domingo, 27 de janeiro de 2013

A Viagem de Clarinha

 
Sim eu sou criança. Mesmo tendo completado a idade que considero ser a metade da minha vida, tenho ainda - forte, viva e presente -  uma criança interior que me faz brincar e sonhar o tempo todo. Ainda mais depois que a astróloga ordenou que eu trabalhasse para crianças, aí mesmo é que este meu pequeno EU não parou mais de pular em busca de atividades que levassem as crianças, incluindo a mim, para o mundo da imaginação.

Está em cartaz por curtissima temporada, até dia 03 de fevereiro, no Galpão das Artes no Espaço Tom Jobim o espetculo infantil "A Viagem de Clarinha". Baseado na obra de Maria Clara Machado, com a adaptação de Cacá Mourté e Symone Strobel, a peça que conta uma viagem na maionese de uma menina que tem o hábito de construir barquinhos de papel e viajar em histórias dentro e fora do barco. A proposta de "dividir" Clarinha em duas: uma moleca e uma princesa, agrada em cheio a todos os presentes. As meninas se identificam muito e os meninos, com as histórias de Clarinha, embarcam nas aventuras. Palmas também para os diálogos inteligentes, que tratam as crianças com respeito e não o ultrapassado "vovô viu a uva". Lições de higiene pessoal, como escovar os dentes e tomar banho, estão presentes no texto ágil e de fácil identificação da platéia mirim.

Na parte técnica, o espetáculo é itinerante, fazendo a platéia se deslocar dentro do galpão entre duas arquibancadas e almofadas para os pequenos. No primeiro quadro, o banheiro, representado pela banheira/chuveiro, onde a ação e a viagem começam. No segundo momento, o fundo do mar e o proprio mar. A excelente cenografia de Ronald Teixeira nos leva por caminhos imaginários da nossa infância, e o mar de tecido - dentro e fora da água - é um recurso perfeito para contar a história. Ligando as duas salas, uma floresta de tecidos e papéis e um tunel-cano d'água divertem a garotada. Ótimos também os adereços de Lislei Cunha e os bonecos de Alexandre Guimarães. O figurino de Pedro Sayd é bonito, cores neutras, deixando o brilho para as Clarinhas. A luz de Felipe Lourenço é ótima, dando colorido as meninas e iluminação branca para os demais. Elas são as criadoras das imaginações, logo, elas tem que brilhar. A direção de movimento de Márcia Rubin é sempre criativa e completa a direção do espetáculo com sábia parceria. Na direção musical, música original e desenho sonoro, Daniel Belquer acerta de mão cheia. Apenas o necessário de instrumentos, a musica fica na cabeça e completam as ações da peça. Os músicos são Murilo O'Reilly, Claudio Cabral e Carlos Eduardo Soares, dando vida não só às músicas como aos efeitos sonoros também.

Cacá Mourté e Symone Strobel, por dominarem totalmente o texto, conduzem a ação com excelente direção. Cacá eu já acompanho há tempos desde que vi pela primeira vez no Tablado "Jonas e a Baleia", entre tantas outras peças infantis que lá assisti. Cacá sabe tudo do universo teatral infantil. Sobrinha de Maria Clara Machado, o DNA grita! Em "As Viagens de Clarinha", a dupla de diretoras aproveita espaços, deixas, falas, sílabas e gestos para que as crianças compreendam a história e embarque na viagem, se possível dentro do barco de papel. Justamente por aproveitarem tudo que o teatro, a imaginação e o talento da equipe podem oferecer é que as duas merecem todo nosso reconhecimento e aplauso por este excelente trabalho.

As Clarinhas dividem-se entre Rachel Rennhack e Valentina Bandeira. Impossível dizer qual das duas brilha mais. Ambas perfeitas, entregues, felizes. Ambas são Clarinha. Não concorrem, são generosas, as crianças ficam enlouquecidas com as duas. Eu vi! Laura Araújo dá vida ao peixinho vermelho em ótimas brincaderias com a platéia. Iano Salomão interpreta o pai e o tubarão, este ótimo fazendo as crianças arregalarem os olhos de medo; Paula Otero interpreta a mãe e ventania; Fábio Lucena é o irmão de clarinha, louco para usar o banheiro; Pablo Paleólogo é o Trovão, que canta muito bem; e completam o elenco, e ainda fazem coro e contra-regragem os atores Cristiano Sauma, Daniel Belmonte, Carol Repetto e Amanda Tedesco. O quarteto se diverte na cena quase final em que fazem uma reportagem para o publico, contando a historia até aquele ponto, para que ninguem saia da peça sem entender do assunto.


