domingo, 11 de dezembro de 2016

60! DÉCADA DE ARROMBA - doc.musical


Maio de 2012,  cidade de São Paulo, Vale do Anhangabaú. O terceiro show da série “As Belas Tardes”, uma produção minha com Sônia de Paula, apresentava Wanderléa para o público de 5mil pessoas. Foi o maior show da minha carreira de produtor. Ângela Maria nunca tinha cantado na rua para um publico tão grande. Jerry Adriani e Wanderley Cardoso estavam, junto com Wanderléa revivendo aquelas belas tardes que encantavam as TV’s dos anos 60. Neste dia, Wanderléa chegou, se instalou no camarim e sua apresentação foi inesquecível. Meu amor por Wanderléa e por São Paulo estava, para sempre, marcado na história de cada um de nós. Outra passagem rápida: no Sambódromo de SP, uma escola homenageava Ziraldo. Wanderléa estava lá no carro alegórico. Eu a levei até a concentração e antes de subir ela me deu seus anéis para segurar. Ao fim do desfile fui buscá-la na dispersão e ela, tensa, perguntou pelos anés. Estavam sãos e salvos nos meus dedos!

Conheci Frederico Reder nas apresentações do Circo Reder, que inundava de crianças o Teatro dos Quatro, enquanto nós incendiávamos com outras crianças o Teatro Clara Nunes, com Dona Baratinha. Dali em diante surgiu uma admiração e um respeito e, sempre que estamos perto, o carinho e afeto não nos faltam! De lá do circo pra cá, Fred devolveu ao Rio o Teatro Tereza Rachel, rebatizado de Theatro Net Rio, ocupando a vaga de melhor teatro da cidade e trazendo para Copacabana as melhores peças.

Fred sabe que a maioria do público que ocupa as plateias nos dias de hoje é a terceira idade. Além disso, sabe que Copacabana é o bairro favorito desta turma. Ora, o que faz um homem inteligente como ele? Se junta com Marcos Nauer e cria um espetáculo diferente, inovador, bonito, emocionante falando da melhor época daqueles que ocupam as poltronas do teatro. Um Documentário Musical, sério, que reúne os mais importantes acontecimentos de uma década. Assim surge “60! Década de Arromba - doc.musical" 

O espetáculo é um documentário com números musicais, onde Frederico Reder, criador com Marcos Nauer, bebe na fonte do circo - magia, riso - e tem como a cereja do bolo uma estrela nacional para arrebatar os corações. Tudo isto você encontra neste doc.musical. Um novo gênero teatral acaba de surgir. A década de 60 passada em 3 horas, divertindo, emocionando, relembrando a riqueza daquele período.

A equipe técnica é da melhor qualidade: excelentes figurinos de Bruno Perlato – bem confeccionados, estampas bonitas, perfeição na recomposição da época; o competente e colorido cenário de Natália Lana, se fazendo presente na grande tela de tv na boca de cena e nos adereços colocados na entrada do balcão, com destaque para o cinema; as projeções e vídeos de Thiago Stauffer retratando os melhores momentos da década; e tudo isto muito bem iluminado por Daniela Sanches, que sabe a importância das projeções e painel de LED e consegue integrar o elenco nos vídeos como se estivessem neles. Um show de talentos!

Fred se juntou com os dois nomes mais em evidência do teatro musical brasileiro: Victor Maia nas coreografias e Tony Lucchesi na direção musical. Sem medo de errar, este é o melhor trabalho de Victor Maia em coreografia de musicais. Acompanho sua evolução e, aqui, Victor está seguro, apaixonado pela sua arte e consegue nos fazer dançar sentados nas poltronas junto com o elenco. Tony conduz a alma das canções, dirigindo os músicos que são os órgãos vitais para que as canções sejam um sucesso. E consegue. Dois profissionais que estão ali de corpo e alma, dedicados, emocionados e felizes com as suas realizações.

