segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

COPACABANA PALACE O MUSICAL


Minha criação é responsável pelo meu amor à arte. Minha avó, pianista, me levava ao Theatro Municipal, para ver concertos com Nelson Freire e orquestra. Minha mãe me levava ao teatro e comprava livros. Meu pai era músico. Cresci com a arte grudada em mim. Sou resultado da formação de plateia. Se levar uma criança ao teatro, ela se apaixona. 

Pois foi minha avó quem me levou para assistir, no Teatro do Copacabana Palace, as peças “Encontrar-se” (com Renata Sorrah e Ana Baird), “A Dona da História” (com Marieta Severo) e “O Preço” (remontagem com Paulo Gracindo). Tudo lá nos anos 80. Lembro do glamour e suntuosidade do teatro. O olhar de criança via um teatro imenso. 

Milagrosamente, em meio a tentativa de desmonte e descrédito das artes, eis que Gustavo Wabner idealiza um musical contando a história do hotel, desde sua criação até a venda para um grupo internacional. Ao fazer um trabalho no local, nos anos 90, Gustavo errou a porta e abriu os escombros do que tinha sido o Teatro do Copa. Aí estava o fio de uma história e um resgate prontos para virarem algo. Com a parceria de Sérgio Modena, diretor e parceiro de vida, partiram para a realização do milagre.

Corta para 2021. Gustavo e Sérgio se juntaram a Alice Cavalcante, Ana Velloso e Vera Novello, um “sábio” casamento sobre uma história “lúdica” e surge, no próprio Teatro do Copacabana Palace, reformado, este musical. Sábios Projetos com Lúdico Produções são as duas empresas produtoras deste projeto cultural. 

Copacabana Palace O Musical é, como diz o nome, um musical de teatro com interpretação, diálogo, música e dança. Prato cheio de caviar para os amantes das artes. Na peça, conhecemos Mariazinha Guinle, mulher forte que luta para manter viva a tradição, o ganha pão e o sonho do Copacabana Palace como idealizado por seu marido. Temos as fofocas de época: fake news sobre presidentes, entreveros com escritores e artistas, o gosto da comida da realeza britânica, entre outras passagens memoráveis pelo teatro, Golden Room, piscina e quartos do hotel. Senti falta dos ovos jogados pela vizinha Narcisa na piscina do hotel, mas isso dá um outro musical!!

Lembram-se dos shows de samba e passistas da churrascaria Plataforma? Pois Copacabana Palace O Musical, conta, sob o ponto de vista de Copacabana, tudo aquilo que os turistas e moradores conhecem da cultura carioca: a mistura de ritmos, a alegria e orgulho, a variedade e o colorido. Se o show da churrascaria valorizava o samba, Copacabana Palace O Musical valoriza a cultura carioca como um todo. Mostra como somos receptivos e sabemos receber um amigo, um turista e quem mais vier, de braços abertos, sobre a Guanabara.

No palco, Suely Franco é ovacionada em todos os seus números musicais. Ela é a personificação do talento e da garra de todo artista. Sua presença em cena chama todos os olhares, mesmo quando está quieta! Cláudio Lins nos alegra desde o primeiro passo ao entrar em cena até o acorde final de sua canção. Ariane Souza abre os trabalhos com a sua voz envolvente e aveludada. Chis Penna traz o seu imenso talento de humor e cantor desde o segurar de uma bandeja até a homenagem a Cauby Peixoto. Também no elenco o talento e a beleza de Vanessa Gerbelli, Ana Velloso, Daniel Carneiro, Erika Riba, Guilherme Logullo, Julia Gorman, Luiz Nicolau, Natacha Travassos, Patrícia Athayde e Saulo Rodrigues.

Natalia Lana assina a ótima cenografia em perfeito casamento com as projeções de Rico e Renato Vilarouca. Karen Brusttolin assina os numerosos figurinos e Paulo Cesar Medeiros ilumina a tudo com a competência e beleza de sempre. Roberta Fernandes é a diretora de movimento e Herberth Souza o diretor musical. Aplausos de pé.

Sérgio Módena é um diretor que sabe equilibrar os números musicais com dramaturgia, coreografia, suspense, humor e drama, oferecendo à plateia um espetáculo completo.

