segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

GENTE DE BEM


Nelson Rodrigues, Mauro Rasi, Juca de Oliveira nos contam muito, em seus textos teatrais sobre o comportamento social e político do país da época em que escreveram. Nelson Rodrigues assinava “A Vida como ela é” no jornal. E basta ler dois ou três colunas para se ter exata noção do quão sem noção era aquela sociedade retratada. Mentiras, hipocrisia, “o que os outros vão achar”. Mudamos?

Cá estamos em pleno século XXI, beirando o fim de mais um ano (um feliz ano sob a ótica democrata!) e ainda temos muito que estudar a atual sociedade na qual estamos inseridos. Como chegamos a este ponto?

Dados sobre a população brasileira: as igrejas evangélicas cresceram 543% em 20 anos no Brasil (Pesquisa da USP). Em 2019, o número é de 109.560 igrejas. O Censo da Educação Superior 2019 indica que existem no país 2.608 instituições de educação superior. Isso diz muito sobre os brasileiros... Deus acima de tudo?

Yin e Yang são conceitos do taoismo que expõem a dualidade de tudo que existe no universo. Descrevem as duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as coisas. A 3ª Lei de Newton nos diz que para toda ação, existe uma reação de mesma intensidade, porém de sentidos opostos. A liberdade comportamental cresceu, o conservadorismo também. Na mesma proporção.

Como diria Millor Fernandes “Não se amplia a voz dos idiotas”, mas... como? Se as redes sociais trouxeram à tona vozes idiotas e que abarcam dezenas de milhares de seguidores? A liberdade de comportamento, a internet, as redes sociais, trouxeram para nosso cotidiano vozes antes caladas por vergonha. As pessoas precisam voltar a ter vergonha de serem burras.

Desculpem o introito acima, mas é para contextualizar o sensacional espetáculo “Gente de bem”, da Comparsaria Teatral que está no CCBB do Rio até semana que vem apenas. E já torço para nova temporada. Baseado no livro “Necrochorume e outros contos” de João Ximenes Braga, seis contos são levados ao palco mostrando como a população brasileira está caracterizada atualmente. Adriana Maia e Xando Graça assinam a dramaturgia. Hipérboles comportamentais. Exemplares de ridículos tiranos. Exageros de idiotas alimentados por quatro anos de um governo onde seu maior representante era o imbecil-mor. O ser desprezível que representa metade da população votante que lhe concedeu um mandato e quase conseguiu o segundo. Que gente é essa? Onde estavam? Sempre estiveram entre nós? Sim. Porém agora suas vozes “de bem” estão sendo espalhadas.

Seis contos geniais de João Ximenes estão muito bem dirigidos por Adriana Maia, que, mantendo a prosa do texto escrito, dá vida aos personagens com entonações vocais e comportamentais, ora com apoio apenas de uma maquete, ora de uma mesa com poucos objetos, corpos dos atores somados à iluminação, caracterizam sem medo pessoas loucas, mesquinhas, ridículas, de bem, que se acham no direito de pisar nos outros para manter seus privilégios. Excelente trabalho de direção. Destaque para a cena do casal escravizado que é representada 2 vezes por atores diferentes, e cuja emoção e força se mantém a mesma nas duas formas apresentadas. Gargalhei na história das vizinhas solteiras.

Cenografia e figurino são assinados pelo grupo Comparsaria. Anderson Ratto assina ótima luz. André Poyart nos traz uma direção musical competente.

O talentoso elenco, em ordem alfabética: Adriana Maia, Alexandra Damascena, Ana Achar, Anna Wiltgen, Camí Boher, Dadá Maia, Gilberto Góes, José Ângelo Bessa, Marian Consoli, Miguel Ferrari, Pamela Alves, Stefania Corteletti e Xando Graça. Seria injusto destacar alguém deste grupo unido e disposto a contar a história do Brasil deste momento. Aplausos de pé para todos. A força da Comparsaria está justamente em seu conjunto.

O google nos diz que “comparsa” é companheiro, parceiro. A Comparsaria Teatral é um grupo de excelentes atores / diretores / teatrólogos / trupe que visivelmente ama o ato de atuar, ama a arte dramática e que mostra para a sociedade o quão ridícula e “estudável” é o momento em que estamos vivendo. Assisti ao espetáculo “A Plebe do Coriolano” e a força do grupo se mantém a mesma.

Urgente ficarmos atentos para evitar o retorno do fascismo à presidência da república. O medo é diário. Eles sabem usar as redes sociais, espalhar as narrativas falsas pelas igrejas e aplicativos. Conseguem mudar a realidade. E como consequência, aumentam a pobreza e a fome. São espertos em manter privilégios e asfixiar minorias. Temos que mostrar a (nossa) realidade para fora da bolha em que vivemos, como nós estamos enxergando esses seres do mal revestidos de pessoas de bem. É importante fazer chegar em quem vive na realidade paralela o quão nocivas elas estão sendo para a nossa sociedade.

Vida longa a “Gente de Bem”! Que esta voz possa ser espalhada, que não tenhamos medo em contar, que possamos falar sempre como nos sentimos diante das atrocidades dos idiotas e seus seguidores. Aplausos de pé. (Escrevi muito, perdoem! Mas desabafei!)

terça-feira, 14 de novembro de 2023

MAHATMA ANDY E A BATATA FILOSOFAL


Era 1982 e o filme Gandhi tirou de ET o Óscar de melhor película daquele ano. Fiquei revoltadíssimo! Como pode isso? A birra foi tanta que levei anos para assistir ao premiado filme. Pois a história verídica de um homem “que empregou a resistência não violenta para liderar a campanha bem sucedida para a independência da Índia do Reino Unido” (colei do Google) superou a história hollywoodiana fantasiosa da mentira dos ETs. Ora, nada mais justo! A mensagem de Gandhi é muito mais poderosa – e necessária – que o resgate de um ser de outro planeta. Se bem que, no momento onde temos 2 guerras externas midiáticas em curso e mais tantas outras nas periferias das capitais de estados brasileiros, qualquer ajuda dos céus na face da Terra seria muito bem-vinda...

De novo fui ao Google e ele me diz que “os Mahatmas não são seres desencarnados, mas pessoas altamente evoluídas envolvidas na supervisão do crescimento espiritual dos indivíduos e do desenvolvimento das civilizações.”

Posto isto... está em cartaz no CCBB Rio o ótimo espetáculo Mahatma Andy e a Batata Filosofal. Como diz o release, um “mocumentário”, gênero teatral que incursiona pelo território da dúvida. E de fato fiquei na dúvida se o que estava sendo dito no palco era realidade ou invenção. Andy nos conta que o personagem interpretado, ou vivido, recebera o título da ONU, através do departamento de grandes erros históricos, com intermédio da Monja Coen. Mas para ter direito ao título, deveria conquistar o Sans Souci (Sem Preocupação). Traduzo: pra ser Mahatma tem que atingir a paz interior. 

O texto é do próprio Andy Gercker que nos traz uma dramaturgia rica em pesquisa e em histórias pessoais misturadas com competência, humor e elegância. A arte de contar um grande causo intermediado por mini-historinhas é arte para poucos e Andy produz um texto que traz pequenas situações, ora regadas de humor – conhecimento da neurociência –, ora banhadas de lágrimas – autoficção, representatividade LGBT+ -, que faz com que todo o espetáculo seja crível, real e verdadeiro.

O cenário, trilha sonora e figurino também foram pensados por Andy Gercker, ator e neurocientista, são o necessário para que todo o conteúdo do espetáculo seja muito bem aproveitado. A luz é do sempre ótimo Paulo Cesar Medeiros, colaborando com a direção nos momentos de riso e emoção.

