terça-feira, 21 de janeiro de 2014

RICARDO III

 

É nítido que, de uns temos para cá, a educação e a cultura no Brasil vem sendo nivelada por baixo. Salários irrisórios de professores, baixa qualificação profissional, magistério desacreditado. Escolas particulares, um oásis para quem tem dinheiro. Universidades públicas, ainda possuem um corpo intelectual de qualidade. Mas, até quando? Vejo, leio, ouço pessoas falando errado nossa língua, sem educação básica, comportamentos duvidosos, diminuindo cada vez mais seu círculo cultural. É uma pena... Não gostaria de ver meu país emburrecendo, se deseducando. Mas estou vendo. E fico triste.

 
Ter dinheiro não significa ter educação. Esta vem de berço, de rico ou de pobre. Não basta dar uma bolsa, um vale, um auxílio. Tem que fazer o bom uso dele. Até a televisão está baixando o padrão de qualidade para se adequar nesta falta de educação e de cultura da população. “Na minha ép
 
oca”, os desenhos animados eram sonorizados com música clássica. Duvida? Veja o vídeo de Tom e Jerry abaixo:

Foi com extrema alegria que assisti a Ricardo III no Mezanino do Espaço SESC, em Copacabana. Ali está um grupo de pessoas que, percebendo esta deficiência na educação dos brasileiros, resolveu dar uma aula de Shakespeare, sem baixar a qualidade do texto, da interpretação. Ou seja, sem nivelar o teatro por baixo. E é este o maior mérito desta montagem: atingir a todos os públicos, indiscriminadamente, com qualidade e que a história seja compreendido e fixada por todos.
A adaptação de Gustavo Gasparani e Sérgio Módena buscou o necessário para contar a história criada pelo “maior dramaturgo de todos os tempos”, William Shakespeare. Os principais personagens, as falas mais importantes, mantendo-as intactas, sem macular a obra e o autor, estão presentes ali. Estamos vendo um Shakespeare. Aplausos!
No palco, um quadro branco, onde Gustavo desenha a árvore genealógica, situa a plateia, conta a história, o que vai acontecer, quem é quem nessa família. Ele literalmente dá uma aula sobre a dinastia que envolve Ricardo III. Todos entendem. Nada fica no ar. Tudo é compreendido. Auxiliado por uma cadeira, uma mesa e uma luminária de pé. Mérito de Aurora de Campos. O figurino, de Marcelo Olinto, sóbrio, permite o molejo e movimento tranquilo e seguro do ator.
Com a trilha sonora de Marcelo Alonso Neves, nos fazendo lembrar dos filmes épicos, a luz de Tomás Ribas e a direção de movimento de Márcia Rubin, todos esses elementos técnicos estão a favor da aula que se está dando para a plateia.
Sérgio Módena conduz a história misturando aula e encenação na medida certa. Quando uma começa a ficar confusa para o público (alunos) ele para tudo, dá um refresco, atualiza, brinca com sotaques, fixa, rememora, e segue a trama, sem perder o foco.
Gustavo Gasparani interpreta 21 personagens. Já imaginou o trabalho dele? Pois você vai se surpreender ainda mais com o que ele é capaz de fazer em cena. É impossível achar algum defeito. Todos os movimentos que caracterizam cada um dos 21 personagens são imediatamente compreendidos pela plateia, num simples tirar de mão do bolso e cruzá-la às costas, por exemplo. A forma de falar, entonação, respiração, aproveitando os finaiszinhos das frases, tudo para que os alunos, a plateia, compreendam, odeiem Ricardo III e, ao mesmo tempo, e sadicamente, torçam para sua vitória. Vibramos todos com “Meu reino por um cavalo!”.
Esta montagem de Ricardo III é ótima para rodar o Brasil, ser apresentada em sala de aula, clubes, praças, teatro, shopping. É uma aula de bom teatro. Não nivela por baixo, pelo contrário! Estamos falando de Shakespeare. Mas iguala todos. É democrática, inclusiva. Torço para que tenha vida longa. E que outras produções entendam a necessidade de fazer cultura, sem baixar o nível ou perder o padrão de qualidade. Aplausos merecidos de pé.