Ter de volta o Teatro do Copacabana Palace é mérito de uma grande equipe, desde a ideia brilhante do Gustavo Wabner até o patrocínio e parceria dos investidores. É a certeza de que o Rio de Janeiro renasce das cinzas dos anos de intolerância e obscurantismo religioso.

Copacabana Palace O Musical resgata o glamour da cidade. Nos faz lembrar a importância do Rio de Janeiro no cenário cultural do mundo. Nos devolve a alegria e o orgulho de sermos cariocas. Mostra a importância do casamento entre turismo e cultura. Esbofeteia nossos rostos, como pessoas catatônicas que precisam de algo para lhes fazer olhar a realidade. A cada número musical, a cada mudança de cenário, temos diferentes emoções. Fica a alegria de dizer que o Copacabana Palace é nosso. É carioca. É Rio. A peça nos faz crer que o pesadelo que vivemos está começando a acabar. 

Tenho certeza que este musical está “em casa”. Torço para que fique anos em cartaz, os turistas assistam a este trabalho grandioso, os moradores possam respirar ares de um passado de glórias e que se renovem as esperanças de um futuro de arte, cultura e alegria em nossa cidade. Viva o Copacabana Palace! Vida longa ao Teatro do Copa e muito sucesso para este belíssimo musical. VIVA!!


domingo, 14 de novembro de 2021

O DRAGÃO



   As fábulas são formas de se contar histórias colocando o espectador, o ouvinte, em estado de atenção e imediata identificação. Voltamos a ser crianças quando estamos diante de uma fábula. E é aí que mais aprendemos e entendemos o assunto que está sendo tratado naquele momento. Gosto de virar criança em teatro mesmo em peça adulta. É quando mais me sinto envolvido pelo trabalho. Este é um dos espetáculos em que voltei a ser criança, sem deixar de ser um ser economicamente ativo e pensante.

    Está em cartaz no Armazém da Utopia, ali no porto maravilha do Rio, armazém dedicado às artes, o espetáculo “O Dragão”, com tradução é de Maria Julieta Drummond de Andrade. O novo espetáculo da Cia Ensaio Aberto - que de ensaio aberto não tem nada - é profissionalismo da melhor qualidade.

    A peça, “uma fábula que narra a história de um povo que não conhece a verdadeira liberdade”, foi escrita pelo russo Eugène Schwartz, em plena segunda guerra mundial. Era uma forma dele mostrar tramoias, acordos, mentiras do reino, aceitação dos absurdos cometidos pelos governantes, a passividade do povo, a esperança renovada com chegada de um salvador da pátria, um novo líder que se dispõe a eliminar o domínio do mal e propor que o povo governe de acordo com suas necessidades. Não sem antes lutar. Tem muitas outras coisas ditas nas entrelinhas da peça, no resultado final, no comportamento do elenco, na direção, no cenário. O que marca é a esperança de que, com a união conseguiremos nos livrar de qualquer mal que nos escraviza. 

    Luiz Fernando Lobo é o diretor da grandiosa montagem. Acerto total para o preenchimento do espaço, a composição das cenas com os atores e cenários e a calma e o respeito com a palavra que se está sendo dita, deixando claro ao público os seus objetivos. Os belíssimos figurinos são assinados pela dupla craque Beth Filipecki e Renaldo Machado; a luz de Cesar de Ramires é um personagem à parte e utiliza de sombras, focos e explora todo o espaço do galpão. Mas é o cenário de J.C. Serroni que traz a grandiosidade e a imponência deste espetáculo. Cinco grandes estruturas, sendo que 4 móveis, são movimentadas por atores e contra-regras, devidamente vestidos como personagens e que promovem encaixe perfeito no espetáculo. Grandes estruturas que andam com leveza. Os adereços de Eduardo Andrade/Arte5 e os efeitos aéreos de Claudio Baltar abrilhantam mais ainda a peça.

    O numeroso elenco, coeso, animado, de grande competência e capacidade tem como principais o próprio Luiz Fernando Lobo (ótimo Dragão), Toca Moraes (a Gata perfeita), Claudio Serra (Burgomestre impecável!!!), Leonardo Hinckel (o salvador da pátria Lancelot), Luiza Moraes (a mocinha Elisa) e Aruam Galileu (competente Henrique). Ainda completam o elenco 14 atores que são coro, povo, operários, guardas, tropa de choque... infinitos personagens! Um elenco de altíssimo nível e entrega.