Também é dele, Andy, a direção da peça. Me impressiona muito quem consegue se dirigir de dentro do processo. É muito neurocientista aquele que sai de seu corpo e olha de fora o todo. Andy faz isto. A peça não tem pressa. Tem pausas significativas e respeito pelo texto e pelo público. Tudo é explicado e encenado. O uso dos objetos capa, tapete, livro do Príncipe, e da batata, são necessários e importantes. A movimentação também no pequeno espaço do Teatro III do CCBB permite que o público se sinta íntimo do ator/autor/diretor.

Como ator da peça, Andy Gercker está ótimo. Seguro, alegre, consciente e aproveita todo o seu texto para mostrar, ainda mais, o excelente e talentoso profissional que é.

Bebendo na fonte inesgotável de arte do grupo Monty Python – trupe de comédia britânica -onde o humor é baseado na sátira, história e recriação da realidade, Andy Gercker nos proporciona um dos melhores monólogos da temporada teatral carioca. Detalhe ainda para o ótimo título que brinca com Harry Potter e seu primeiro livro. Que Andy possa trazer também Mahatma Andy e o Cálice de Fogo Sagrado...

Assim como na batalha entre os filmes ET (ficção) e Gandhi (realidade), onde a vitória é do cinema, em Mahatma Andy e a Batata Filosofal a vitória é do próprio Andy Gercker e, sem sombra de dúvidas, do teatro brasileiro. Vida longa a Mahatma Andy e a Pedra Filosofal. Viva o teatro!!

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

VESTIDO DE NOIVA


Quando fiz parte do Clube da Letra, a cadeira que ocupava era justamente a de Nelson Rodrigues, pela minha paixão pelo teatro e também pela forma atual e dinâmica com que “nossos textos se pareciam” (dadas as gigantescas distâncias...), segundo os colegas do clube. Espero ter honrado sua memória enquanto lá estive. 

Está em cartaz no Teatro 2, do CCBB RJ, uma ótima montagem de Vestido de Noiva, que completa 80 anos em dezembro de 2023. É o resultado de um trabalho pré-pandêmico do Grupo Oficcina Multimédia, turma de apaixonados pelo teatro que tem 45 anos de atuação, sendo que Ione de Medeiros assina a direção artística há 40 anos. 

A peça escrita por Nelson Rodrigues, inovadora mesmo nos tempos atuais, “mescla realidade, memória e alucinação para contar a triste história de Alaíde. Após ser atropelada por um carro em alta velocidade, ela é hospitalizada em estado de choque. Na mesa de cirurgia, oscilando entre a vida e a morte, a mente de Alaíde tenta reconstruir sua própria história e, aos poucos, seus sonhos inconscientes e desejos mais inconfessáveis vêm à tona. Quem vai ajudá-la nesse processo é a enigmática Madame Clessi. Juntando as peças desse quebra-cabeça, ela conduz Alaíde na busca pela reconfiguração de sua própria identidade.” É o que nos diz o release e não achei melhores palavras para dizer sobre o texto, por isso repeti.

No palco, temos um sensacional casamento entre cenografia, figurino e iluminação. Cenário e figurino assinados por Ione de Medeiros, que também assina a direção, e Bruno Cerezoli na luz. Tecidos que são toalha de mesa e véu de noiva, macas que são carros em movimento, dança de refletores sobre os atores, mesa de jantar que vira passarela, é um trabalho espetacular. Soma-se a isto o belíssimo balé, direção de movimento, coreografia, criados para os atores contarem a história trágica com uma beleza poética visual. 

É lindíssimo como os atores carregam as noivas no colo e seus vestidos desenham no ar movimentos. Também são destaques os vestidos de noiva sobrepostos, que parecem aquelas bonecas de papel que se recortava o modelito e uma singela aba no ombro da roupa prendia o novo vestido na modelo de calcinha e sutiã. Uma frente única que fica perfeita sobre os “vestidos de noivas” das noivas já existentes. Um acerto também manter os homens de terno, mesmo quando representam papéis femininos. Destaque ainda para a trilha sonora de Francisco Cesar e Ione de Medeiros.

Um caso à parte de alegria são os vídeos (criação de Henrique Torres Mourão e Ione de Medeiros) projetados no fundo do palco. Completando a cena, ora como narrativa, ora como história, lembrei do espelho da Malévola, que conversava malignamente com sua dona. Excelente.

Os atores Camila Felix, Henrique Torres Mourão, Jonnatha Horta Fortes, Júnio de Carvalho, Priscila Natany e Victor Velloso estão totalmente entregues à montagem e, cada um a seu tempo, tem espaço para brilhar. Porém, não posso deixar de comentar a interpretação de Jonnatha Horta Fortes (que também assina a assistência de direção, figurinos e preparação corporal) para Madame Clessi. Seguro, divertido e consciente da importância deste papel no teatro brasileiro. Uma beleza.

Ione de Medeiros dirige, prega botão, chuleia, dança, dá vida, arte e alegria a Nelson Rodrigues e ao público que assiste esta montagem belíssima de Vestido de Noiva. A arte de um bom diretor é promover o casamento, o complemento, a proteção, a divisão de atenção sem prejuízo, entre os elementos cênicos e Ione faz isso muito bem. Há tempos não vejo um casamento tão bonito entre elenco, interpretação, figurino, cenário, coreografia, comportamento cênico e iluminação. É, sem sombra de dúvida, uma direção minuciosa, de grande imaginação criativa e competência em execução. 

Ir ao teatro e assistir a um texto de Nelson Rodrigues é sempre um imenso prazer. Ele dá sempre uma bofetada com luva de pelica numa sociedade hipócrita que jogava - e ainda joga – sua sujeira para debaixo do tapete. Nas manchetes de jornais de hoje estão estampadas as atrocidades humanas da pior espécie que faria Nelson Rodrigues se envergonhar, tamanhos absurdos que temos que combater diariamente, nas ruas, nas redes sociais, no congresso nacional... parece que a sociedade piorou muito. E ver, um texto brilhante de Nelson Rodrigues ser tratado como uma joia rara, cheio de respeito e amor ao teatro é para se aplaudir de pé.

Viva Nelson Rodrigues, Viva o Grupo Oficcina Multimédia, viva o teatro brasileiro!

domingo, 24 de setembro de 2023

NEURA!

Os dados não mentem jamais: é público e notório que o distanciamento social, provocados pela pandemia, afloraram as neuroses nossas de cada dia. De acordo com levantamento do Colégio Notarial do Brasil, entre janeiro e junho de 2021, o país teve 37.083 divórcios, que significa 24% maior do que em 2020, no mesmo período. Em todo ano de 2020, foram 76.175 divórcios, 1,5% a mais do que em 2019. De perto, ninguém é normal...

Já dizia o sábio Millor Fernandes “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem”. 

Pois depois de falar sobre a loucura da civilização no espetáculo "Caos" e mergulhar na sobrevivência consigo mesma durante a pandemia, a atriz e dramaturga Rita Fischer traz para a cena carioca o espetáculo Neura, texto de sua autoria, que trata de uma relação "levemente" neurótica entre um casal recém formado. Sempre ágil, atual e comunicativo, o texto de Rita Fischer beira o politicamente-incorreto, passando pela tangente dos cancelamentos das redes sociais. Numa constante corda bamba entre o risco da critica pesada e a aceitação por apenas parte da plateia, mantendo a dúvida sobre se é ou não de bom tom, o texto fica no fio da navalha. O melhor de tudo é que comunica com a plateia.

No espetáculo, uma mulher recém-casada reclama neuroticamente com o recém-marido por tudo: pela recém-lua-de-mel, pela recém-falta-do-sexo, e por outros “recéns” acontecimentos que deixam o marido baratinado. Ela não fica quieta um minuto sequer... será que ele não poderia ter feito um test-drive em uma viagem para definir se deveria ou não casar com esta doida? Eis o mistério da fé...

