quinta-feira, 29 de outubro de 2015

KISSE ME, KATE! - O BEIJO DA MEGERA


A primeira palavra que aprendi em Alemão foi Wunderbar. A sonoridade me pegou pela emoção, num misto de graça com palavra definidora: maravilhoso. Aqui, vivemos numa época em que o superlativo é necessário para se valorizar uma emoção. Não se diz mais “ótimo o seu trabalho”, é necessário um singelo “AAAAAAAAADOOOOOOREEEEEEEIIIIIIIIIIIIII” para que se defina, com a realidade esperada, o sentimento. Wunderbar “define” o que é “Kiss me, Kate! O Beijo da Megera”, que estreia esta semana no Teatro Bradesco.

A história do musical, com texto de Sam e Bella Spewack e músicas de Cole Porter (gênio absoluto!), com versão-tradução-obra-prima de Charles Möeller e Cláudio Botelho (M&B), conta a história de um diretor/ator e uma atriz, que tiveram um “lance” no passado, ficando mal resolvido, mas que, agora com os dois trabalhando juntos numa montagem de A Megera Domada, de William Shakespeare, tem a oportunidade de fazer as pazes e resolver o assunto pendente. Nada como "chamar o Shakespeare" quando a coisa não anda boa... (assistindo ao espetáculo, você saberá o motivo desta frase!)

Charles e Cláudio se superam neste espetáculo pois, além de brincarem consigo mesmos, divertindo a plateia ao máximo, dão uma bicada no teatro de revista, no excelente número musical de Chico Caruso e Will Anderson, aliás divertidíssimos!! A economia de ensaios (apenas um mês, como divulgado) não teve prejuízo algum para a qualidade do trabalho apresentado. Lindos os cenários de Rogério Falcão, amparado em telas plotadas, e, tão lindo quanto, o figurino de Carol Lobato, com destaque para as roupas finais da peça, principalmente os vestidos das atrizes. A iluminação é de Paulo Cesar Medeiros e a Direção Musical de Marcelo Castro. Tudo ótimo!

Destaco ainda o número de abertura do segundo ato, com a fantástica coregorafia de Alonso Barros, daquelas que a gente pega o programa pra ler e decorar o nome do artista que deu vida àquele balé. Sensacional! 

O numeroso elenco, unido e talentoso, tem destaque na volta triunfal de Ivanna Domenyco, como Hattie, aos braços da dupla M&B; e Fabi Bang ótima em números musicais com sua Lois. Guilherme Logullo, Leo Wainer, Jitman Vibranovski, Rubem Gabira, Igor Pontes, Leo Wagner, Marcel Octávio, Beto Vendesteen, Augusto Arcanjo, Giselle Prattes, João Paulo de Almeida, Lana Rhodes, Mariana Gallindo, Patricia Athayde, Thiago Garcia e Tomas Quaresma estão também no elenco.

O brilho maior fica por conta de Alessandra Verney e José Mayer que mostram todo talento vocal e atuação neste espetáculo. Ambos estão dedicados, afinados, carismáticos, cúmplices, enfim, tudo que é necessário para que o musical seja um sucesso.

Voltando a dominar a cena carioca, com este novo musical, Charles Möeller e Cláudio Botelho (além desta peça, os musicais “Nine” e “Beatles num céu de diamantes” podem ser vistos no Rio) devolvem ao seu público todo o carinho que receberam ao longo destes últimos anos em que deram uma pausa nas traduções da Broadway e nos ofereceram homenagens aos brasileiros Chico Buarque e Milton Nascimento. Charles e Cláudio, em "Kiss me, Kate! O Beijo da Megera", mesmo com recursos financeiros menores do que o costumeiro para o gênero musical, puderam contar com o que há de melhor, não só na parte técnica, mas também na parte artística, para voltarem a ser os reis dos palcos cariocas, merecidamente.