    Poucas vezes senti vontade de gritar “bravo” ao final de um espetáculo. Gosto de muitas peças que assisto. Desgosto de outras - é natural - mas sempre tem algo de bom para se tirar e aprender quando o que foi mostrado não agrada. Sei do trabalho que dá produzir. Mas o ápice é o “bravo”, é tipo perfeição. É quando a emoção fala além de mim. Devo ter gritado umas cinco vezes na vida o tal do “bravo”. Portanto, cá estou eu novamente a gritar BRAVO! Gritei ao final da apresentação e grito aqui em letras garrafais. BRAVO!

    Saí da apresentação em êxtase, feliz, satisfeito, pronto para uma luta armada, cheio de esperanças para continuar produzindo, escrevendo, fazendo arte, para que esta nossa luta contra o governo atual que nos odeia não seja em vão. Este espetáculo é imperdível em todos os sentidos. É o maior e melhor espetáculo de teatro desta temporada. O melhor recomeço depois da terra arrasada pela pandemia. Tudo que precisamos neste momento. Esperanças renovadas. Obrigado e vida longa a O Dragão. BRAVO!! 


terça-feira, 19 de outubro de 2021

NINGUÉM DIRÁ QUE É TARDE DEMAIS


     Demorei a escrever sobre a peça, mas... Ninguém dirá que é tarde demais!
 
     Assisti na última quinta-feira ao espetáculo “Ninguém dirá que é tarde demais”, em cartaz no grande Teatro Riachuelo, com texto escrito por Pedro Medina, neto de Arlete Salles. Os dois dividem o palco com Edwin Luisi e Alexandre Barbalho, filho de Arlete! Reunião de família!

     Também fui daqueles que sofreram, e sofrem, com o isolamento social... dos vizinhos!! Tenho uma santinha criança que chora desde março de 2020 todos os dias, sem pular nenhum, quando o assunto é banho. Deus abençoe esses pulmões! De março pra cá, bati panela na janela às 20h30, acendi lâmpadas de celular na janela às 19h, rezei ave-maria na janela às 18h, peguei sol na laje, cuidei de plantas, apanhei de mosquitos às 16h. Reduzi o número de convivas a uma mão aberta. Aglomerações apenas de máscara, e só depois da chegada da vacina, com, no máximo, 6 pessoas. O distanciamento social me pegou de tal jeito que, ainda agora, quando tudo parece voltar ao normal, não tenho vontade (nem coragem) de encarar os humanos (sem me colocar em destaque). Não me sinto melhor, nem pior. Só gostei demais de ficar sozinho.

     Acredito que a hora de falar sobre pandemia seja agora. Daqui a um ano, já será assunto requentado e lembrar de sofrimento, ansiedade e desesperança não será de bom tom. Jamais esquecer as atrocidades que sofremos com a governança deste momento. A peça diz isso. Somos todos culpados pelo péssimo momento que o país vive. Todos. Somos. Culpados.

     A história conta a relação entre familiares obrigados a conviverem na pandemia. Avó e neto, pai e filho. Vizinhos que suportam o som alto, o cheiro da comida, as roupas na portaria. As impressões de cada um sobre a vida, sentimentos e relações interpessoais são muito bem fundamentados no ótimo texto de Pedro Medina. A carta que a avó escreve ao neto é de uma poesia, um primor literário, pouco visto nos textos atuais em teatro. (Atuais? Tá... de antes da pandemia!) A dramaturgia tem embasamento, boa construção de personagens e ações. Talvez longa demais para nós que estamos acostumados ao sofá, mas, por outro lado, estamos na poltrona, e a alegria de estar no teatro supera o tamanho da peça de quase 2 horas. Mas, antigamente a gente não se importava com isso... é... eu envelheci e o mundo mudou!

     Dirigida por Amir Haddad, os atores são convidados a contracenarem com distanciamento social, mesmo que vacinados e testados. Ponto positivo! Apenas nos intervalos de cena, dançam timidamente juntos. Gosto muito de os atores estarem em cena, sem serem personagens, aguardando a vez de falar. Com isto, a ocupação do palco é inteligente. Destaque também para o casamento ótimo com a direção musical de Lúcio Mauro Filho. Eu chorei, cê acredita? A cenografia é do mestre José Dias, o figurino de Carol Lobato e a iluminação de Aurélio de Simoni. Trio pra lá de experiente e premiado que sabe muito bem que o que precisa brilhar nesta peça é o texto.