O numeroso elenco reflete dedicação e alegria visíveis. Tenho que destacar Analu Pimenta, Cassia Raquel, Erika Affonso, Leo Araujo, Rodrigo Naice e Tauã Delmiro. A todos o meu aplauso de pé.


E quando você pensa que já se emocionou com a Barbie, o Ken, a Tropicália, a Bossa Nova, a Jovem Guarda, Elis, as mortes brutas, os artistas que nos deixaram, a feiura da ditadura, a liberdade de Hair, eis que surge, no topo da escada, Wanderléa! Linda, forte, lenda viva, cantando! A plateia vem abaixo! Impossível não se emocionar com a aparição. São os anos 60 voltando com força total, personificados em Wanderléa, que nos acolhe, nos abraça com seu olhar, sua alegria. Musa, diva, rainha, deusa, elas gritam! E Wanderléa é isto e muito mais.

Obrigado Frederico Reder e Marcos Nauer. Obrigado Tadeu Aguiar e Eduardo Bakr. Obrigado Victor Maia e Tony Lucchesi, toda equipe de criação, músicos e atores, por este espetáculo lindo, de bom gosto, divertido, emocionante e que valoriza a cultura brasileira, mostra um pouco do que foram os anos 60. Só o amor nos dá forças para passarmos por esta fase conturbada do mundo. Nosso país desmoronando, o conservadorismo crescendo. É o tempo do amor! Viva o doc.musical 60! Que o amor com que todos os envolvidos demonstram em seu trabalho se espalhe por toda a plateia que assistir ao musical. Aplausos de pé emocionados.

sábado, 26 de novembro de 2016

A GAIOLA

Aí você conhece uma pessoa nova, um alguém que te faz ver estrelas, gargalhar à vontade, pensar sobre coisas novas. E o convívio torna a pessoa cada vez mais interessante a ponto de ficar com vontade de prendê-la numa gaiola para que seja só sua. E você prende. E aquele amor, aquela história, estaciona o tempo. Nada ao redor tem importância, a não ser a relação. Isso funciona tanto para um novo amor, um novo amigo, ou mesmo para um bicho de estimação. Conheço filhos que vivem em gaiolas impostas por seus pais e deixam de viver, de ganhar anticorpos para enfrentar a vida e o mundo que os cerca.

Apenas hoje e amanhã na Mostra Teatro Para Todos, no Teatro Carlos Gomes (RJ), a peça infantil A Gaiola, cuja base é o livro infantil de mesmo nome, criação de Adriana Falcão e Eduardo Rios. A peça, que de infantil só tem a estampa, fala sobre amor, ciúme, culpa e posse. E para crianças, onde os adultos ficam com nó na garganta do início ao fim. Um passinho cai no jardim da menina e o amor entre os dois é imediato. Ela cuida dele, ele fica agradecido. Eles conversam de um jeito único, troca de afagos e gorjeios. Ele canta para ela. Ela o alimenta e cura o machucado. Eles se alimentam no amor. E já que estão tão apaixonados, a menina coloca o passarinho na gaiola para que eles possam viver juntos. Ao longo dos dias, a alegria reina. Mas... algo acontece.

O mais interessante no texto é que não há embates ou discussão de relações, mas sim, a situação vista pelos olhos de um e pelo pensamento do outro. O que eu penso sobre mim, o que eu penso sobre o outro. Como me sinto nesta situação, como será que ele se sente. Sim, existe diálogo, mas – sabiamente – os autores optaram pelos conflitos internos, que geram o ciúme, a culpa e a criação de hipóteses nem sempre verdadeiras sobre uma situação (seja ela qual for). Não posso falar muito pra não estragar o espetáculo. Então, vá assistir.

