro que, pela grandiosidade do musical, fica uma sala pequena e apertada para tanto talento em cena. No palco, a velha história do teatro falando do teatro, onde uma "mãe de Miss" acha que só sua filha é talentosa e faz tudo para que ela brilhe. Praticamente um "Dois filhos de Francisco" no palco, dadas as devidas proporções. O texto se desenrola lento e repetitivo. A inventividade da mãe, Mama Rose, é pobre e os numeros musicais criados por ela são sempre iguais: minha filha no meio, rapazes em volta. Até que surge uma vaca-fake e, embora tudo com a mesma coreografia, a vaca dá vida nova ao todo, mas as coreografias que Mama Rose inventa sao sempre iguais. Ao ponto de quando a filha preferida foge, ela coloca a outra filha, a quase-rejeitada, para substituir a fujona com a mesma coreografia nos mesmo numeros musicais.

Até que, graças a Deus, eles precisam se apresentar num bordel. E, graças a Deus, precisam de alguem para fazer streep tease e aí... surge Gypsy, uma das maiores "exibicionistas de corpo" que a América já teve noticias.

O texto nao foge muito dessa história não. Muito recorrente, voltando toda hora para o mesmo assunto, nao chega a ter uma empatia com o publico, pois aquela realidade é muito diferente da brasileira e muito diferente do povo brasileiro. Em nossa terra, é mais fácil uma mãe vender a filha para um prostíbulo aos 8 anos do que montar um espetáculo, dar um trabalho, para a filha ganhar a vida. O texto de Gypsy nao emociona.

Já as músicas, essas sim, completam o texto, ilustram passagem, colorem o texto monótono. Músicas com belissimos arranjos e muito bem interpretada pelos atores-cantores ao ponto da platéia vir abaixo, aplausos calorosos, ao fim de algumas interpretações. Porém não existem aplausos "em cena aberta" para passagens do texto.

Sem sombra de dúvida, depois de "O Despertar da Primavera" este é o melhor musical da dulpa Charles-Claudio. Impecável direção, excelentes traduções das letras, coreografia adequada. Eles trazem para a platéia carioca o que de melhor pode existir em termos de musical para teatro e em "Gypsy" nada fica a dever.

O cenário logo da abertura, onde representa o ensaio de uma peça feita por crianças, é espetacular, mas, depois disso, se repete constantemente nas cenas das casas onde a familia se hospeda, mora, vive. Nessas casas existe sempre uma escada nao utilizada. Por que? Cabe uma exploração maior deste cenário ou nao precisa da escada. Muitas vezes, por causa da grandiosidade do espetáculo, a cenografia opta por descer as cortinas para a mudança do cenário e isso esfria um pouco a cena, mesmo em momentos musicais. Gosto de ver o cenário mudando e isso me distanciou da peça. E, no fim, no Cabaré, quando Gypsy faz sua primeira encenaçao de tirar a roupa, a cena acontece em cortina fechada na boca de cena. Assim como todas as outras exibições. Gosto muito da qualidade dos cenários. São lindos, claro, mas grandiosos demais e pouco explorados.

Figurino impecável. Nada a comentar. Indicação ao Shell garantida. A iluminação também muito boa, mas estranhei os atores estarem o tempo todo sob canhões e os cenários sempre um pouco mais escuro do que eles. Talvez seja a opção da direção em destacar o que a peça tem de melhor: seu elenco.

Falando neles, Patricia Scott Bueno faz uma excelente Sra Cratchitt, uma secretária de um diretor de teatro. Divertidissima e segura. Adriana Garambone tem talento de sobra para defender sua Gypsy, e com o tempo certamente irá ficar mais solta. Garambone é linda, talentosa e canta muito bem, mas a força que Gypsy precisa para enfrentar sua mãe e depois acolhê-la de volta ainda não está totalmente empregada no palco. Eduardo Galvão empresta-se para Herbie, produtor e fururo-marido de Rose, com total despudor, carinho, doçura e um quase-infanto-apaixonado. Muito bom. Destaco também Liane Maia no papel de Tessie Tura, mas me pareceu que neste dia era outra atriz, a Marina Santos...

Tivemos uma cena antológica no teatro musical para o número de dança, canto e sapateado do personagem Tulsa ("Só Me Falta o Meu Par"), que no programa nos diz que André Torquato é o interprete. Faz tempo que nao vejo um ator tão preparado, pronto e incrivelmente dedicado desde tão cedo ao seu oficio. Me emocionei mesmo com esta cena ao ponto de ter q respirar fundo para que as lágrimas não tomassem conta de vez de tanta emoção. Lindo trabalho, belissima entrega. Parabéns ao ator.

Sem sombra de dúvidas, Gypsy nunca foi e nunca será páreo para sua mãe Rose. A garra de Mama Rose, a vontade de que tudo saia perfeito, as inspirações e insights que Rose têm junto aos seus filhos, carreira, futuro marido ficam claramente explicitadas pela garra, carinho, dedicação e competência de Totia Meireles. Gypsy é um musical para Totia. Vemos a vibração de suas mãos, seus olhos brilhando, seu corpo totalmente entregue, seus graves e agudos saídos do útero. Totia é uma atriz que sigo sempre, pois além de linda, canta que é uma beleza e neste musical nao fica atrás, pelo contrario, digo que é seu melhor papel até hoje no teatro. Por mim, a indicação ao premio Shell de teatro e, logicamente a vitória, é dela.

Gypsy é teatro que fala de teatro, fala de garra e dedicação. E é isso que a dupla Claudio-Charles nos mostra. Um espetaculo competente, corretissimo, lindissimo, super-produção, um exemplo de como se fazer teatro. Porém a plateia, mesmo boquiaberta com tudo que vê, sai do teatro sem cantarolar uma musica, sem ter participado daquela história, sem ter se inserido naquele contexto.

É um espetáculo obrigatório pela qualidade que está nos sendo apresentada no palco. Excelente produção que me orgulha de dizer que é carioca! Não perca.

( http://www.gypsymusical.com.br)