     Edwin Luisi é sempre certeiro nas suas construções. Aqui faz um personagem que sofre a falta do trabalho e do dinheiro, mas mantém o berço da cultura e educação. Alexandre Barbalho, que faz o filho de Edwin, é seguro na sua interpretação. Pedro Medina faz um neto que abusa do direito de morar na casa da avó e que merece umas palmadas. E Arlete. Arlete Salles. Sempre uma aula de interpretação, generosidade, confiança e amor à sua arte. Vê-la em cena, no melhor espetáculo da temporada, é uma alegria imensa.

    Destaco mais uma vez o texto da peça. Ali no palco reflete-se o que passamos (estamos passando) e o que ficará para a história e a memória do teatro. Uma fotografia fiel deste momento brasileiro pandêmico. Um espetáculo de excelente qualidade que prova que o teatro está mais vivo do que nunca (apesar das tentativas de destruir a cultura brasileira) e sempre existirá assunto para ser discutido e encenado. Vida longa a “Ninguém dirá que é tarde demais”. Viva o Teatro!

segunda-feira, 7 de junho de 2021

A HORA DA ESTRELA

A cada entrada em um teatro é uma celebração de alegria e reza. Já disse e repito: teatro é a minha religião. Onde me alimento da energia superior. Sempre, seja na plateia ou nos bastidores, que estou em um teatro, sinto a energia grudar em mim. Quando estou trabalhando em um teatro, sinto que minha alegria vai até o público. Seja na bilheteria, operando um som, arrumando roupas no camarim, entregando um objeto ao ator que sai de cena e volta rapidamente, gargalhando na última fila, puxando os aplausos finais.

Desde março de 2020, minhas idas ao Templo Teatro têm sido raras. Imagino como se sente uma beata, uma obreira, um fiel, um umbandista, um espírita sem poder aglomerar e trocar energias. Digo isto para os que, obviamente, se importam com o isolamento social. Quem aglomera não está entre meus leitores. 

Em setembro de 2020, Laila Garin me fez ir até o teatro para assisti-la cantar. Foi um reencontro. Agora, novamente Laila me faz reencontrar com o teatro adulto. O musical, o nacional, o brasileiro, o templo, a religião. Sou fã, seguidor, plateia garantida.

Está em cartaz, e on-line, A Hora da Estrela, ou O Canto de Macabea, musical em homenagem ao centenário de Clarice Lispector, autora do livro que se empresta para contar esta história. A ligação do teatro com a literatura é imensa. Assim também acontece com as óperas. “O que diz Molero”, “O Púcaro Búlgaro”, “Amor Confesso” são as que me chegam agora na memória de grandes peças baseadas em livros.

A história, no livro narrada por um escritor, agora é contada por uma atriz. Esta troca só melhora o que Clarice já havia dito em palavras. Macabea é nordestina, a atriz que narra e a interpreta, também. Baiana, Laila Garin, se doa por completo ao personagem. Voz, brilho nos olhos, corpo, tudo está à disposição da história. Nem a máscara consegue ofuscar sua luz. Os olhos de Laila falam. As mãos, os pés, os ombros, tudo é Macabea.

A personagem chega ao Rio. Mora em vagas pequenas, muito bem apresentadas pelo cenário de André Cortez, que constrói com mesas um cortiço, com roldanas presas em mesas faz o link com o primeiro emprego de Macabea. O figurino de Kika Lopes nos traz o nude, o terra, o mais pastel possível, que “orna” com as mesas, com o árido nordestino, mas sem tirar a leveza e a pureza da protagonista. A luz de Renato Machado é sempre um espetáculo. Intensa, forte, marcante.

Macabea tem um namoro com Olímpico de Jesus, interpretado por Claudio Gabriel. Ótimo cantor e ator, conseguimos entender as aspirações sociais do homem que não vê em Macabea um futuro.