Uma coisa fica clara depois de assistir ao espetáculo: não há mais espaço para amadorismo quando o assunto é teatro musical. Há que se abolir a necessidade midiática de rostinhos bonitinhos da TV em espetáculos musicais. É necessário dar espaço a atores preparados, que cantem, dancem e atuem com competência, tudo ao mesmo tempo. Em “Kiss me, Kate! O Beijo da Megera” temos isto, o que o torna excelente em todos os sentidos. É Wunderbar (Maravilhoso)! Uma preciosidade!. Viva a dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho!!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

OU TUDO OU NADA - O MUSICAL


O tema é recorrente, mas a atualidade permite: crise afeta a todos de alguma maneira. Na área cultural, projetos foram adiados, verbas reduzidas, espetáculos cancelados, tournées encerradas. Todos estamos apertando os cintos para continuarmos na função de levar cultura e diversão à população.

“Temos que deixar de ser financiados pelos governos e nos ampararmos no público, nos tornarmos auto-sustentáveis”. Esta é a visão ideal, que nos impulsiona a seguir adiante. Como fazer? Levar público ao teatro, ao cinema, aos shows, aumentar as vendas de ingressos, livros, discos e derivados. Mas, se o povo está sem dinheiro, como resolver esta equação? Eis o mistério da fé... Eu acredito e tenho fé na nossa arte, na cultura, com meio transformador da sociedade. Então, se queremos uma sociedade nova, educada, culta, temos que ser criativos e começar agora.

Falando nisso, dois amigos amargurados por mais de um ano sem emprego, e tentando buscar alternativas, estão se lamentando quando dão de cara com uma possibilidade um tanto quanto obscena e abusada: se existe mercado para ver homens sarados e fortes, semi-pelados, dançando para mulheres, por que não fazer uma versão com homens “de verdade”, acima do peso, calvos, idade avançada, trabalhadores comuns? É desta ideia que Jarry, personagem principal, que convence o amigo Dave, a reunir mais quatro pessoas para fazerem um número de streep teasse. E assim, juntam-se a eles mais dois trabalhadores da fábrica onde, no passado, ganhavam suas vidas. Depois decidem “abrir teste” para as duas últimas vagas do grupo de seis, e surgem um rapaz baixo, porém bem dotado, e um que atende pela alcunha de Jegue... bem... já podem imaginar o motivo. Com o sexteto formado, hora de ensaiar o show, divulgar e apresentar, mas com uma condição: ou tiram toda a roupa, ou nada feito. Isto é, “ou tudo, ou nada”.

Esta é uma simples sinopse da peça “Ou Tudo Ou Nada - o Musical”, em cartaz no Teatro Net Rio, versão para o teatro musical do filme inglês “The Full Monty”. A adaptação do texto e das letras das músicas é de Artur Xexéo, que tem sempre um bom olhar brasileiro nos seus trabalhos de dramaturgia para teatro, como em “Nós sempre teremos Paris”, seu musical mais aplaudido.

A montagem brasileira tem idealização e direção de Tadeu Aguiar. Cada vez mais craque, Tadeu tem, neste espetáculo, um de seus melhores trabalhos de direção. Sua forma de conduzir a história, com calma, deixando os acontecimentos e os atores falarem por si, contrasta positivamente com a marcação rígida e ritmada, não só do elenco, mas do cenário também (assinado por Edward Monteiro). Aliás um belo cenário de uma fábrica, com portas de correr, escadas de ferro, mezanino (onde ficam os músicos). Gosto muito dos biombos com rodízios que trazem janelas e portas para o palco, criando pequenos ambientes, rápidos de serem montados, com destaque para o banheiro da boate.

Tadeu apresenta um espetáculo ao mesmo tempo leve, divertido, competente, tecnicamente impecável, de alta qualidade, entre outros adjetivos positivos. Ótima a cena do velório, com uma projeção de cemitério sobre o cenário da fábrica (uma beleza!) acrescido de um número musical emocionante – direção musical assinada por Miguel Briamonte que também está ao piano com Daniel Sanches. Os músicos são Josias Franco, Ricardo Hulck, Marco Moreira nos sopros, Marcelo Rezende na guitarra, Leandro Vasques no baixo e Tiago Calderano na bateria. Aplausos também para o figurino de (sempre competente dupla) Ney Madeira e Dani Vidal, a luz de Daniela Sanchez e David Bosboom, e a coreografia de Alan Rezende.