No palco, o cenário limpo de João Modé permite que a direção crie imagens lindas. Destaque para a GENIAL gaiola que é construída em cena. Também elegante e leve é o figurino de Flavio Souza. Tudo muito bem iluminado pelo competente e premiado Renato Machado. Ricco Viana assina a direção musical e trilha original e nos faz sair do espetáculo com a boa musica ecoando no ouvido. Cantando.

Carol Futuro é uma menina mesmo, não temos dúvida. Ela se comporta, se move, fala, pensa como tal. Do pé aos olhos. E canta que é uma beleza! E o passarinho é Pablo Áscoli, sábio ator que se utiliza de minúcias para criar um passarinho mínimo, mesmo sendo um homem alto. E também canta que é uma beleza!!! Os dois, integrados, entregues, emoções nos olhos, fazendo dos seus corpos a mais pura expressão de sentimentos e de arte.

Duda Maia é a diretora geral e de movimento. Gênia. Em alto grau de competência e criatividade. Duda explora o movimento como contação de história. Tanto num rabo de olho, quando num abraço expansivo, quanto na entonação correta das palavras. Tanto no andamento rápido dos dias que passam, quanto no momento em que só a música salva. Duda, coincidentemente, nos mostrou toda a beleza e a tristeza do fim do romance em Auê e agora nos mostra algo similar, também com grande emoção e verdade cênica. Já disse antes e repito: Duda é gênia. A prova é a qualidade dos seus dois trabalhos que assisti: A Gaiola e Auê. Se no primeiro o linguajar e o comportamento é para crianças e no segundo o foco é o adulto, seu trabalho comove toda a plateia, que sai do teatro pronta para pensar e agir sobre o mundo ao redor.

Despois de tudo dito, impensável perder este espetáculo. Precisamos falar sobre o amor, sobre o que estamos fazendo nas relações, como nos comportamos, prendemos, somos possessivos, e o que é preciso fazer para libertar o outro de nós mesmos, para que ele possa voar alto e voltar sempre. A máxima de que se desejas ter um passarinho preso basta deixar a porta da gaiola aberta é verdade. Liberte aquele que você ama e tenha a certeza de que ele será seu – de alguma forma – para sempre. Viva o amor. Viva Adriana Falcão, Duda Maia, Carol Futuro e Pablo Áscoli. Tomara que A Gaiola rode o Brasil e que fique muito tempo em cartaz. 
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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

ENTREGUE O SEU CORAÇÃO NO RECUO DA BATERIA

Recebi pelo facebook um texto (traduzido para o português) de Heidi Priebe, onde é dito que “Nem sempre nós ficamos com os amores das nossas vidas”. Assim como ela, eu acredito nos grandes amores, pois já o conheci. Tive três amores verdadeiros e um, maior que todos, que me faz acreditar em vida após a morte, predestinação, além disso tudo aqui que vivemos. No texto, Heidi diz que “nem sempre chegamos a ficar com os amores das nossas vidas, porque o amor não é tudo que existe. (...) Às vezes tu tens um mundo inteiro para explorar e ele tem medo de se aventurar fora do seu quintal”. E por aí vai. Leia mais no link abaixo.