Cheia de questões e conflitos existenciais, Macabea se aconselha com Glória e vai até uma cartomante. Os dois personagens são criação de Cláudia Ventura, que sempre, sempre, sempre é uma alegria quando aparece em cena. Afinada, carismática, Cláudia constrói personagens que se contrapõem a Macabea. Tanto Gloria quanto a cartomante são mulheres fortes, o que mostra ainda mais a fragilidade a protagonista. 

Na cartomante, a esperança de um futuro melhor faz Macabea ficar “grávida de futuro”. Feliz com as possibilidades lidas durante a consulta. Iludida, pobrezinha. Mas esperançosa.

André Paes Leme conduz o espetáculo com imensa competência, segurança e criatividade. Explora texto, corpo e voz dos atores. Casa música de qualidade, com texto primoroso e atuações impecáveis. Não tem como ser diferente de “perfeito”. Destaque para a cena do cortiço, onde Macabea dorme em uma vaga, onde os atores participam de um verdadeiro cross-fit se embrenhando pelas pernas das mesas e amontoando umas sobre as outras, nos mostrando a claustrofobia e o micro-espaço em que vivem. Gênio.

E é Chico Cesar quem traz as músicas criadas exclusivamente para a adaptação e a homenagem com a ótima direção musical e arranjos de Marcelo Caldi. Lindas as músicas. Certamente vale todo registro só com elas para ser vendido, postado, divulgadoMúsicas que tocam o espectador, completam a cena, transmitem mais que palavras. A música da peça é um elemento que abraça o todo. Fabio Luna, Pedro Franco, Pedro Aune e Marcelo Caldi são os músicos de cena. 

Não sei se estava há tempos sem assistir musical para adultos, mas o reencontro com o teatro foi marcante e abençoado. Renovei as energias, recuperei as forças de tantas perdas de pessoas queridas, artistas que nos deixaram. 

Andréia Alves, idealizadora e produtora, sempre nos traz o melhor da cultura brasileira com a Sarau. É sempre um prazer estar na plateia das suas produções.

Que todos os amantes da literatura, da boa música, dos musicais, do teatro possam assistir a O Canto de Macabea, A Hora da Estrela, que sofreu com a pandemia um hiato, mas a sua retomada só mostra a força da mulher brasileira, a garra dos atores, técnicos e músicos, a competência das equipes e a certeza de que precisamos, cada vez mais, deste tipo de arte e cultura. Aplausos de pé.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

CARMEN, A GRANDE PEQUENA NOTÁVEL


Era março de 2020. Assisti ao musical sobre Donna Summers, em São Paulo, e uma semana depois a Covid 19 caiu como um meteoro devastador no mundo, principalmente no artístico. Tudo foi interrompido e lacrado: adeus shows, teatros, novelas, eventos culturais, tudo parou. Aguentamos durante um ano Lives no Instagram e YouTube, cine-teatro-online via Zoom e afins, cantou-se nas varandas e sacadas pelo mundo, sobrevivemos com seriados, filmes em streaming e novelas antigas. Árduos tempos. Com o respiro da lei Aldir Blanc, proposta pelo Congresso Nacional, a cultura respirou. Ações locais nos estados e municípios, com verbas próprias, também ajudaram a manutenção dos profissionais que estavam a fazer gratuitamente seu trabalho pela internet.

A mim, foram 350 dias sem assistir a qualquer peça de teatro ao vivo. Neste tempo, revi musicais pelo YouTube, acompanhei alguns espetáculos online, mas... é o Ao Vivo que me emociona; é o palco, a troca com o espectador, o aplauso durante e depois. Venci o medo do contágio, me embrulhei de álcool em gel, vesti minha melhor máscara e encarei a poltrona do CCBB Rio, para assistir ao espetáculo “Carmen, a grande pequena notável”.

O musical tem inspiração no livro de mesmo nome, escrito por Heloisa Seixas e Júlia Romeu, contando a história de Maria do Carmo Miranda da Cunha, vulgo Carmen Miranda, o maior símbolo da cultura brasileira. Como foi descoberta, as músicas de sucesso, o estrelato nacional e internacional, o carnaval, as marchinhas, festa junina, o cinema, Bando da Lua, a volta ao Brasil, o nariz torcido da crítica local e seu retorno aos EUA onde acabou morrendo. O texto nos conta isto e mais um pouco, mesmo tendo público alvo infanto-juvenil. O que torna a peça mais genial ainda, pois voltamos a ser a criança durante sua exibição.