No elenco, Mouhamed Harfouch, Claudio Mendes, André Dias, Victor Maia, Carlos Arruza e Sérgio Menezes são os “homens normais” que se reúnem para tentar salvar suas contas bancárias através do número para mulheres. Mouhamed é o protagonista e encara de frente o desafio, sem titubear. Cláudio Mendes, Victor Maia e André Dias, são os responsáveis pelos momentos mais divertidos da peça. André, além de bom ator, é o cantor mais marcante. O garoto Xande Valois tem ótimos momentos. Patrícia França e Kacau Gomes são sempre competentes e cantam bem. Mas é Sylvia Massari que, quando entra, muda a regra do jogo... ops... isto é coisa de novela... Sylvia canta, dança, representa, faz graça e se empresta para um personagem divertido e cativante! Completam o elenco, Samantha Caracante, Carol Futuro, Sara Marques, Larissa Landin, Fabio Bianchini, Felipe Niemeyer e Gabriel Peregrino. Ufa!

É desta garra, criatividade, competência, força-tarefa e entrega de toda a equipe, que o teatro (e quem sabe nosso país?) precisa para dar a volta por cima neste momento de Lei Seca Econômica. Não tenho a menor dúvida de que esta temporada, com produção de Eduardo Bakr, será um sucesso e que, com este espetáculo estamos dando um novo passo na cena teatral carioca, onde a sustentabilidade vai fazer as pazes com a plateia. Por um mundo onde os espetáculos sejam, novamente, de terça a domingo! Viva o teatro, vida longa a “Ou Tudo Ou Nada - o Musical”! 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

PEQUENOS PODERES


Estamos em uma época onde qualquer tema se relaciona à política ou ao momento em que vivemos, ou, ao contrário, o momento em que vivemos inspira a soma de espetáculos relevantes e que estão fotografando a realidade brasileira? Ainda não surgiram espetáculos especificamente políticos, como na época de “Eles não usam black tie”, mas o teatro está se utilizando de musicais, tragédias gregas e comédias para mostrar a quantas anda a nossa sociedade.

Na tese sobre Behavorismo Radical, da psicóloga Denise Torós, “As primeiras tentativas do homem para controlar os demais fora grosserias, apoiando-se, em grande parte, no uso da força. Sons, gestos ameaçadores, ou mesmo força física, eram técnicas pouco sutis. À medida que o homem adquiriu a fala, as palavras tornaram-se um veículo adicional para influenciar os outros. À força física foi acrescentada toda uma gama de técnicas verbais, de apelos emocionai e argumentos de raciocínio e inteligência”

Posto isto, está no Teatro Gláucio Gil até 16/12, e espero que circule por muitos outros teatros, a comédia “Pequenos Poderes”, ótimo texto de Diego Molina. O espetáculo, dividido em esquetes, muito bem costurados pela direção de Breno Sanches, mostra histórias engraçadas, corriqueiras e elevadas à enésima potência do absurdo para que possamos enxergar toda a loucura que nos cerca. Tem assalto a banco transformado em empréstimo, tem professora humilhando aluno, tem padre penitenciando pecador, tem entrevistado que reage a jornalista sem noção, tem juiz sendo engolido pela disputa de advogados... enfim, pequenos poderes do dia a dia.