No palco temos o cenário do sempre criativo Nello Marrese, com roupas penduradas no varal, lavadas e em processo de secagem, e uma máquina de lavar roupas. Ora... Nello nos propõe uma piada-visual: a peça é lavação de roupa suja o tempo todo!! O figurino é assinado por Alice Demier e a iluminação é do Diego Diener, que no pequeno espaço do Cândido Mendes faz milagres com sua luz. Temos ainda a trilha sonora original de Ronald Sales.

Thiago Bomilcar Braga assina a direção do espetáculo, deixando o elenco à vontade para criar cacos e aproveitar a proximidade da plateia para acrescentar piadas ao texto. Atento aos detalhes, Thiago promove marcas dinâmicas e criativas, utilizando-se do que tem à disposição de espaço e objetos de cena. Como os atores são craques, ele mantém o espetáculo limpo, colocando freios de acomodação para que as viagens não sigam para maioneses muito grandes!

Vital Neto é o marido. Presente, rápido e seguro, Vital nos oferece um personagem que não se curva à verborragia da mulher, e até às vezes acha graça da louca que ele doma. Ela, sem perceber, faz sempre o que o marido quer... Ótimo trabalho.

Rita Fischer tem um gigante domínio de cena. Atenta aos detalhes, temos ali, no palco, reverberações de Dercy Gonçalvez e Lucille Ball, gênias do humor. Derci com sua marca registrada no desbocado e Lucille com sua marca nas caretas e situações do dia a dia de um casal. É impossível prender a gargalhada com as frases que Rita dispara rapidamente. Tivemos que conter o riso quando Rita aproveitou a passagem de uma espectadora na frente do palco indo "sabe-se lá pra onde", transformando uma cena fúnebre em fantasmagórica. Hilário!

E quem não tem neuras, manias, manhas e TOC’s que atire a primeira pedra! Tenho vários! E já vou avisando aos navegantes do momento, que ninguém vem com bula. Temos que ir descobrindo os desejos e comportamentos dos outros com a convivência. Às vezes duradoura, às vezes “the flash”.

Vá já para o teatro Cândido Mendes e divirta-se com este espetáculo de Rita Fischer, sob a batuta de Vital Neto na realização. Certamente, ao assistir ao espetáculo, você irá se perguntar: neurose tem cura? O google já responde: “Não existe cura, pois ela não é considerada uma doença, mas um estado psicológico. O estado de neurose é um modo do inconsciente mesmo que limitado, o expressar de alguma forma.” Então, nos cabe ir ao teatro e gargalhar! Aplausos de pé.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

NINAS

Após uma breve pausa nos escritos neste espaço, que começou na véspera da saída de férias em julho, eis-me aqui, senhor, para tecer loas e comentários favoráveis ao espetáculo que mexeu gostoso com todos os meus sentimentos. Claro que, neste hiato, venho assistindo trabalhos de pessoas interessantes e interessadas em teatro. Alguns espetáculos tiveram momentos que me deixaram pensativo, atento e satisfeito, porém, nenhum deles me deu vontade de estar aqui novamente e realizar esta indicação comentada. Depressão pós-férias? Assoberbamento de trabalho? Mais do mesmo? Eis o mistério da fé...

Isto posto, posto isto, cá venho para enaltecer o sensível, inteligente, enxuto e necessário espetáculo “Ninas”, em cartaz na sala multiuso do Sesc Copacabana. Como nos conta o release, é a primeira vez que Nina Simone é levada a cena teatral brasileira, veja você! Como pode? Uma mulher forte, cantora, com suingue, guerreira... mais brasileira, impossível! Pois coube às mãos de fada de Joaquim Vicente, escrever este espetáculo cheio de referências, pesquisa e conteúdo. E muita música boa, obviamente. Fluido, enxuto, certeiro e com qualidade, este é o trabalho marcante que Joaquim nos oferece.

A explicação para o titulo no plural é esta: “NINAS são muitas: a ativista, a pianista, a cantora, a compositora, a mulher revolucionária e à frente do seu tempo”. Uma única atriz seria pouco para tantas mulheres dentro de uma só, num palco só. Então, é mais que acertada a proposta de quatro atrizes cantoras se revezarem em diversas Nina Simone, cada uma brilhando ao seu tempo.

Édio Nunes assina a direção artística, dando muita agilidade, segurança e respeito, não só à homenageada, mas também a toda sua ficha técnica. Édio sabe o pequeno espaço que dispõe para contar a sua história e traz o público como cúmplice. Enlouquece as atrizes com mudanças rápidas de cenas, traz bancos de piano pra dentro da cena, araras de roupa viram personagens. Um desenho competente, bonito de se ver, utilizando todo o palco. Uma direção que de simples não tem nada, pelo contrário, são muitas variáveis e Édio pensou em tudo. Aplausos de pé. Cátia Cabral e Édio Nunes assinam a direção de movimento que, sem sombra de dúvida, auxilia a maravilha do espetáculo.

Wladmir Pinheiro, sempre elegante e competente, assina a direção musical com maestria. No palco, as musicistas Kathlen Lima (piano)e Regina Café (percussão) ditam o ritmo da apresentação, completam a cena, são belas e eficientes. O casamento perfeito entre instrumentos e sons.

Na parte criativa, Doris Rollemberg é a cenógrafa, que nos traz cortinas ao fundo, bancos de piano, microfones “de época” e araras de roupa como cenário. Ótimo. Wanderley Gomes assina um figurino arrasador. Belíssimo e bastante rico em detalhes de época, com destaque para a cena final em que grandes nomes das mulheres referência negra brasileira: Dona Ivone Lara, Elza Soares, Clementina de Jesus, Léa Garcia se juntam a Nina Simone.  Fernanda Mantovani ilumina as cenas com perfeição. Um trabalho minucioso de focos, contra-luzes, recorte de cenas. Todos os cantos do palco têm iluminação exclusiva e coletivas. Tem até régua de led na cortina do fundo. Belíssimo trabalho.

Cuidando das vozes do elenco está Jorge Maya assinando a preparação vocal, que, com seu trabalho, permite que o conjunto fique afinado, afiado, atinja diversas notas e, mesmo nos momentos tensos e de emoção, mantenham-se seguros e no tom.

Ninas são quatro: Cyda Moreno, Ana Paula Black, Roberta Ribeiro e Tati Christine. Revezando-se entre Ninas, entre fazes, entre músicas, cada uma, ao seu tempo, brilha e ao mesmo tempo segue generosa com a colega. Às vezes interpretando outros papéis além de Nina Simone, as quatro estão bonitas, cantando maravilhosamente bem e com o texto na ponta da língua. Temos a certeza que teve muito ensaio e, acima de tudo, tem muito amor envolvido no palco. A gente percebe e recebe na plateia. Fábio D’Lélis é o ator que se reveza entre diversos papeis masculinos e está muito bem inserido neste contexto da história de Nina Simone. Sua presença é bonita e equilibra os momentos em que Nina precisa de um sacolejo ou um copo d’água!

Sem dúvida temos uma equipe de produção dedicada que dá tranquilidade para o elenco brilhar em cena. Pedro Barroso (que também é assistente de direção) na produção executiva e Cyda Moreno, na idealização e direção de produção, nos oferecem um produto de excelente qualidade.

Nina Simone nos deixou em 2003 e sua obra é um “símbolo de resistência para as novas gerações”. Não achei melhores palavras que estas já ditas no release. A vida da cantora parece repetir o que já vimos acontecer com diversos artistas: exploração da gravadora, pouco dinheiro, vontade de produzir a seu modo e, acima de tudo, um talento que não cabe dentro.