Neste início de folia, onde as fantasias, sonhos e viagens estão à todo vapor, assistir a este espetáculo infantil é voltar um pouco na época em que encontrávamos nos bailes de carnaval do passado, a melindrosa, o índio americano, a tirolesa, o pirata e o árabe - ultima fantasia que minha mãe me vestiu lá em Iguaba Grande. Suava-se por todos os poros!.

Volte já a ser criança, ou alugue uma, e leve urgentemente para ver "A Viagem de Clarinha". São só mais 6 apresentações. Duas quinta e sexta, e uma sábado e domingo. E tomara que os patrocinadores possam dar novo fôlego à produção para que a peça permaneça em cartaz. Em épocas de tablets e smartphones, levar as crianças ao teatro para nunca deixarem de sonhar é a nossa obrigação para termos, realmente, um futuro melhor.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A GAROTA DO ADEUS


Dizer “adeus” não é nada agradável. Sempre me lembra aeroportos. Quando meu melhor amigo foi-se para Portugal passar uma longa temporada de mestrado, no aeroporto éramos 4 amigos. Três choravam, menos eu. Na hora do adeus, ele, ao meu ouvido ordenou “Fiquem todos juntos”. Pedi que ao entrar para a sala de embarque não olhasse para trás, recordasse de nós 4 juntos e felizes. Além do que, não saberia conter as lágrimas de saudade prévia. Ela não me obedeceu e nos olhou. Um ultimo adeus apenas com o olhar. Éramos, então, quatro chorões num Galeão ainda sem apagões e sem goteiras...

"A Garota do Adeus", de Neil Simon conta a história de uma moça - que tem uma filha - recém abandonada pelo namorado - que não é o pai da criança. Pra piorar, o safado subloca o apartamento para um colega ator. Daí em diante, brigas, acordos, caras feias, luta por espaço, briga pelo poder, admiração mútua, ajuda em momentos difíceis, sorrisos, troca de olhares e a boa influencia da menina que vê no inquilino um novo amigo, causam o que todos sabemos desde o inicio da peça: o surgimento do amor. E não é que o cara resolve também largar tudo e cair na vida?

O espetáculo em cartaz no Teatro Fashion Mall tem adaptação e tradução bem feitas, caprichadas e atuais de Edson Fieschi. Um belo trabalho de pesquisa enriquecido com as gírias em moda na atualidade, que aproximam o publico carioca do texto do dramaturgo americano.

A direção de Elias Andreato segue um pouco a linha das séries americanas da Fox, Sony ou Warner. Deduzimos o que vai acontecer em seguida. Mesmo com tantos degraus no cenário, não há esbarrões, e a história flu com naturalidade. O maior trabalho foi, sem duvida, nos mostrar uma Maria Clara Gueiros contida no papel da mocinha, sem apelar para seus bordões de programas de humor na TV. Soma-se a isto ensinar e conduzir a menina Luisa, estreando no Rio para uma plateia de convidados. Mérito também de Elias Andreato é dar ao espetáculo uma leveza, para que a plateia, que teve um dia exaustivo de trabalho, saia feliz e vá para casa satisfeita com o espetáculo.

No palco, Edson Fieschi está bem confortável - por ser muito íntimo do texto - no papel principal do inquilino-futuro-namorado. Além de saber exatamente o que quer dizer, Edson nos mostra um tom de humor inteligente, com pausas no momento certo antes de soltar a bomba da piada, e espera, e tem, o retorno de suas parceiras de cena. Gosto de sua atuação. Maria Clara Gueiros, como disse acima, está muito bem como a garota que volta e meia é obrigada a dar adeus a algum sonho: ora namorado, ora apartamento, ora emprego. Maria Clara tem presença marcante no palco e só não rouba as cenas por conta de sua filha, interpretada por Luisa Gonzáles, que no dia da estreia do espetáculo - e também sua estreia na peça -  parecia tão à vontade como se viesse de uma tournée nacional. Luisa tem o carisma necessário para interpretar menina que torce pela mãe, sem deixar de ter suas vontades infantis. Ótima em cena. Com personagens complementares, Clara Garcia e Sérgio Maciel tem atuação discreta.