Breno Sanches contribui imensamente para a valorização do texto. Não são simples esquetes, mas, sim, sucessão de histórias interligadas, mesmo uma não tendo nada a ver com a outra. Breno caprichou na ligação, na troca de cenário (de Diego Molina). Criou pequenos quadros hilários para dar tempo dos atores mudarem mesas e cadeiras, figurino (de Bruno Perlatto) e iluminação (de Ana Luiza de Simoni), apoiados numa trilha sonora competente (de Armando Babaioff, DJ da festa SOPA). Além disso, Breno se preocupa com a dicção, com o posicionamento, com a seriedade da brincadeira. Tudo ali está pensado e estudado. Um trabalho de direção que merece reconhecimento.

Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos? Será, será, que será?

O quarteto fantástico, formado por Bia Guedes, Mariana Consoli, Andy Gercker e Zé Auro Travassos, não poderia estar mais afiado e dedicado ao trabalho. Quatro comediantes da melhor qualidade, primeira linha do humor carioca, jovens atores que já tem muito a dizer e a mostrar. Além de suas ótimas interpretações, estão atentos ao colega, atuando mesmo em silêncio sem ofuscar quem está com a palavra. Destaque para a advogada sem um braço e a professora de Bia Guedes, a beata, a ex-rica e a gerente do banco de Mariana Consoli, o padre e o menino de Andy Gercker, e o assaltante e o machão pecador de Zé Auro. Morrer e matar de fome, de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais.


Já dizia Caetano, enquanto os homens exercem seus podres poderes, vemos por aí vários exemplos de pequenas medições de força, pequenos usos de poderes, para que uma pessoa possa fazer exatamente aquilo que a outra quer que seja feito. Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo e me sinto parceiro deste sensacional grupo que montou este espetáculo. Gargalhei vários momentos e o sorriso não saiu dos lábios enquanto assisti ao espetáculo. Então... corra, pois só temos mais 2 semanas na Casa da Gávea, e não perca “Pequenos Poderes”. Comédia da melhor qualidade! Viva o humor carioca!

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O BEIJO NO ASFALTO - O MUSICAL

Já é lugar comum falar da atualidade de textos de Martins Pena e Nelson Rodrigues. Nada muda, impressionante.

Temos em “O Beijo no Asfalto” o poder da mídia influenciando a sociedade. Sou sempre a favor da liberdade de expressão, deixo claro de imediato. Nesta época em que se diz por aí “mídia golpista” como jargão da turma que defende o governo – se é mesmo golpe da mídia não importa, mas em se tratando de influenciar as massas, nossa mídia é craque – este espetáculo não poderia ser mais oportuno.

No filme “A montanha dos sete abutres”, um jornalista posterga o resgate de uma pessoa, que levaria míseras horas, para 6 (seis!) dias, pois o assunto rende matéria e dinheiro. Em Harry Potter, a caluniosa Rita Skeeter sacaneou o quanto pode Alvo Dumbledore e o nosso herói Harry. E quantas outras histórias ouvimos por aí... um colégio que fechou por causa de uma reportagem do Jornal Nacional, um conhecido que foi perseguido depois de seu nome ser veiculado na Linha Direta... Denegrir a imagem, gerar controvérsias, causar comoção, é moleza para a mídia, seja ela golpista ou reveladora. Temos que ter cuidado, nesta época de redes sociais, sobre o que se compartilha como verdade. Procure saber, já diz a turma dos direitos autorais.

João Fonseca sugeriu brincando, mas Cláudio Lins levou a sério: um musical numa peça de Nelson Rodrigues. Partiu para compor as músicas e nos apresenta, no Teatro Sesc Ginástico (até fim de outubro), e depois no Teatro das Artes (em novembro), o espetáculo “O Beijo no Asfalto – o musical”. Na peça, escrita em apenas 21 dias por Nelson, um homem dá um beijo na boca de um moribundo. Um beijo simples, ingênuo, uma boa ação apenas. Porém... a tal mídia resolve transformar o acontecido em manchete e transforma a vida, gera revelações familiares, muda a história de Arandir, o beijoqueiro. É cunhada se oferecendo, é esposa desconfiada, é sogro agressivo, é colega de trabalho tirando sarro... Arandir sofre o diabo por causa de sua atitude singular.