Corra já para o SESC Copacabana e assista este espetáculo que me tocou e me trouxe vontade de escrever aqui neste espaço. Impossível não se emocionar e cantar pelo menos uma das músicas marcantes de Nina Simone, entre elas “Feeling Good”, “Don’t Let Me Misunderstood”, ”My Baby Just Cares For Me”. Aplausos de pé e vida longa a todas as Ninas que existem em nosso país.


sábado, 19 de agosto de 2023

AS DONAS DA CENA - BARBARA, CLARA, JOSÉPHINE e MELANIE


Após merecidas e sonhadas férias de 20 dias - neste verão resolvi fazer algo de diferente! -, volto às poltronas dos teatros cariocas com alegria e emoção. Em menos de 15 dias, quatro mulheres marcaram para sempre seus nomes na história do meu teatro carioca. 

Será tarefa difícil para os jurados de prêmios escolher qual a melhor - ou pelo menos aquela que mais mereça o prêmio - de "a" atriz de 2023. 

Sem mais delongas, vamos aos nomes, por ordem alfabética, com algumas considerações sobre as atrizes:

Ana Beatriz Nogueira com seu majestoso trabalho no espetáculo Sra. Klein (Teatro Prudential) , dando vida a uma psicanalista, Melanie Klein, Ana Beatriz aproveita todas as vírgulas, pausas e silêncios possíveis, em um texto difícil para aqueles que não estão acostumados aos termos da psicologia e psicanálise. O embate entre mãe e filha - lindamente interpretada por Natália Lage - e o quase assédio moral sobre a submissa e fiel assistente - interpretada por Kika Kalache. A inteligência cênica de Ana Beatriz é impactante. Ela não só sabe as suas marcas e falas, como está ligada em tudo que acontece ou possa vir a acontecer em cena. Ela comanda a história e a intensidade do espetáculo. Hipnotizante.

Bruna Pazinato na sua incorporação de Clara Nunes, em Uma DeCLARAção de Amor (Teatro Clara Nunes). Por diversas vezes tive a certeza de que Clara Nunes estava ali, em cena, se divertindo, num sobe-e-desce entre o além e a terra, para ora brilhar, ora deixar o “cavalo” brilhar. As expressões faciais, gestual coreografado, timbre vocal, olhar e força cênica de Bruna é uma alegria para todos que estão na plateia. Emociona saber que Clara Nunes vive sob o corpo de Bruna Pazinato. Aplausos ainda para a caracterização.

Marisa Orth pela perfeição em cena com sua Bárbara (Teatro XP), no espetáculo de mesmo nome, sobre o livro A Saideira, de Bárbara Gancia. Sem papas na língua, quem espera assistir a uma comédia rasgada é premiado por um drama com humor, música e muita ação boa. Marisa é tão maravilhosa em cena, segura, consciente da sua profissão, que capta todos os olhares e respiração da plateia. Tem o público nas mãos e faz conosco o que quer. Choramos, rimos - as vezes de nervoso, outras de graça -, torcemos, mas sabemos o fim da história, pois Gancia está aqui entre nós viva e exemplar. Marisa mergulha fundo numa aula de monólogo, muito bem dirigida e com o suporte caprichado de um contra-regra personagem. O trabalho de Marisa Orth é excelente. Que ela tem talento sabemos faz tempo, mas, neste nível de aprofundamento e qualidade, é, sem dúvida, um imenso salto em sua carreira, um de seus melhores trabalhos em teatro. 

Sirléa Aleixo pela composição sensacional da centenária Joséphine Linc Steelson, uma velha negra de quase 100 anos que sobrevive ao furacão Katrina, responsável pela devastação da cidade de Nova Orleans, no espetáculo Furacão (Espaço Sérgio Porto). Neste espetáculo, de produção da Amok Teatro, temos Sirléa doando todo seu corpo e voz para esta mulher sofrida, que tem valores fortes e desejos. Que assiste a mais um ataque sobre sua comunidade, quando estes são deixados para trás na hora da evacuação da cidade, momentos que antecedem a passagem do pior furacão da história dos EUA. E na sequência dos resgates da comunidade, massacrada e sacrificada, Joséphine se revolta e protesta, à sua maneira, se abrigando sob a bandeira americana, mostrando que aqueles abandonados também são cidadãos nascidos e criados, donos das terras. Excelente trabalho. Ainda vale o destaque para Taty Aleixo cantando divinamente bem durante o espetáculo.

Sei que o tempo urge e algumas das peças já estão em sua última semana em cartaz, mas, se der, não perca. Assistir a estas GIGANTES quatro atrizes, nos melhores papéis desta temporada, é mais que obrigatório. 

Corram, corram, corram e não percam estes espetáculos, essas entregas, esses talentos que dão orgulho aos deuses do teatro. Ana Beatriz Nogueira, Bruna Pazinato, Marisa Orth e Sirlea Aleixo merecem todos os aplausos de pé, até as palmas das mãos ficarem em carne viva! Viva o Teatro, viva a arte de interpretar! Vida longa a essas quatro atrizes brilhantes e talentosas.

terça-feira, 4 de julho de 2023

CARTAS DE DARCY


Uma pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2019, lista os países que mais investem em educação: 1° Luxemburgo; 2° Áustria; 3° Bélgica; 4° Noruega; 5° Estados Unidos; 6° Coreia do Sul; 7° Suécia; 8° Canadá; 9° França; 10° Holanda. Não é à toa que os resultados estão aí, para quem quiser ver.

Embora o investimento no Brasil seja muito impressionante, também é mal distribuído pelo país. No PISA, a principal régua de avaliação de desempenho escolar internacional, nosso país ocupa a 58ª posição entre 79 países avaliados. Os motivos, não me cabe elencar aqui, estamos cientes: corrupção, má distribuição, falta de professores, fraco preparo dos mestres, e assim sucessivamente. “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.” – Darcy Ribeiro

Recentemente tive a grata surpresa de levar o projeto Lê Pra Mim? a 15 escolas públicas de Minas Gerais. Além disso, levamos a peça A Caixa Mágica dos Primeiros Socorros também para o interior de Minas Gerais e é surpreendente a qualidade das escolas onde nos apresentamos. Dá gosto estudar naquelas escolas que visitamos. Mas... e o conteúdo? E o ensino? O Novo Ensino Médio traz inúmeras discussões e precisa ser mais debatido com quem entende do assunto.

Assisti, infelizmente, a última apresentação do espetáculo “Cartas de Darcy”, na sala Rogério Cardoso, da Casa de Cultura Laura Alvim. Como diz o release: “a peça aborda a trajetória de Darcy Ribeiro, um dos maiores intelectuais brasileiros, a partir das memórias de infância de um professor. O que diria Darcy Ribeiro, um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX, sobre o Brasil na atualidade? E se pudesse escrever cartas ao povo brasileiro? Essas reflexões são o ponto de partida de ‘Cartas de Darcy’”.

Idealizado, escrito e apresentado por Max Oliveira, integrante do grupo Poeira da História, propõe um teatro-documentário, onde a vida do professor-ator se mistura com a história do mestre-ministro-imortal Darcy Ribeiro. Para você que não sabe de quem estamos falando, Darcy idealizou a Passarela do Samba (sambódromo do RJ), criou o Parque Indígena do Xingu e fundou a Universidade de Brasília. Não é pouca coisa. Ele mudou a educação brasileira enquanto esteva atuante. E o texto conta estes feitos históricos com pitadas de vida real de um professor. Ótimo trabalho de pesquisa e dramaturgia (supervisão de Fabrício Branco).

A direção de arte, assinada por Oswaldo Eduardo Lioi, cria um ambiente que permite a projeção de cenas, misturado com fragmentos de quadros negros, inclui cadeiras de madeira, carteira e banco. Como se fosse realmente uma sala de aula estilizada. Ótimo também é o figurino, que permite elegância, mobilidade e coloca o professor e o narrador em posições de atenção. Muito criativa é a luz de Hebert Said, que faz milagres naquele micro-espaço cênico. Vale ainda uma atenção à trilha sonora de Carmen Frenzel e Max Oliveira.

