quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

AS MIMOSAS DA PRAÇA TIRADENTES

Nunca antes na história deste país se deixou aparecer tanto na tv e no teatro as (os) travestis, ou homens vestidos de mulheres para "ganhar a vida", seja como um artista ou como "pessoa de vida fácil". Faz um tempo, a capa da Revista do O Globo fez uma bela reportagem sobre Rose Bom Bom, uma Drag Queen carioca que fazia sucesso em boates, com hilários shows de humor. (http://www.youtube.com/watch?v=YM1p5Dtt1Ik&feature=related). Infelizmente Rose Bom Bom morreu ano passado. Mas aquela reportagem abriu ainda mais as portas do universo "trans sex" para o povo que fazia vistas grossas sobre o assunto. Podemos citar diversas personalidades cariocas conhecidas mundo à fora por sua irreverência, mas Madame Satã, Rogéria e Rose Bom Bom são as figuras mais famosas deste universo ainda paralelo.

Está em cartaz no Teatro Carlos Gomes uma homenagem sincera e honesta sobre a vida, arte e o dia a dia de um grupo de travestis que vivem da arte. As vezes um programinha ali, outro acolá, na boa e velha Praça Tiradentes, que ficou mais conhecida por ser um reduto de "meninas de vida fácil", do que pela sua importância história na cidade do Rio de Janeiro. "As Mimosas da Praça Tiradentes" conta rapidamente a história da praça. Quem quiser saber tudo, vá aos livros. O intuito da peça é divertir, dar valor a quem, no passado e hoje em dia, habita aquele entorno dos teatros e trazer para o público uma referência musical bastante interessante.

O texto é de Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche, que fazem uma boa pesquisa sobre o centro histórico do Rio de Janeiro e os gêneros musicais cariocas, como pudemos ver em "Oui Oui a França é aqui". O fechamento do Cabaré das Mimosas e o roubo de um colar são pano de fundo para os números musicais e a composição dos personagens divertidos e bastante reais.

A trilha sonora da peça é um achado. Pérolas musicais incríveis como "Pra Uso Exclusivo da Casa" (http://www.youtube.com/watch?v=2R03r-bTMEU) e "Mal Necessário" ilustram duas passagens muito engraçadas na vida de uma das "meninas" do cabaré, que é humana e sofre por amor. Os arranjos são de João Callado e Nando Duarte.

Na parte técnica, o cenário de Ronald Teixeira é um cabaré perfeito. Escalas, lampadas, brilhos, e uma leve alusão à Praça Tiradentes. O figurino é "brilhante", colorido, bem no estilo Drag! Totalmente dentro do contexto. Destaco ainda uma iluminação competente.

A direção da peça, nas mãos de Gustavo Gasparani e Sérgio Modena, coordena o furdunço do cabaré, acentua os momentos divertidos, informa sobre a Praça Tiradentes com um número de platéia, e tem boa movimentação de cena.

O elenco é formado por grandes atores de teatro, que sabem bem como se comportar em cena. Claudio Tovar traz o talento dos Dzi Croquetes para o palco e faz o dono do cabaré falido. Gustavo Gasparani, Cesar Augusto e Milton Filho interpretam três divertidíssimas, engraçadas, simpáticas, corretas e reais travestis. Sempre com verdade. Dão vida a personagens existentes. Jonas Hammar canta bem e interpreta um cigano-fake. E Marya Bravo, no papel da Divina, salvadora da pátria, entra arrebentando, arrasando, necessária, absoluta (isso pra usar o linguajar das travestis de plantão). Marya sabe das coisas. Uma das melhores cantoras e atrizes do cenário musical carioca. E uma grande intérprete também com um lindo trabalho em homenagem ao pai, Zé Rodrix - "De Pai para Filha."

"As Mimosas da Praça Tiradentes" é uma divertida e justa homenagem aos travestis de todos os tempos que ainda habitam a região do centro do Rio de Janeiro. Personagens reais do humor carioca. Vidas confusas que sofrem, cantam, encantam e ainda provocam aqueles que torcem o nariz para estes seres humanos. É o "Priscila, A Rainha do Deserto" à brasileira. É diversão garantida!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Aposta pelo novo e original esquenta temporada teatral

Fonte: O Globo - Segundo Caderno.