http://jafoste.net/nem-sempre-nos-ficamos-com-os-amores-das-nossas-vidas/

A ótima surpresa da temporada carioca é o espetáculo Entregue seu Coração no Recuo da Bateria, em cartaz até fim de novembro no Centro Cultural da Justiça Federal, e depois irá para o Teatro Miguel Falabella, em dezembro.
Na peça, texto de Marcus Galiña e Pedro Monteiro, uma passagem na história de um casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira, em momento de crise conjugal, nos faz torcer, ora para um, ora para o outro, por um final feliz. O amor entre os dois é inegável. Mas ele, como bom malandro carioca, nascido e criado nas rodas de samba e nas quadras dos grêmios recreativos, se comporta exatamente como a sociedade local o criou: o machão viril que não dispensa uma boa saia, mesmo tendo que arrumar desculpas para engabelar a amada. E ela, cansada disso tudo, do machismo, da falta de respeito, das mentiras do seu amor, está ali, pronta para uma DR (discussão de relação) definitiva, em busca da verdade, da manutenção do seu amor, salvar sua relação.
A trama acontece durante o desfile da escola de samba, onde ambos defendem o lábaro, a bandeira, as cores da escola. A cada jurado, uma nova tensão. A cada intervalo entre as cabines dos jurados – são 4 – situações dramáticas acontecem, o passado vem à tona, a roupa suja é lavada, a declaração de amor é feita, os votos de casamento pedidos. Será que mais uma vez o garanhão irá iludir a amada e tudo ficará como antes, ou dessa vez ela aprendeu a lição e seguirá seu caminho deixando o amado roer beira de calçada e provar que ela é o que importa para ele?
Com cenário e figurino de Marieta Spada, ótimos nos figurinos e simples no cenário (mas de bom gosto), Marieta dá espaço, leveza, brilho e beleza nas cores harmônicas do figurino, e na certeza de que o cenário está ali para completar um romance, e não concorrer com ele. A luz, de Fernanda e Tiago Mantovani é sempre bonita e competente. A direção musical e trilha sonora, de Marcelo Alonso Neves bebe na fonte dos maiores hits dos sambas-enredo e nos faz ter a certeza de que o Rio de Janeiro é a capital do samba. Que prazer escutar e relembrar cada desfile vencedor, cujo refrão tem tudo a ver com a cena que estamos assistindo.
Gabriela Estevão, a Porta-Bandeira, mostra seu poder de convencimento na primeira fala, do lado de fora do teatro, na concentração da escola, deixando a plateia boquiaberta com sua força de interpretação. Pedro Monteiro, o Mestre-Sala, capricha na cafajestagem, no naturalismo em que interpreta as tentativas de reconquistar a amada, na verdade do amor que aquele personagem sente por ela. É difícil não torcer pelo amor quando temos estes dois atores dedicados e parceiros no palco. Jorge Luiz Jeronymo é o elo de ligação, às vezes narrador, às vezes personagem principal, conduzindo os dois representantes máximos da agremiação no amor pela escola. É dele os momentos em que a plateia se põe a pensar, a conhecer o passado de cada personagem. Como um preparador dos passistas, como um pai, como um amigo fiel, seu personagem é aquele que queremos abraçar no fim e agradecer por tudo que foi ensinado.
Joana Lebreiro é a diretora. Fugindo da sua forma de dirigir - e olha que considero Joana uma das melhores diretoras de teatro da atualidade - neste espetáculo ela se reinventa, traça caminhos não óbvios, acalma a história, deixa fluir na cadência do samba o passo dos personagens e o tempo necessário para que se consiga atingir os objetivos de cada cena. Joana entendeu a rigidez do ato de ser Mestre-Sala e Porta-Bandeira e se rendeu aos jurados imaginários do desfile de escola de samba, e faz o espetáculo passar pela avenida do palco aclamado pelo publico nas arquibancadas.
O amor existe, eu garanto a você, leitor. E é para poucos o prazer de encontrar a metade da laranja e viver com ela. Só encontrar o seu amor, entre 7 bilhões de pessoas no planeta já é uma vitória. Mantê-lo ao lado é uma dádiva. “Talvez nós devêssemos simplesmente ser gratos por termos encontrado essas pessoas. Por termos chegado a amá-las. Por termos aprendido com elas. (...)”. Declare o seu amor, nem que seja no recuo a bateria. Mas o faça. Entregue o seu coração na platéia do teatro. Deixe-se envolver com um dos melhores espetáculos de 2016!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

DEPOIS DA TERCEIRA ONDA

“Que tempos estes!” A frase pode ser lida e escrita por várias pessoas de classes e opções políticas diferentes. Época em que o medo dos rumos políticos no Brasil e no mundo, a insegurança econômica, o abismo entre o que o povo necessita versus o que os governos oferecem, está aí pra quem quiser criticar, sugerir, lamentar.