Max está muito bem no palco, emocionado, dedicado, um verdadeiro professor nos ensinando mais e mais sobre Darcy Ribeiro e colocando um pouco de sua história de professor para o público que não lhe conhece. Isto é muito bom, pois aproxima a todos. Promovendo a conversa com a plateia temos a sensação de estarmos realmente em uma sala de aula. Max domina a todos como um professor competente.

Carmen Franzem faz aqui um excelente trabalho de direção. Ocupa todo o espaço cênico, cria cenas que leva o público às lágrimas, misturada com risos de esperança. Carmen ao mesmo tempo que usa a linguagem de documentário para o tema, promove o bom teatro, com falas emocionadas, traz a peça para a realidade atual quando, de forma elegante, cita o ex-presidente inelegível e mostra que tudo piorou nos anos em que estevem no planalto. É ótimo o momento em que abre para o público se manifestar sobre saber ou não quem é Darcy Ribeiro e, na récita que assisti, recebemos de presente uma leitura de cordel falando justamente do personagem principal. Excelente.

É impossível não se lembrar de seus professores, do quanto eles foram importantes para nossa instrução. Levei minha mãe, professora, para assistir ao espetáculo e a sua alma saiu lavada. Objetivo atingido! 

“Cartas de Darcy” é destes espetáculos que precisam estar em cartaz por muito tempo, para que lembremos do legado, história, projetos do mestre Darcy Ribeiro, para que muitos professores possam assistir e voltarem a acreditar nesta profissão – o professor, o mestre - para que forme muitos outros Darcy Ribeiros apaixonados pela arte de ensinar.

“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
(Darcy Ribeiro)

Aplausos de pé com muita emoção e agradecimento para este espetáculo. Viva Darcy Ribeiro, viva o Poeira de Histórias! Viva o teatro!

domingo, 2 de julho de 2023

GARGALHADA SELVAGEM


O humor é necessário até para incomodar. Não fosse isso, a onda do “politicamente correto” não teria sido tão tsunami na vida dos comediantes. Óbvio que preconceitos de toda forma e aquele humor que humilha devem ser sumariamente guardados na história da comédia. Temos visto ao longo dos anos a mudança da forma de se fazer humor. Lembro dos bordões dos programas de televisão que eram citados ad eternum pelo povo na rua: “Tem pai que é cego”, “Coisas de Laurinha”, “Ai, se ela me desse bola...”, “Ai, como eu to bandida!”, “Olha a faca!”. Depois vieram os “stand-up comedy” (que se sustentam até hoje) e o brilhante humor do Tv Pirata e Casseta e Planeta, que teve como sequência os hilários programas da MTV que revelaram Dani Calabresa, Tatá Wernek, Marcelo Adnet entre outros. Daí, a Globo, que não é boba, trouxe a nova turma para sua grade de tv aberta e o resultado são programas hilários onde tudo é permitido, desde que não agrida, não difame e não machuque ninguém.

Particularmente eu adoro aquele humor que incomoda. Aquele que ruboriza as senhorinhas de cabelo laquê com rinsagem. A gargalhada ansiosa e constrangida diante de fatos e tabus que já aconteceram com quem ri. O nervoso da risada diante do parceiro do lado que está completamente atônito com o que se vê no palco. É esse o humor que eu gosto. Pra causar incômodo, pois só assim, tocando o dedo na ferida com graça – ou desconforto – é que se pode, de alguma forma, fazer as pessoas pensarem nos absurdos que dizem, fazem, veneram, propagam, adoram...

Está em cartaz no Teatro XP, o bom e acolhedor Teatro do Jockey, a hilariante comédia Gargalhada Selvagem. Escrita por Christopher Durang e adaptado por Bárbara Duvivier e Guilherme Weber, a comédia é resumidamente o encontro entre um homem e uma mulher num supermercado, o que pensam, como reagem, como se enxergam, como se comportam e os desdobramentos deste encontro. É muito engraçado. Muito mesmo.

No palco, temos o cenário de Dina Salem Levy, os figurinos e adereços de Kika Lopes, a trilha sonora de Jayme Monsanto e a luz de Renato Machado auxiliando na diversão. 

Guilherme Weber é o diretor. Ótimo seu trabalho. No programa, sabemos que ele bebeu na fonte e presta “uma homenagem à comédia como linguagem. Estamos compondo em cena diferentes expressões da comédia e do humor: piada de salão, número de plateia, humor físico, paródia, stand up, chanchada…”. A peça tem estes momentos muito bem definidos e aproveitados. Faltou ainda dizer que temos pitadas de Vaudeville. Um trabalho minucioso de carinho e respeito pela arte, pela comédia, pelo público e pelos atores.

Joel Vieira, em participação mais que especial, está sensacional em cena. Sua aparição apimenta e intensifica o espetáculo. É dele as “piores” (no meu olhar, as melhores!) falas da peça, aquelas que constrangem, ruborizam, envergonham os laquês, os botox e os fios de ouro das faces abastadas de dinheiro e pouca evolução. Joel não se envergonha do que é dito pelo seu personagem e isto faz com que seu texto saia natural. É hilária de gouveia a sua entrada, a sua permanência incomodativa naquele jantar constrangedor do casal protagonista. Aplausos de pé.

Alexandra Richter está ótima. Dando mais que tudo de si, vemos até o suor escorrendo de sua testa quando ela tira leite de pedra de um texto extremamente difícil e uma composição de personagem cheia de referências. Temos lembrança sua de quando, carinhosamente, homenageou a brilhante Lucille Ball (na peça Uma Loira na Lua) e isto é muito bom. Alexandra segue à risca as marcas propostas, surfa no texto saboreando as palavras e empresta seu talento para compor aquele personagem que beira a doida, a louca, a fora da casinha.

Rodrigo Fagundes é um dos grande comediantes e atores deste Brasil. Desde sua entrada em cena até a última respiração, ele aproveita tudo. Repete bordões – turobon? -, repete cenas, gestos, partituras, com o intuito de trazer a graça para além da palavra. Aproveita o número de plateia para fazer as pessoas pensarem ao invés de constrangê-las. É óbvio que Deus não está no silêncio do Holocausto e nem na criação de doenças virais. Mas aos adoradores do Criador, só mesmo um tapa na cara – daqueles que se dá em que está surtado – irá fazer com que olhem para o que dizem e reflitam. Rodrigo é mágico. Claro que também tem aqui um carinho especial pelo amigo que me abraça sempre, mas independente do imenso afeto e admiração, seu trabalho em Gargalhada Selvagem é muito maravilhoso.

As atuações da peça Gargalhadas Selvagem me lembraram dois seriados na Netflix; Atypical e Uma Advogada Extraordinária, onde os personagens principais vivem em seus mundos particulares e, numa visão de fora, pode causar estranheza e até mesmo risos. Ontem alguém me disse que a vida de Bob Esponja tem uma interpretação de um olhar de um autista sobre o mundo. O mundo colorido, com humor, a amizade, a repetição, tudo realmente lembra um comportamento autista. Que fique registrado que em Gargalhada Selvagem não se tem personagens autistas, mas foi apenas uma referência que me lembrou.

Pra finalizar, sem mais delongas: compre vários ingressos para se distrair, gargalhar, pensar e aplaudir este espetáculo de comédia único. Eu garanto pelo menos uma gargalhada daquelas de lavar a alma. E não se reprima se, ao ouvir palavras de baixo calão no palco, sua vontade de rir dobrar de tamanho. 

Este espetáculo é um acerto em todos os sentidos da dupla Bruna Dornelles e Wesley Teles – WB Produções – e chega em ótima hora aos palcos brasileiros. Precisamos deixar de lado o politicamente correto e trazer o humor deboche, incomodativo, agressivo, ferino de volta aos palcos. Mantendo sempre a atenção para a não agressão. 