No palco, a cenografia e o figurino são um casamento perfeito. Com telas em preto e branco, que se abrem como livros e as letras do nome CARMEN com rodinhas virando bancos, praticáveis e expositor de loja de chapéus, é puro teatro criativo. Muito bacana também a evolução da cor dos figurinos, que vão aparecendo ao longo da peça, iniciando em PB e explodindo em tons fortes no final. Gargalhadas com a rapidez de Carmen cantando para enlouquecer os gringos. Aplausos para o número musical em que todos batucam no cenário, estilo o grupo STOMP, tirando sons da madeira e compondo a canção. A cena final é lindíssima com Carmen fechando um livro ao som de “Adeus Batucada”. Pois tudo isto, cenário, figurino e direção é fruto da imaginação de Kleber Montanheiro. Tudo isto muito bem auxiliado pela direção de movimento de Keila Fuke e pela luz de Marisa Bentivegna.

A direção musical é do gênio Ricardo Severo e os músicos Betinho Sodré, Mauricio Maas, Monique Salustiano e Fernando Patau não economizam na animação e no fôlego.

O elenco carioca tem Daniela Cury, Guh Rezende, Fernanda Gabriela, Júlia Sanches e Samuel de Assis. Integrados, carismáticos e se entregando com força máxima a todos os papéis que representam. E muito bem caracterizados pelo visagismo de Anderson Bueno.

Mas é de Carmen Miranda que estamos falando. E ninguém mais, ninguém menos que Amanda Acosta para emprestar seu corpo e dar vida a este personagem tão copiado. Impossível não comparar a sua apresentação com Soraya Ravenle e Stella Miranda, que se dividiam para viver Carmen no visceral “South American Way”. Amanda é um somatório perfeito das três (Carmen, Stella e Soraya), milimétrica nos olhares e gestos, na voz, no trinado, na rapidez do canto, no carisma, na beleza... ufa!... enfim, um imenso talento. Amanda, que vem de uma brilhante interpretação de Bibi Ferreira, agora encarna Carmen Miranda sem medo e com a mesma competência. Um espetáculo!

Sabemos que a pandemia se faz presente e, pelo visto, vai demorar a nos abandonar. Mas, tenha coragem. Mergulhe-se no seu álcool 70, vista sua burca, embale-se em plástico, e vá assistir ao musical. Os atores e músicos estão sendo testados semanalmente e fazem a peça com máscara transparente. Ou seja, é segurança e qualidade. E vá assistir ao musical “Carmen, a grande pequena notável” no CCBB e saia bêbado de cultura, revigorado de amor e recheado de arte. Alias, a arte salva, sabia? Então vença o Covid 19 e vá ao teatro. Aplausos de pé. E muito obrigado por me trazerem de volta para a plateia.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

REENCARNAÇÃO



 O Midrash Centro Cultural apresentou hoje, 18/01, a leitura do texto “Reencarnação”. A peça conta a história de uma “alma boa” que propõe um levante junto a Deus para que este se explique sobre a ida daquelas almas na fila para a reencarnação no Brasil de hoje (2020-2021). Esta “alma boa”, mulher, toma a frente do movimento apático de alguns e conformado de outros. O texto de Lilian de Mattos e Maitê Coropos bebe na fonte de “A mulher que escreveu a Bíblia” (Moacyr Scliar) e “Aline Dorel” – personagem de Grace Gianoukas em Terça Insana, dividindo com o público situações divertidas sobre o passado da “alma boa”, na história na Bíblia – e de Jesus com Apóstolos – e a sua importância nos fatos onde não lhe foram dados os devidos créditos à época! O texto ainda me lembra “A Vida Brian”, do grupo inglês Monty Python, com o humor cheio de referências religiosas e boas piadas. Aline Carrocino interpreta com segurança, naturalidade e confiança. É das grandes atrizes da sua geração: canta lindamente (interpretou Nara Leão) e encanta as crianças (em Luiz e Nazinha); tem um humor perfeito para este espetáculo. A direção de Diego Moraes respeita o texto, sabe da importância da mulher como fonte segura de comando e protagonismo no mundo novo que se abre para todos nesta época pós-pandemia (chegaremos lá em algum momento) iniciando com a chegada da vacina. Aplausos a todos.