Na parte técnica, o cenário do mestre José Dias abusa dos degraus - o que facilita a visão ampla do espetáculo - das ausências de paredes, janelas e portas dividindo ambientes. Móveis apenas necessários, mas de acordo com a classe econômica dos personagens. Não gosto muito quando se tem que fechar a cortina e a cena se desenvolve na boca de cena, num outro ambiente, mas a cenografia é bem resolvida com um tecido transparente que nos mantém de olho naquela casa, sem esquecer que a trama principal está ali atrás e o que acontece na frente é apenas um “à parte" na história. Figurino de Fabio Namatame é bonito e a luz de Paulo Cesar Medeiros é simpática, dando o tom da comédia e iluminando apenas as cenas nos aposentos, deixando os demais em meia luz. A música de Marcelo Alonso Neves é muito bonita, a ponto de ficar na cabeça do publico quando sai do teatro.

“A Garota do Adeus” é daqueles filmes que vemos à tarde, em dia de chuva, no período de férias, onde somos só sorrisos e algumas risadas altas. Estilo “O Amor não Tira Férias”, ou “Meu Primeiro Amor”. Um simples e simpático espetáculo, de bom gosto e recheado de talentos, para após um dia cansativo de trabalho.

domingo, 6 de janeiro de 2013

ROCK IN RIO - O MUSICAL


O único dia do único Rock In Rio que participei foi na abertura da terceira edição. Como trabalhava ali perto, no Projac, deixei o carro no estacionamento da empresa. Neste dia, a Orquestra Sinfônica abriu os trabalhos, junto com a esquadrilha da fumaça. Depois, Milton Nascimento, Gilberto Gil, James Taylor, Daniela Mercury e Sting encantaram o publico. Saí extasiado. Inesquecível. Nunca mais participei do festival. Coincidência apenas. Acompanhei pelo MultiShow o ultimo, lá no Parque dos Atletas, onde só fui conhecer quando Madonna cantou por lá. E a experiência não foi boa. Como o próximo festival também será naquele lugar, vai ser difícil a família Medina me ver por lá novamente.

Estreou na ultima quinta feira uma belíssima homenagem ao Rock In Rio na Cidade das Artes, Barra da Tijuca. A Grande Sala é imensa, os lugares são confortáveis, ótima acustica e o ar condicionado funcionou bem. Alguns probleminhas na chegada e partida, infra-estrutura rudimentar do lugar, mas que tenho certeza que logo serão corrigidas. Fora isso, é um mega complexo de boas intenções. Oremos.

No espetáculo “Rock In Rio - o Musical”, o texto é de Rodrigo Nogueira. Esse garoto é bom! Já vi uns 4 espetáculos escritos por ele e sempre me surpreendo com sua capacidade e sua qualidade nos diálogos. Palavras raramente usadas são muito bem empregadas. Rodrigo escreve bem, tem carpintaria teatral, faz um excelente jogo de palavras e de cenas com os 4 personagens principais, atualiza as piadas, sabe onde quer chegar. Os personagens criados por ele para contar esta história estão bem caracterizados, sem exageros.

A história: um rapaz que se comunica através da musica (não fala), e uma menina que detesta musica (e fala pelos cotovelos), se conhecem e se apaixonam. Ambos sofreram traumas de infância relacionados às suas famílias. Ao longo do espetáculo, referências sociais a um Brasil do passado, a insana luta do criador do festival para manter vivo o seu sonho, a humilhação do empregado feita pelo patrão opressor, a discussão sobre uma doença contagiosa. Gostei desta salada. O texto é bastante inteligente abrindo espaço para que as palavras sejam substituídas por música e deduções.

Na parte técnica, Nello Marrese e Natália Lana dão um show no cenário! Bonito, possível, funcional, elegante, de bom gosto. Funcionando muito bem para que o elenco possa ter espaço e que as cenas intimistas sejam compartilhadas com a plateia. Destaque para as casas dos protagonistas e os camarins em containers. No figurino Thanara Shönardie acerta em cheio na escolha dos tecidos e cores para os personagens. A luz de Paulo Cesar Medeiros é bonita e de bom gosto. Destaque mais que especial para a coreografia moderna, ousada e linda de Alex Neoral. Diferente do lugar comum, Alex foi criativo e inovador. Excelente seu trabalho. Delia Ficher assina a direção musical e os ótimos arranjos e tem à sua disposição excelentes músicos formando a banda do musical.