Gargalhada Selvagem é exatamente isto que se propõe: um riso solto e alto em cima da selvageria dos humanos nos tempos atuais. Sensacional. Aplausos de pé sem fim. Viva a comédia, viva o teatro!!


sexta-feira, 30 de junho de 2023

A CERIMÔNIA DO ADEUS


Uma pesquisa publicada em 2020, pelo Instituto Pro Livro, Retratos de Leitura no Brasil, indica que o país perdeu, nos últimos 4 anos, mais de 4,6 milhões de leitores. A porcentagem caiu de 56% para 52%. Brasileiros com mais de 5 anos que não leram nenhum livro representam 48% da população. A pesquisa informa ainda que 34% dos entrevistados disseram que alguém os estimulou a gostar de ler. E é nesta parta que eu me interesso da pesquisa. Há 13 anos produzo, junto com minha sócia Sônia de Paula, o projeto Lê Pra Mim?, que incentiva e leva literatura infantil a alunos de escolas públicas municipais. A criança aprende pelo exemplo.

Acredito muito no casamento entre a literatura e as artes cênicas. Trabalhei no projeto chamado “Ópera na Literatura”, onde palestras mostravam que muitas óperas foram baseadas em livros. No teatro, gosto muito de peças que têm livros adaptados. “O que diz Molero”, que o mestre Aderbal Freire-Filho levou aos palcos, transformou-se em um método e em gênero de teatro, o “romance-em-cena”.

Mauro Rasi é daqueles autores nacionais que merecem e precisam estar em cartaz pelo menos uma vez ao ano, pelos palcos brasileiros. Depois de Nelson Rodrigues, deduzo que tenha sido Mauro Rasi o que mais traduziu e “fotografou” em diálogos o comportamento da tradicional família brasileira, mostrando a hipocrisia e preconceitos velados. “As Tias de Mauro Rasi”, “Pérola” e “A Estrela do Lar” são referências. Como ele mesmo diz “Eu não faço comédia, eu faço vida”.

Está em cartaz no Teatro do Copacabana Palace o mais que prefeito espetáculo “A Cerimônia do Adeus”, de Mauro Rasi. Como diz o programa, é um espetáculo que promove uma grande homenagem à literatura. Mauro traz conflitos familiares, muito próximos dos seus próprios, que culminam em sua saída de casa, com conversas imaginadas entre leitor, personagens e escritores. A mãe, a tia, os primos, um pai ausente, um filho mergulhado em seu mundo-quarto, cuja literatura é sua companheira e, consequentemente os autores Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, pensadores que, em sua literatura, abrem qualquer porta para novos universos. Com a palavra, os autores: “Querer ser livre, é também querer ver livres os outros” (Beauvoir) e “Tudo que sei sobre minha vida, ao que parece, aprendi em livros.” (Sartre).

No palco do belíssimo teatro do Copa, o cenário é assinado pelo diretor Ulysses Cruz. Quatro portas que indicam ambientes – entrada, cozinha, quartos – junto com bancos e muitos livros, tudo que é extremamente necessário para contar a história. Ao fundo uma tela que recebe projeções com uma imensa porta que leva ao imaginário do personagem principal. Ótima cenografia, moderna, que bebe na fonte dos melhores espetáculos internacionais. O figurino, de época, também são criação do diretor. Lara Lazzaretti, Alexandre Miyahara, Laura Fragoso e Laercio Lopo assinam o excelente audiovisual projetado, que ilustram e completam as cenas. Aplausos de pé para a iluminação do espetáculo, misturando corredores de luz, boate, focos, tudo sem prejudicar a projeção. André Abujamra nos presenteia com uma trilha sonora totalmente atual e carinhosamente adequada ao propósito do espetáculo. É preciso destacar o excelente trabalho de Leonardo Bertholini na direção de movimento.

Ulysses Cruz dirige este espetáculo trazendo uma roupagem moderna, criativa, sem perder a qualidade do texto e dando importância às ótimas atuações, aos atores, ao texto. Muito boa a sua opção pelo palco vazio que vai se preenchendo com livros, bancos, sons, luz. A composição dos personagens, na medida certa, sem nenhum exagero. Um espetáculo que podemos chamar de Teatrão, e dos melhores.

No elenco estão: Beth Goulart (Simone de Beauvior), ótima, forte, que preenche o palco com sua linda presença; Malu Galli (a mãe) sensacional, dominando cada momento em cena; Lucas Lentini (o filho) frágil e firme ao mesmo tempo, seguro e perdido ao mesmo tempo, delicado, na defensiva, e ao mesmo tempo inteligente e doido por um mundo melhor. O trabalho de Lucas é extremamente seguro e bem feito. Ótimo. Rafael de Bona (primo mais velho), tem uma atuação também forte e segura, perfeito como o homofóbico que esconde uma repressão quanto à sua condição real. Temos também Eucir de Souza (o simpático Sartre), Fernando Moscardi (o medroso amigo da escola) e, não menos importante, Fernanda Viacava (a tia divertida e espírita). Ótimos, ótimos, ótimos todos em seus papéis.

“A Cerimônia do Adeus” em cartaz é um espetáculo necessário e atual para os dias de hoje, ali estão discussões importantes sobre conservadorismo, preconceitos, relações familiares e, acima de tudo, a importância de se incentivar a leitura para que todos possam se livrar de fake-news, buscando em livros, matérias de jornais confiáveis, informações importantes para que façam suas análises e encontrem a verdade. 


O espetáculo certo no lugar certo. “A Cerimônia do Adeus” precisa ser visto por muitas pessoas. Então, corra já para o teatro e assista a esta pérola de Mauro Rasi, com a direção fenomenal de Ulysses Cruz, as interpretações brilhantes dos atores. Não perca este conjunto, que tem a produção de LC Produções e Ulysses Cruz Arte e Entretenimento à frente. Um dos melhores espetáculos deste ano, sem medo de errar. Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas. Viva o teatro!!

domingo, 25 de junho de 2023

ENSAIO SOBRE A PERDA


Sou do time que propõe, ao final de uma relação amorosa, profissional e até mesmo de amizade, que seja dado um tempo proporcional à duração da história. É necessário o afastamento físico. Não ter notícias, não ouvir a voz, não saber nada daquele que está indo embora. É a descompressão, a necessidade de viver o luto, a recomposição de forças. Olhar para si, comer melhor, dormir, exercitar, ocupar o dia. E depois, muito depois, quando as forças estiverem novamente equilibradas – a mental e a física – aí sim, se for o caso, ter um novo contato, pois será uma nova relação. Pode ser amizade ou pode não ser mais nada. O tempo dirá.

É muito comum assistir espetáculos sobre relações hetero normativas. Casais em crise tem aos montes na tv, no cinema, no palco, nos seriados. Mas histórias sobre amor, amor mesmo, envolvendo homo afetividade é muito raro. E quando surge algo bom, temos que valorizar.

Eis a grata e belíssima surpresa do fim de semana: após apresentação online e finalizando temporada no Teatro Gláucio Gil, a peça “Ensaio sobre a Perda”, escrita por Herton Gustavo Gratto é a joia da temporada. Um diamante muito bem lapidado. Herton nos apresenta um texto de primeiríssima linha, com tudo que os cursos de dramaturgia propõem: apresentação dos personagens, colocação do conflito, desenrolar da trama, clímax e desfecho. Os diálogos são muito reais. Quem nunca disse uma daquelas frases da peça para alguém que atire a primeira pedra. É vida real. 

A história: dois atores decidem retomar o projeto de uma peça. Porém, durante os ensaios, “percebem que as feridas que foram abertas ainda não estão cicatrizadas.” Herton tem mãos de fadas no texto. Seus diálogos são ótimos. Teatro é texto e ator. Aqui temos um dos melhores textos sobre relações entre duas pessoas que eu já tenha visto no palco. Foi difícil conter a emoção em vários momentos e agradeço por isto. Tocou fundo.

