sexta-feira, 26 de maio de 2023

O ÂNCORA


É só ligar a televisão em qualquer emissora que não seja a Vênus Platinada, que você assiste um programa dito jornalismo e sensacionalista a qualquer custo. Não basta dar notícia lixo, é preciso sapatear no lixo, sambar na cara da audiência, tudo em busca de patrocinadores e recortes de vídeos para as redes sociais. É um complemento. Você vê na tv, posta parte da matéria no grupo da família, cria um fato para ser visto no aplicativo de vídeos curtos, recebe seu like a aumenta a sua conta poupuda – se tiver um contrato com algum financiador. A fórmula é esta. Não importa se é verdade, mentira, o que se quer – e principalmente a extrema direita mundial – é causar, é pautar a mídia (que sempre se deixa levar pelo caos).

Está em cartaz no Teatro Poeira, às terças e quartas, o monólogo O Âncora. Na peça temos o texto de Leandro Muniz, expert em ironias, textos rápidos, incontáveis referências, colecionador de piadas inteligentes. Leandro se utiliza de grandes absurdos amplamente divulgados na mídia para nos mostrar um momento na vida de um jornalista, chamado âncora por ser o apresentador de um programa, onde qualquer matéria precisa de audiência. Soma-se a isto, a sua vida pessoal em queda livre. O âncora fala de si, fala das matérias, dá pitaco na vida da colega entrevistadora, discute com a diretora, tudo que temos visto na Tv aberta brasileira. Leandro sabe costurar muito bem momentos tensos com humor. Sua imensa experiência em comedias teatrais permite trazer este espetáculo cheio de ironia que nos faz pensar: posso rir disto?

No palco, cenário e figurino da Paulo Denizot mostra um estúdio de televisão, pronto para as maiores loucuras vocabulárias do apresentador. Lucas de Paiva assina a trilha sonora ótima. Quem já presenciou, ao vivo, um programa deste tipo (eu já...) sabe bem como é. Valéria Monã assina a direção de movimento e, certamente, tem um trabalho caprichado de orientar o ator a usar seu corpo para falar mais que o texto. Ótimo.

Alex Nader é o protagonista e apresentador da peça. Sua entrega em cena é nítida. Mergulhou de cabeça no trabalho de dar vida ao somatório de diversos apresentadores de telejornal, que vai do Fala Brasil ao Jornal da Globo, passando por A tarde é sua até Alerta Geral. Alex bebeu na fonte e se tornou um ótimo apresentador, podendo até substituir qualquer um dos famosos da tv, caso seja necessário. Aproveita seu corpo e sua voz para viver o personagem sem ser caricato ou falso. Sua presença cênica é forte e o personagem extremamente verdadeiro.

Leandro Muniz é também o diretor, junto com Alex Nader. A capacidade de juntos, levarem o espetados por caminhos ora divertidos, ora extremamente tensos, alternando momentos de taquicardia com riso nervoso, além de usar todo o palco para falar sobe o assunto, é de uma competência acima da média. Você pensa que já viu de tudo na peça? Os diretores chegam na sua cara e te estapeiam com cenas reais, mas que são cenas, porém são reais. Reais da vida comum, reais da vida televisiva, reais teatrais. Uma direção realista que namora com o absurdo do texto e faz disto uma realidade aumentada. 

Temos aqui um grande exemplo de como se pode colocar foco em algo tão preocupante hoje em dia – as fake news – alertando os amantes dos programas que pingam sangue na tv, de que a vida é mais que chamar atenção acima de qualquer custo. O texto fala direto para a esquerda brasileira. Me fica a dúvida se aquela metade da população brasileira que optou pelo candidato da extrema direita vai compreender a ironia da peça ou se vai achar neste personagem seu novo mito e, quem sabe transformá-lo no próximo presidente da república!

O Âncora é para assistir, ficar angustiado, refletir, rir, e, acima de tudo, pensar em como estamos lidando com a mídia, com a informação, com o humor, com as redes sociais. Aplausos de pé, com gritos de bravo!