Textos inéditos, histórias atuais e dramas estreiam a partir desta semana

Por: LUIZ FELIPE REIS - Publicado: 3/01/12 - 7h50 e atualizado: 3/01/12 - 7h50


RIO - É como se a sala escura decidisse se impor numa época em que a vocação ao ar-livre da cidade vira uma tentação — quase — irresistível. Todo ano é assim: janeiro começa e, com ele, uma enxurrada de novas produções invade os teatros cariocas. Mas, desta vez, o clima da estação está diferente. Em vez de clássicos revistos e remontagens, o que se verá nos palcos da cidade nas próximas semanas é uma série de textos inéditos, que tratam do presente e apontam para o futuro.

A aposta é pelo novo, pela originalidade e pelo entendimento de que a sala de teatro deve abrigar e refletir o que acontece no mundo contemporâneo. Há textos assinados por uma nova geração de dramaturgos cariocas, como "Breu", de Pedro Brício; "A mecânica das borboletas", de Walter Daguerre; e "As mimosas da Praça Tiradentes", de Eduardo Rieche e Gustavo Gasparani. De fora, vêm peças de alguns dos autores mais inovadores da atualidade, como o americano Nicky Silver ("Os altruístas") e os ingleses Philip Ridley ("Disney killer") e Martin Crimp ("Duplo Crimp").

Em todos esses casos, sobressaem o drama e seus desdobramentos, enquanto a comédia e os musicais, dominantes nos últimos anos, dão as caras mais timidamente, mesmo que em grandes produções, como "Xanadu" e "As mimosas da Praça Tiradentes".

Após ter sido montado pela primeira vez na Broadway em 2007, "Xanadu", que estreia no dia 13, no Teatro Oi Casa Grande, ganha versão bem brasileira, dirigida por Miguel Falabella e vertida para o português pelo colunista do GLOBO Artur Xexéo. Em cena, Danielle Winits, Thiago Fragoso e Sidney Magal dão liga à abordagem quase antropofágica do musical americano, que por aqui ganha forma tropical a partir de muita cafonice e besteirol. Já "As mimosas..." assume a linha de frente no Carlos Gomes, no dia 14, como legítimo representante do musical de tempero nacional. A montagem se inspira na tradição cultural da cidade e põe em cena ciganos, vedetes, transformistas, a corte portuguesa, compositores, dançarinas de gafieira e os malandros que circundaram o início, o apogeu e a decadência da histórica praça localizada no Centro do Rio. Na comédia, o destaque é para a nova peça de Jorge Fernando, que estreia no dia 20, no Teatro dos 4. Escrita e dirigida pelo próprio, "Salve Jorge" reúne um apanhado de histórias pessoais vividas no teatro, no cinema e na TV.

Mas a festa começa mesmo nesta quinta-feira, com um exemplar inteiramente concebido por uma nova safra de artistas. Escrito e dirigido por Emanuel Aragão, "Meu avesso é mais visível que um poste" coloca uma piscina de lona no meio do palco do Espaço Sesc, em que se atira um seleto grupo de novos atores, entre eles Carolina Bianchi, Thiare Maia, Gabriel Pardal e Michel Blois. No centro da dramaturgia de Aragão, o cotidiano solitário de moradores do Rio se mescla a fragmentos de obras de Tchekhov: "A gaivota", "Tio Vânia", "As três irmãs" e "O jardim das cerejeiras".

— Selecionamos algumas pessoas e pedimos que escrevessem diários ao longo de duas semanas. Percebemos que o conteúdo era muito próximo das falas das personagens de Tchekhov — conta Aragão. — São pessoas que não acreditam que as coisas vão dar certo, que sentem angústia com a passagem do tempo e que procuram sentido nas coisas. Como moram sozinhas, elas dão valor às pequenas tarefas do cotidiano que vão preenchendo o dia a dia. Fizemos, então, um cruzamento entre as temáticas dos diários e os textos de Tchekhov e criamos uma peça que trata da solidão, de relações familiares e amorosas.

Entre os mais produtivos autores da recente safra carioca, Walter Daguerre mescla passado e presente, fuga e regresso, aproximação e inadequação familiar para guiar o (des)caminho de dois irmãos em "A mecânica das borboletas", que estreia no dia 11, no Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com direção de Paulo Moraes. Já Renata Mizrahi investiga a interferência do cotidiano atual nas relações amorosas em "Caixa de phosphorus", que estreia no dia 13, no Espaço Sesc, com direção de Susanna Kruger.