No palco, cenário e figurino do sempre impecável Nello Marrese, nos dá dois homens jovens, atores, em um espaço de ensaio. Mesa grande, cadeiras. No chão a marca do espaço cênico. JP Meireles assina a luz com momentos bastante bonitos. Temos ainda Caroline Monlleo na direção de movimento contribuindo com as cenas.

João Fonseca é o diretor deste trabalho sensível, humano, honesto e verdadeiro. João usa a plateia como cúmplice e confidente. O jogo entre os atores é extremamente verdadeiro e todas as cenas estão muito bem executadas, a tal ponto que chegamos a duvidar se os atores realmente foram um casal no passado, ou se tudo é apenas ensaio, encenação. Cenas de briga e de conciliação, cenas de gritos e desculpas. A verdade cênica é muito forte.

Herton Gustavo e Hamilton Dias interpretam, respectivamente Gustavo e Hamilton. Colocar os nomes dos atores como personagens dá muito mais verdade à cena. Ambos impecáveis. Sérios, verdadeiros, seguros, confiantes, entregues ao texto. Ao se emocionarem em cena, faz com que a plateia embarque no choro coletivo e torça para o final feliz daquele momento da vida dos dois. Afinal, quem não gosta de finais felizes? Hamilton e Herton merecem pelo menos uma indicação a um dos tantos prêmios de teatro de nossa cidade.

Me faltam palavras para expressar o quanto foi benéfico e importante assistir a um espetáculo sobre a temática LGBTQIAPN+ tratado com seriedade, com sentimentos reais. Como pequenas ações estragam a relação e como é possível resgatar o bom da história. As discussões apresentadas servirão, certamente, para muitos espectadores levarem aos encontros com seus analistas. 

Uma frase que diz tudo sobre o espetáculo: “Alguns finais são felizes. Outros são necessários”.

Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas para “Ensaio sobre a Perda”. Um trabalho excelente de todos os envolvidos. Viva o teatro!


sábado, 24 de junho de 2023

KAFKA E A BONECA VIAJANTE


Lidar com perdas: às vezes guardamos num cantinho, achando que nunca mais vamos precisar desembrulhar aquele pacote. Aí, um dia... todos os embrulhos resolvem aparecer e o vale de lágrimas parece que não vai secar. Durante os últimos 4 anos temos vivido perdas pessoais e coletivas. Artistas, familiares, conhecidos, vizinhos, o noticiário e o zap-fofoca estão prontos para trazer a notícia. Seguimos entre choros e lembranças, buscando uma muleta, tábua de salvação, ferramenta para seguir vivendo. Rita Lee, Glória Maria, Gal, Paulo Gustavo foram as mais marcantes dos últimos anos. Como seguir sem eles? Contando e recontando suas histórias, revendo suas fotos, ouvindo canções, lendo seus livros.

Fui apresentado a Franz Kafka pela eterna Nana Pirez, minha amiga que já não está entre nós. Me deu A Metamorfose e ordenou: leia. Urgente. Li. Conversávamos horas sobre isto. Ela me alimentava com cultura e conhecimento. Sua vida eu levei aos palcos. Éramos simbióticos. 

Está em cartaz no Teatro 2 do CCBB o espetáculo musical “Kafka e a boneca viajante”. A história, resumidamente, nos conta sobre cartas que Franz escreveu a uma menina que chorava no parque por ter perdido sua boneca. Ele se diz “carteiro de bonecas” e passa a alimentar diariamente o imaginário da menina dizendo que a boneca está viajando pelo mundo através de cartas. Nossa Senhora da Criatividade baixou nele! Mas... quem alimentava quem? A simbiose entre os dois, ela que recebia e esperava pela próxima, ele que as “psicografava” e contava uma história, era o que mantinha Kafka vivo neste período, e também mantinha a menina viva depois de muitas perdas e abandonos (da boneca, do pai...). Na peça Rafael Primot adaptou o livro pros palcos e temos personagens sólidos que se misturam com os atores em sua realidade e que se alimentam das gargalhadas, aplausos e murmúrios da plateia. Esta, sentada em estado de absorção, se alimenta do que o palco oferece. Simbiose palco-povo.

A cenografia, de Nello Marrese, nos apresenta um imenso pêndulo-móbile que, ora pra frente, ora para trás, gira contando as horas, marcando a passagem dos anos. Ainda temos pufes com selos, muitas gavetas cheias de histórias e papéis. Lindo trabalho. O figurino, de João Pimenta é colorido para a boneca e sóbrio para os demais. Os sonhos sempre coloridos!! A luz de Paulo Cesar Medeiros abraça o espetáculo.

João Fonseca, mestre na direção de espetáculos sensíveis, nos apresenta um trabalho de excelente qualidade. Humor, quebras de ritmo pensadas, números musicais com conteúdo, ocupação do palco e ritmo empregado nas cenas, mostra que a pandemia serviu para que voltasse com mais gás ao seu trabalho de direção. Gosto muito de ver sua mão conduzindo cada elemento para que o todo seja, no mínimo, mágico. João desmonta a quarta parede, humaniza os atores. A colaboração de dois gigantes parceiros: Márcia Rubim na direção de movimento e Johayne Ildefonso na assistência de direção são fundamentais para que a história seja contada. O trabalho da boneca é impecável, assim como o voo da gaivota, a dureza do soldadinho de chumbo, a fragilidade pela doença de Franz, a meninice doce de dona da boneca.

Tony Lucchesi assina a direção musical com ótimos arranjos. A opção de escolher músicas conhecidas do mundo da música Pop é atual: o filme Moulin Rouge, os seriados Briedgerton e Charlotte (Netflix), nadam de braçadas no pop mudando ritmos. Em “Kafka e a boneca viajante” o sentido é o mesmo: de Rita Lee a Macarena, passando por Lenine e Raul Seixas, é muito benéfico para todos e traz parte da história contada por versos previamente existentes no imaginário coletivo! Adorei! 

E este elenco maravilhoso? 

Carol Garcia é a menina que recebe as cartas e, depois, se torna a mulher modificada. Ótimo seu trabalho como criança. 

André Dias é Sr K. (Kafka) que nos mostra a fragilidade do homem no fim da vida, mas que ganha forças quando conhece a menina e se joga nas cartas para se manter vivo. André canta muito bem e sua presença cênica é marcante.

Dora de Lilian Valeska é, ao mesmo tempo, esposa de Sr. K e a gaivota. Uma beleza cênica ver Lilian flanando, voando e cantando com sua personagem. Que voz, senhores! Que voz! 

E ela, a magnética e impecável Alessandra Maestrini, que volta aos musicais de forma exuberante. A primeira vez que a vi foi em Mamãe Não Pode Saber e dali em diante fiquei encantado com seu trabalho. Sou mais que seguidor, um fã e admirador. Tive o prazer de levá-la ao palco do projeto As Cantrizes por duas vezes e seu talento me deixou marcas profundas! Agora, como a boneca, Alessandra está perfeita: corpo, voz, expressão facial. Quisera todas as bonecas do mundo cantassem e tivessem a beleza e maturidade cênica desta Brigida criada por ela.

Só quem tem sensibilidade artística pode ter um insight de transformar um livro em uma peça musical. Aqui, Felipe Lima teve esta idealização e junto com uma equipe de primeira, da Tema Eventos Culturais e Sevenx Produções, nos presenteia com um espetáculo sensível, de alto nível e cheio de mensagens para qualquer público.

A minha criança interior ficou extremamente feliz com tudo que viu. Mergulhei neste universo de cartas, literatura, de simbiose, parcerias, de ensinamentos, que mostra que nada substitui o contato humano. 

Como diz parte do texto da peça “Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”. Até hoje escuto os saraus de música na varanda da casa de praia onde passava férias, as conversas sem fim com Nana Pirez sobre a vida e o mundo, os ensinamentos dos mestres da faculdade e do primário. Era simbiose. Era amor.