Encabeçando o elenco Lucinha Lins é a mãe do rapaz que se comunica pela música. Uma das vozes mais belas de todos os tempos, Lucinha encanta, dança e representa como ninguém. Suas interpretações musicais são o ponto alto do espetáculo.  Yasmin Gomlevsky, interpreta  a “Revoltadinha da Estrala”, canta muito bem, atropela um pouco as palavras, mas acredito que seja pela ansiedade de sua personagem, pois sua competência vocal é inegável. Guilherme Leme, como o pai da mocinha, tem total segurança no papel, sabendo explorar a qualidade daquele pai largado, ausente e que, mesmo frágil e com medo de enfrentar a vida, produz um festival.  Hugo Bonemer é Alef, o mocinho, daqueles que toda menina quer para si, quer cuidar, quer proteger e amparar. Hugo atua e canta muito bem, sua voz é ótima e seu Alef é um grande personagem.

Destacando-se entre os personagens, Ícaro Silva vive Marvin. Genial! Leve, solto, confiante e seguro em cena, Ícaro, com sua experiência em Malhação e DJ de festas badaladas, segura a plateia nas mãos e com carinho. É a grande (e boa) surpresa do espetáculo! Caique Luna se supera como Geraldo, o gay afetado que controla todo o festival. Emílio Dantas interpreta Roger, personagem difícil, que tem a missão de informar aos jovens que a prevenção é a arma contra as doenças infecciosas, seja por droga, seja por sexo. Papel importantíssimo no espetáculo, pois estamos vendo por aí, ainda hoje, o grande numero de jovens se contaminando com doenças sem cura. Kakau Gomes e Luiz Pacini dominam as cenas da loja de disco, numa simbiose total em cena. Marcelo Varzea intrepreta um professor de faculdade que tem a árdua tarefa de ser o interlocutor entre os revoltados alunos e a reitoria linha dura.

É grande o numero de atores. Porém todos estão muito bem em cena: Bruno Sigrist, Liv Ziese, Romulo Neto, Karen Junqueira, Juliane Bodini, Stephanie Serrat, Daniele Falcone, Sheila Matos, Alessandro Brandão, Cris Penna, Bruno Fraga e Celo Carvalho. Todos cantando e dançando com competência!

Acho uma genialidade formar uma equipe que vibra na mesma sintonia, que esteja afim de buscar o melhor para o espetáculo. E mais uma vez João Fonseca é o maestro deste espetáculo. Assim como na minha única presença no dia de abertura do 3º Rock In Rio com a OSB, vi ali na Cidade das Artes (que seria a casa da OSB) um maestro comandando uma orquestra formada por atores, técnicos, contra-regras, músicos, cenógrafos, figurinista, iluminador e coreografia. Tudo funciona perfeitamente. João sabe dar velocidade quando precisa e puxar o freio do espetáculo na hora necessária. As marcas são sempre limpas. Claro que com um mega palco as vezes é impossível não correr para sair de cena, mas são ossos do oficio. Não é necessário se rasgar elogios a João Fonseca (amigo querido que não canso de elogiar). Vá ver a peça e tenha a certeza de que seu trabalho é para ser aplaudido e premiado. É um dos seus melhores trabalhos como diretor.


“Rock in Rio - o Musical” é sem dúvida uma declaração de amor à musica e ao teatro. Rodrigo Nogueira escreve no programa da peça um dos textos mais emocionantes que já li em programas de teatro. Concordo plenamente com ele. Assim como o festival tem por objetivo transformar o mundo - “Rock in Rio - Por Um Mundo Melhor” - esta peça mostra que, sim, a música é capaz de mudar homens, atitudes e pensamentos.


Havia dito recentemente que “Priscilla, a Rainha do Deserto” era o espetáculo que mais havia me tocado desde “O Mistério de Irma Vap”. Pois “Rock In Rio - o Musical” acaba de entrar para a minha história pessoal dos melhores espetáculos musicais que já assisti em teatro. Um espetáculo brasileiro, sobre amor, música, explorando talentos nacionais de qualidade, mostrando que o Rio e o Brasil sabem fazer espetáculos inéditos voltados para a nossa realidade. Vida longa ao projeto. Um belo espetáculo que merece ficar em cartaz até setembro de  2013, quando teremos uma nova edição do festival Rock In Rio. Aplausos de pé de 15 minutos sem parar!