Na mesma data, Verônica Diaz leva ao Planetário da Gávea sua primeira parceria com o irmão Enrique, "Vida é o quê", que aborda a solidão nas cidades a partir da oposição de estilos de vida, numa crítica ao consumismo e ao vazio que ele imputa à existência. Também sobre como experimentamos nossas relações, num mundo sem fé, se desenrola "O céu está vazio", de Julia Spadaccini, que chega no dia 25 à Caixa Cultural.

Medo e desconfiança

Já Pedro Brício mergulha no passado de "Breu", a partir do dia 18, no Teatro 3 do CCBB. Na peça, medo e desconfiança definem não só os sentimentos de duas mulheres que se reencontram mas também a atmosfera sufocante da ditadura militar nos anos 1970. E o teatro fala sobre o teatro em "A vingança do espelho", que mostra um grupo de atores ensaiando para levar à cena a vida da atriz Zezé Macedo. O texto de Flávio Marinho ganha direção de Amir Haddad e estreia no dia 19, na Laura Alvim.
Abrindo a seção internacional, "Disney killer" chega ao Sérgio Porto nesta sexta. Escrita por Philip Ridley, a peça marcou a cena britânica no começo dos anos 1990 e desembarca aqui pelas mãos de Darson Ribeiro, que assina produção, tradução e direção e atua na montagem.

— O ponto central está no medo que o texto escancara, em suas diversas vertentes, mas, principalmente, o que temos em relação a nós mesmos — explica Darson.
Contemporâneo de Ridley, e expoente da nova dramaturgia britânica, Martin Crimp ganha uma peça dois em um com a estreia de "Duplo Crimp", dia 13, no Gláucio Gill. A montagem une os textos "O campo" e "A cidade" e é dirigida por Felipe Vidal, que, em 2010, encenou "Tentativas contra a vida dela", também de Crimp.
Mariana Ximenes de volta

Depois de ter seus textos "Pterodátilos" e "Criados em cativeiro" encenados por aqui, o nova-iorquino Nicky Silver surge no Espaço Tom Jobim no dia 12 com "Os altruístas". Primeira direção de Guilherme Weber, a peça marca a volta de Mariana Ximenes aos palcos, dez anos após atuar em "A rosa tatuada", de Tennessee Williams.
— Não teria vontade de montar esta peça sem ela. Acho que todo diretor tem esse fetiche de atrizes interpretando atrizes, em um texto que discute muito a profissão de artista — diz Weber. — Os diálogos são abertamente escandalosos, sádicos, irônicos e acelerados, assim como a personagem dela, que é extremamente verborrágica e corrosiva.

Outro retorno é o de Alessandra Negrini. Ela dá corpo e voz a "A propósito de Senhorita Júlia", adaptação da obra de Strindberg criada por um dos mais importantes dramaturgos e roteiristas ingleses, Patrick Marber, autor da peça "Closer", que deu origem ao longa que reuniu Julia Roberts e Natalie Portman, e do roteiro do filme "Notas sobre um escândalo", com Cate Blanchett e Judi Dench. A peça chega no dia 12 ao Teatro da Caixa, com direção de Walter Lima Jr.

No mesmo dia, no Teatro Poeira, estreia outra aposta surgida das mãos de um roteirista de cinema, "O bom canário", escrita por Zach Helm, autor das linhas que norteiam os longas "Mais estranho que a ficção" e "A loja mágica de brinquedos". Com tradução do cineasta Mauro Lima, "O bom canário" estreou na França em 2007, dirigido por John Malkovich, e agora chega ao Rio com a assinatura de Rafaella Amado e Leonardo Netto.

Já nesta sexta-feira o diretor Celso Nunes também surge com um inédito estrangeiro. Escrita pelo americano Murray Schisgal — corroteirista de "Tootsie" (1982), de Sydney Pollack —, "Os datilógrafos" estreia no Solar de Botafogo. Na peça, a rotina sufocante e repetitiva de dois datilógrafos serve de espelho e metáfora ao modo autômato como ambos levam suas vidas.