Longe da minha opinião política, temos que observar a mudança no eleitorado. As eleições para prefeito nas duas maiores cidades brasileiras indicaram a vitória do conservadorismo, mas com rostos novos. Um empresário em SP e um Religioso no Rio são a novidade num cenário em que, seus partidos, estão ao lado do conservadorismo. Interessante notar que a maioria dos votos nos candidatos é justamente da população contrária às políticas sociais - e vários beneficiários delas - que foram mal executadas nos últimos anos do governo passado. Temos receio de que, com estas novas caras, um totalitarismo, uma ditadura social, venha com força dominar, e domar, nosso país e, quiçá, nosso mundo, visto que nos EUA a coisa é bem parecida.

Oportunamente, a CIA Abrupta, sob a batuta do diretor Jarbas Albuquerque, nos traz para o teatro a peça “Depois da terceira onda”,  inspirado no documentário A História da Terceira Onda (de Dennis Gansel), onde se discute a microditadura social através de um experimento, em sala de aula, entre professor e alunos. Jarbas assina a dramaturgia desta peça em questão. Gosto da forma leve e direta em que o texto é adaptado para o teatro e para a realidade brasileira, podendo ser compreendido por todas as classes sociais que assistem ao espetáculo.

Jarbas tem inteligência e sabe o que quer dizer com a peça, cria cenas interessantes entre os alunos e o professor, envolve a plateia – que chega a rir de nervoso e até por identificação com o momento atual – mostrando que a realidade está mais do que batendo à nossa porta. A mudança para o conservadorismo está na nossa cara, no nosso momento, no agora. Orai e vigiai, diriam os evangélicos, pois, aprendamos com eles, e vigiemos, para que não calem as vozes da oposição, não se impeça de dizer que se está contra uma situação, sem ser enjaulado ou assassinado.

Destaque para a cena em que a atriz repete, à exaustão, e de várias formas diferentes a expressão “de novo”. É isso. Tudo de novo, de novo.

No palco, os atores Adriana Perin, Daniel Bouzas, Henrique Guimaraes, Ignácio Adunate, Lu Lopes, Maira Kestenberg e Samuel Vieira vivem a experiência de transformar uma classe num micro universo fascista e totalitário. O final, inusitado mas não surpreendente (e isto tem a ver com a humanidade e não com a montagem), mostra que, no fundo, no fundo, somos todos manipuláveis, mesmo no momento da brincadeira. Atores em ótimo conjunto, sendo verdadeiros e integrados à proposta do diretor.

Cenário de Gregório Rosenbusch e Mariana Meneguetti, figurino de Henrique Gimarães e a luz de Elisa Tandeta contribuem para a evolução da história, deixando a palavra, a direção e a atuação mergulharem neste mar esperando a chegada da terceira onda, a mais forte, que encerra um ciclo de ondas, arrasando o todo, ou iniciando o novo.


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O momento politico mundial e nacional, pedem que o teatro também fale dele. E a peça “Depois da Terceira Onda” está no momento certo, no local certo (Centro Cultural Justiça Federal) e merece ser vista por quem ama a arte cênica. Vejam, debatam, discutam política, não deixem calar suas vozes. Vida longa ao espetáculo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

CÉUS

Desde que mergulhei no universo Netflix, os seriados tomaram conta da minha vida. Me forço a assistir um episódio por dia, sem maratona, e me dedicar na mesma proporção à literatura. Foi assim com Homeland, que fala sobre oriente médio, agentes, guerras, explosões, atentados, homens-bomba, contra-espionagem. É tão bem escrito e filmado que me peguei torcendo para o mocinho-vilão explodir o presidente americano diante dos olhos do mundo. Não era o Obama, claro.

