domingo, 21 de fevereiro de 2016

COMO ME TORNEI ESTÚPIDO

Que minha terapeuta não me leia, mas, sim, a ignorância é uma bênção. De que adianta ter sido o CDF da turma, ler em média 3 livros por mês, assistir a teatro, cinema, shows, buscar informações, aprender, pensar cada vez mais, ser o mais inteligente do grupo, uma enciclopédia ambulante? Talvez para ser o chato de plantão, ou o páginas amarelas da hora. Diferentona. De que adianta tanto estudo e Q.I. se a cabeça não faz outra coisa a não ser pensar, pensar, pensar em soluções para que a vida humana fique cada vez melhor? Vale à pena algum esforço para mudar o mundo? Vale à pena viver fora da casinha? É certo pensar pelas outras pessoas?

Muitas questões me surgiram após assistir, no Teatro Sesc Ginástico, a comédia Como Me Tornei Estúpido. Adaptação do livro de Martin Page para o teatro, brilhantemente realizada por Pedro Kosovski, um dos mais presentes, indicados a prêmios e criativos dramaturgos da nova geração. A peça conta a história do livro homônimo: um rapaz que se cansa de ser inteligente, estudioso e preocupado com as questões universais e que decide promover a si mesmo um emburrecimento, “estupidecimento”, para se livrar das dores das questões profundas. Pedro Kosovski atualiza o livro, escrito em 2005, época em que nem as redes sociais, nem os smartphones, dominavam nove a cada dez pessoas no planeta. Ao mesmo tempo, Pedro consegue transportar para o palco o enredo do livro com incrível competência.

O cenário de Sérgio Modena (também diretor) e Carlos Augusto Campos é composto de quatro estantes com rodinhas cheias de livros, que servem otimamente para compor os diferentes ambientes em que a história se passa. Gargalhadas com o quadro de Romero Britto. Flávio Sousa assina o ótimo figurino, colorido, despojado e jovial, muito bem pensado para as diversas interpretações de personagens dos atores. A luz, de Tiago e Fernanda Mantovani, é mais que competente. Linda! Além de complementar a cenografia, criaram pequenos quadros, pausas, pensamentos, apenas com a iluminação. Uma beleza! Marcelo Alonso Neves assina a trilha sonora, sempre com competência e elegância nas escolhas.

No palco, Alexandre Barros é o protagonista Antônio, emprestando verdade ao drama do rapaz. Gustavo Wabner interpreta um dos amigos, além de provocar gargalhadas com sua interpretação de uma garotinha de 10 anos. Marino Rocha, com grande potencia vocal, interpreta outro amigo, este retardado, que só se comunica através de poesias, e tem seu melhor momento na atuação como Sidney Magal fake. Hilário! Rodrigo Fagundes, não menos importante, atua como o terceiro amigo da Antônio, e é seu o melhor momento da peça quando interpreta uma professora, palestrante, sobre a arte e os efeitos de como se suicidar. Rodrigo tem aqui sua melhor atuação em teatro.

Nada disso poderia ter sido realizado se não fosse a "genialidade crônica" de Sérgio Módena, diretor que, a cada trabalho, vem crescendo, mostrando ser diferente em cada espetáculo, explorando o que de melhor tem cada integrante da equipe técnica. Destaque para a forma despojada e ao mesmo tempo muito séria com que trata do tema do espetáculo, as entradas e saídas, modificações do cenário, explorando o humor sarcástico e o drama do personagem principal.

Às vezes, tornar-se um estúpido é uma forma indolor, inodora e insípida de levar a vida numa boa, sem pensar muito, apenas passando por ela sem deixar rastros, nem sofrer muito. Eu prefiro a dor do pensamento. A ignorância só será uma bênção para aqueles que querem ficar nesta zona de conforto. Felizmente a ignorância não leva a nada, muito menos à melhora das condições sociais e educacionais deste trágico momento em que passamos em nosso país, com visível emburrecimento da população.

Como Me Tornei Estúpido no teatro é um oásis no deserto do pensamento medíocre, na falta de grandes discussões. É muito importante assistir a este espetáculo e refletir o que queremos como sociedade, como humanos. Onde vamos chegar com tanta imbecilidade big brother?


No fim da peça, a redenção é clara: só a literatura (cultura e educação) poderá salvar a todos nós deste caos! Aplausos de pé aos idealizadores Alexandre Barros, Gustavo Wabner, Marino Rocha, Sérgio Módena e Pablo Sanábio! Vida longa!! E #somostodosestúpidos!