Vida longa a “Kafka e a boneca viajante”. Que cada um faça a sua viagem interior, conheça novas culturas, leia muitos livros e corra para o teatro 2 do CCBB para aplaudir este trabalho excelente de todos. Viva o Teatro!


terça-feira, 13 de junho de 2023

BOB ESPONJA O MUSICAL


Duvido que em alguma morada da minha rua, ou melhor, de Botafogo, quiçá na zona sul do RJ, alguém tenha uma coleção de objetos do Bob Esponja maior que a minha. Amo Bob Esponja. Sou Bob. Mas por que este amor todo? Nasci com diastema, igual a ele, tenho um imenso amor pelo meu trabalho, igual a ele; sou uma eterna criança apesar dos cabelos brancos e da meia idade, mas, acima de tudo, admiro o desenho animado pelas mensagens, pelos exageros expressivos de Bob Esponja, por ele tripudiar da amizade com Patrick sempre de forma hilária, pelo deboche diante de Lula Molusco, na amizade e cuidado com Sandy, pelo respeito ao chefe Sirigueijo e pela luta eterna contra os planos de Plancton. Já assisti a todos os desenhos animados de todas as temporadas. Meu episodio favorito é aquele da praia, em que Bob fica na cadeira do salva-vidas controlado, fofocando, ordenando, narrando tudo que acontece na praia com seu imenso megafone.


Pois não é que Renata Borges, na direção geral, sem saber, com sua Touché Entretenimento realizou um dos meus recentes sonhos: assistir ao musical da Broadway em um palco brasileiro. Serei eternamente grato!! Não tive um amigo que deixasse de me mandar um link, uma foto, uma matéria de jornal, um story, um áudio, um video desde a seleção do elenco até a estréia… "Já viu? Você vai quanto? Quero ir com você!" sentenciou minha irmã! Não pude ir na estréia pq estava viajando, mas TODOS os meus amigos que foram me mandaram mensagem: era para você estar aqui conosco!


E, de volta ao Rio, lá fomos nós assistir ao musical Bob Esponja O Musical, no belíssimo teatro da Cidade das Artes.


Calma, estou relatando tudo sim, pois foi uma experiência rica, além de linda e emocionante. No saguão temos meu amigo Bob já me esperando para uma selfie. Ao lado um pula-pula para crianças, um abacaxi poltrona, enfim, fotos é o que não faltam. 


E entramos na sala de apresentação. Uau! Que colorido. O palco já aberto tem ao centro a Casa Abacaxi, do Bob. Ao redor da boca de cena, um arco de corais do fundo do mar… bolhas no teto… E o pano se abre e ali temos a Fenda do Biquini. A craque Natália Lana assina esta cenografia sensacional, colorida, fiel ao desenho animado. Começam a chegar os atores na cena inicial. Com figurino de Fábio Namatame, os principais personagens do desenho animado tomam vida também em figurinos coloridos. Rosa pro Patrick, Amarelo pro Bob, Branco pra Sandy, Vermelho pro Sirigueijo, verde pro Plancton. Iluminando todos e tudo, Maneco Quinderé. 


Ao fundo uma arquibancada para os 11 músicos sob direção musical e regência de Laura Visconti. As ótimas músicas são criações americanas. Tudo ensaidissimo e primorosamente coreografado por Alonso Barros. O numero musical de Lula Molusco sapateando é digno de Broadway, sensacional.


A história tem versão brasileira de Anna Toledo e é mais um dia na Fenda do Biquini, quando, do nada, explosões afetam a vida dos moradores. Descobrem que é um vulcão marinho prestes a estourar e que, com isto, irá destruir a cidade. Os moradores buscam soluções, chega a prefeita, chega Plankton com uma ideia mirabolante, mas é Sandy quem resolve a parada toda. Bob Esponja e Patrik são os escolhidos para a execução do plano, porém… amigos amigos, brigas à parte. Bob e Patrik se estranham, Bob fica sozinho e acaba indo ao vulcão com Sandy. O final da história deixo para você que tem obrigação de ir ao teatro assistir ao musical!


A grande sacada da obra é usar um personagem extremamente popular para falar sobre aquecimento global, poluição, amizade, fanatismo religioso, preconceito sobre o diferente, valores da sociedade e valores humanos. Um espetáculo que educa as crianças e, ao mesmo tempo, faz com que os adultos saiam pensando em tudo que viram.


O elenco numeroso é composto por Mateus Ribeiro (Bob Esponja), Davi Sá (Patrick Estrela), Analu Pimenta (Sandy), Tauã Delmiro (Plankton), Ruben Gabira (Lula Molusco), Naice (Sr. Sirigueijo), Luísa Vianna (Karen, o Computador), Suzana Santana (Pérola), Ana Luiza Ferreira (Senhora Puhh e Cover de Pérola), Will Anderson (Patchy, o Pirata), Cristiana Pompeu (Prefeita), Diego Campagnolli (Perch Perkins), John Seabra (Larry, a Lagosta), Thadeu Torres (Buster Bluetang, Skates Elétricos, Coro e Cover de Plankton), Léo Romano (Velho Jenkins e Cover de Patrick), Letícia Nascimento (Sardinha e Coro), André Ximenes (Skates Elétricos e Coro), Gabi Camisotti (Skates Elétricos, Coro e Cover de Karen), Pamella Machado (Coro e Cover de Sandy e Prefeita), Tecca Maria (Swing), Eddy Norole (Coro), Rhuan Santos (Coro e Cover de Lula Molusco), Vicente Oliveira (Coro) e Lucas Bocalon (Coro e Cover de Bob Esponja).


Todos entregues em seus papéis e defendendo com unhas e dentes. Um elenco afiado, que se envolve com as crianças e adultos, que gostam de estar ali neste musical único. Obrigado a vocês por se emprestarem a este trabalho. 


Mas, me permitam três destaques. Mateus Ribeiro e a voz idêntica ao Bob. E é ele o Bob Esponja. Fiquei com olhos cheios de lágrimas muitas vezes vendo, ali na minha frente, a personificação do meu amigo Bob Esponja. Ruben Gabira e seu impecável Lula Molusco. O mal-humorado divertido com seu parceiro clarinete (no melhor número musical da peça!). Analu Pimenta com sua Sandy perfeita. Voz, corpo, presença cênica. A melhor caracterização da peça que se iguala ao desenho animado.


Na direção artística Gustavo Barchilon e seu fiel escudeiro Lucas Pimenta na assistência de direção, nos presenteia com um ótimo musical, incluindo versões brasileiras, que aproximam o publico do palco. Um colorido incrivel, uma alegria contagiante dos atores, a seriedade com que comanda uma obra rica, diversa, cheia de informações, mas onde tudo "orna" com perfeição. Ótima a sacada de colocar Plankton em uma cena na plateia superior e também nas interferências do pirada junto ao público, puxando o tema: "Vocês estão prontos?" e o público responde uníssimo: "Sim, capitão!". Arrepiante. 


Sim, fiz textão. Antes de ser um amante das artes cênicas e o blogueiro mais antigo do país que escreve opiniões sobre teatro - matéria da revista do Teatro me consagrou! - sou um apaixonado por Bob Esponja a ponto de tê-lo tatuado no braço com seu sorriso de 2 dentes da frente. E o Bob Esponja Musical trouxe mais realidade e vida a este personagem icônico, que fala diretamente com as crianças - e adultos - trazendo humanidade, amizade, harmonia, companheirismo, coletividade, amor à natureza, aos bichos e, principalmente, a alegria de viver.


Vida mais que longa ao espetáculo. Aplausos emocionados de pé. E feliz, muito feliz de ter podido estar ali, frente a frente, com um ser vivo, falante e humano em forma de Bob Esponja.