Depois da impecável montagem de Incêndios, o ator e produtor Felipe de Carolis nos presenteia com Céus, outro texto de autoria do libanês Wajdi Mouawad. Só por este autor ser libanês já tem todo meu carinho e admiração. Minha família – os Howilla, carinhosamente abrasileirado para Aouila – veio da cidade de Jounieh, no Líbano. A vontade de conhecer aquele lugar é imensa.

Na peça, em cartaz no Teatro Poeira, com a velocidade de um episódio de seriado, tal qual um seriado, temos a história de um grupo de agentes de investigação que tentam decifrar códigos em busca de alguma coisa que possa ser o indício de um atentado em alguma parte do mundo. Recentemente assisti uma entrevista (pena não saber a fonte) onde se comentava que, depois de 11 de setembro, os atentados estão sendo praticados por poucas pessoas, quase individuais, e a chance de evitar um, é tão difícil quanto decifrar onde será o próximo. Tivemos exemplos recentes na Alemanha, Bélgica, França e quase mensalmente no mundo árabe.

Voltando ao espetáculo,  o grupo descobre que jovens estão se reunindo para atacar um determinado monumento. A descoberta de qual monumento e a data é que fazem deste espetáculo um triller de suspense e angústia. Paralelo a isto, a vida de cada um dos participantes, naquele momento, é contada em pequenos flashes. O pai que busca melhorar o relacionamento com o filho mesmo à distânca, a mulher grávida de um agente morto, outro querendo o lugar do chefe, e aquele que não aguenta mais e quer ir embora a qualquer custo. A trama é embaralhada como cartas e as canastras são postas à mesa na medida em que a história avança. A tradução fluente é de Angela Leite Lopes.

O cenário Fernando Mello da Costa é sempre uma aula de competência e modernidade. O figurino de Antônio Medeiros é bastante atual. A luz de Maneco Quindaré sabe bem o caminho a conduzir a história. Destaque também para as projeções da Radiográfico e a impecável trilha sonora de Tato Taborda.

Os atores Silvia Buarque, Charles Fricks, Isaac Bernart, Rodrigo Pandolfo e Felipe de Carolis são os agentes. O competente grupo de atores, já elogiados por diversos outros trabalhos, tem aqui uma vantagem: a unidade e a integração entre si. É excelente o monólogo de Silvia Buarque. Charles Fricks, um dos melhores atores de sua geração, nos leva às lágrimas tanto pelo carinho com que conversa com o filho pela internet, quanto pelas cenas em que descobre onde será o atentado e o grande final do espetáculo. Rodrigo Pandolfo e Isaac Bernart, também seguros em cena, dão o suporte e o suspense necessário a trama. E Felipe de Carolis, menos exigido pelo texto, tem um trabalho de qualidade e relevância.

A majestosa mão de Aderbal Freire-Filho conduz o espetáculo numa espiral crescente de emoções e movimentação. Sua inteligência para deixar o elenco ao largo da cena, enquanto a peça continua, é ótima, pois permanecem na energia do espetáculo. Assim como é bacana fazer da plateia o jardim, levando pessoas para sentarem no palco, integrando publico ao cenário. Ótimas também as cenas que se passam “nos quartos” onde apenas uma cama e poucos objetos trocados dão exata diferenciação de cada cômodo.

É inegável que vivemos em constante alerta de atentados. Aqui no Brasil não temos o medo do Estado Islâmico presente, talvez por ser tão longe, mas temos os arrastões, os assaltos, sequestros relâmpagos, nossos atentados do dia a dia contra a civilidade, mas, com a internet, estamos plugados num mundo onde o que acontece na Europa, Ásia e África nos chega na velocidade da luz. Tenho amigos que moram em “países de risco” e sempre que surge uma notícia bombástica nos falamos imediatamente. A comoção com os atentados e o medo de qual será o próximo alvo é a nova ordem mundial quando o assunto é terrorismo.


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Porém, enquanto a paz mundial não vem, e enquanto houver histórias para serem contadas, que venham cada vez mais espetáculos modernos e atuais de teatro, como este, Céus, que enriquece a cena teatral carioca e nos coloca no circuito mundial dos bons espetáculos de autores contemporâneos ao que estamos vivendo. Aplausos para toda equipe e desejos de que os produtores continuem nesta linha de trazer espetáculos sobre o oriente médio para nós.

sábado, 22 de outubro de 2016

NEFELIBATO

De médico e louco todos nós temos um pouco. Não é à toa que me identifico com a frase. Tenho sempre uma receita caseira para uma enfermidade, aprendida e repassada por amigos e parentes, ou mergulho numa boa lista dos 10 melhores remedinhos inseparáveis. Como louco, por morar sozinho, minhas manias estão tomando cada vez mais vulto e tamanho. Na rua, minha loucura é inventar história para personagens do dia a dia. Qualquer fila sempre me é um brainstorming de histórias e personagens.

Nefelibato está em cartaz no porão da casa de cultura Laura Alvim, sala Rogério Cardoso, espaço que vi espetáculos inesquecíveis. A peça conta a história de um mendigo (Louco? Esquecido? Órfão?) que busca nas suas memórias uma fonte de vida para não desaparecer do mapa. Um homem à margem da vida que chamamos “comum”. Regiana Antonini, autora de textos que retratam muito bem o cotidiano, nos apresenta um personagem real, possível, qualquer morador de rua da nossa cidade, que chegou a aquele ponto da vida sem ter mais nenhuma esperança ou caminho a seguir.

Regiana nos conta, no programa, que seguiu, durante um dia, um morador de rua, que ela conhecia de vista, e que ali havia um personagem, uma história ser escrita. Soma-se a isto a perda de um parente após o confisco das contas e poupanças pelo Plano Collor nos idos anos 90. A tia perdeu todas as economias e morreu de desgosto. Regiana mistura as duas histórias na vida deste personagem que acaba por viver no mundo da lua, (Nefelibata – aquele que vive no mundo da lua).

Esta é a vida de Anderson, personagem interpretado por Luiz Machado. Com verdade em sentimentos e comportamentos, Luiz cria um morador de rua bem humorado, angustiado, confuso de ideias, apegado ao seu cantinho, culto até onde a vida lhe permitiu caminhar. Quantos relatos ouvimos sobre mendigos que leem? Anderson também lê e despista a solidão com os livros.

A  cenografia e figurino de Teca Fichinski são interessantes e criam no pequeno espaço no recém reformado teatro, um canto repleto de informações e histórias, tanto nos objetos de cena, quanto na roupa. A luz de Vilmar Olos contribui na passagem de tempo, momentos de angústia e calma do personagem.

Fernando Philbert dirige o espetáculo sabendo da limitação física do espaço e fazendo disto a sua melhor arma. Não ignora a presença do publico ali, na cara do gol. Pelo contrário. Faz com que pareçamos uma rodinha de pessoas em volta da atração daquela rua imaginária, sejamos cúmplices de uma fotografia do dia da vida do personagem Anderson. Se pudesse comparar com nossa vida cibernética, Fernando Philbert faz um “Instragram Histórias“ (Snap-Insta) de momentos da vida de Anderson. Um trabalho de qualidade com supervisão do craque Amir Haddad, expert no quesito teatro de rua.


Lembrando o premiado espetáculo Estamira, cujo tema também é a solidão da loucura, Nefelibato reinaugura o espaço Rogério Cardoso trazendo um texto reflexivo, atuação competente e uma história que nos comove. Até que ponto temos a nossa loucura controlada? Qual o limite para não abandonarmos tudo e vivermos nas ruas mendigando e livres das obrigações sociais? Não perca a chance de assistir a um espetáculo que deixa margem a uma boa conversa depois.