O espetáculo, texto de Nelson, é apresentado na íntegra, com a inserção das músicas compostas por Cláudio Lins. São números musicais ilustrativos que acrescentam à história pensamentos, reflexões e atitudes de alguns personagens diante do absurdo causado pela publicação. Cláudio tem berço e DNA para escrever belas canções, temas que são recorrentes durante a peça, e que são interpretados por cantores-atores da melhor qualidade em nosso quadro de artistas.

O cenário do Nello Marrese é composto de telas de arame, formando paredes e portas, servindo para pregar jornais, chapéus, roupas. As movimentações de algumas telas pelo palco proporcionam a divisão de ambientes, favoráveis para se contar a história. O figurino de Cláudio Tovar é sempre bonito e caracteriza a época. Luiz Paulo Neném ilumina a história separando o momento de texto dos números musicais. Com a trilha original, Délia Fischer assina a direção musical, variando ritmos, de samba a tango, de rap a funk, amparada por 5 músicos.

O próprio Cláudio Lins atua com Arandir, o rapaz que beija. Cláudio compõe um frágil homem atônito pelo rumo de seu gesto de compaixão. Laila Garin é Selminha, a esposa que, a princípio fica do lado do marido, mas com a pressão da sociedade... Laila reafirma que seu potencial vocal como cantora é fantástico. Sua interpretação de Selminha é muito cativante. Gracindo Jr, sempre ótimo, é o pai de Selminha. Yasmin Gomlevsky, como Dália, irmã de Selminha, tem notável amadurecimento profissional, atuando e cantando cada vez melhor. Thelmo Fernandes, como Amado Ribeiro, é o típico jornalista oportunista. Cláudio Tovar, adorável em cena, é o delegado Cunha. Jorge Maya é Aruba, ajudante de ordem da delegacia. Responsável pelas gargalhadas da plateia com seu bom humor cativante em cena, Jorge nos brinda com seu vozeirão e afinação. Janaina Azevedo é a vizinha fofoqueira, cantando muito bem. Gabriel Stauffer interpreta o homofóbico colega de trabalho de Arandir. Pablo Ascoli é o rapaz beijado no asfalto por Arandir, com presença cênica marcante tanto na atuação quanto nos números musicais. Completam o elenco Juliane Bodini, Ricardo Souzedo e Juliana Marins.

João Fonseca aceitou o desafio de unir Nelson Rodrigues com músicas novas. A alternância dos números com os textos tem um bom resultado. João, aproveita o momento das discussões GLBT e amplia, com gestuais e entonações para determinadas frases dos colegas de trabalho e equipe da delegacia, a discussão da homofobia da história sem abafar o tema principal, que é o poder da mídia. Destaque para a cena em que Selminha, sentada na cadeira lendo o jornal, está na dúvida entre ir ao encontro do marido ou abandoná-lo, quando se levanta e sai, dando lugar a Arandir, que assume a cadeira, também lendo o jornal, à espera da esposa e tentando entender o que fizeram com sua vida. Desde o início, João mantém o clima de tragédia e mistério em torno do futuro de Arandir e a tensão na história cresce ao longo da apresentação.

O casamento entre Nelson Rodrigues e músicas criadas especificamente para o espetáculo é uma proposta ousada e inovadora. Cláudio Lins foi feliz nesta realização, na escolha da equipe que o cerca e o resultado é de qualidade. Temos números musicais que completam a cena e a história preservada. Uma novidade que poderia servir de inspiração para outras peças de teatro, a fim de se fugir dos musicais biográficos.

“O Beijo no Asfalto - o musical” é um ótimo trabalho de equipe, que pega carona na discussão sobre o poder da mídia nas divulgações das operações da Polícia Federal, pedaladas e lava-jatos da vida, que anuncia a altos brados os políticos do partido do governo envolvidos mas esconde os nomes dos políticos da “oposição” nos seus tabloides. “O Beijo no Asfalto - o musical” desnuda farsas jornalísticas, como a da revista Veja que publicou matéria sobre as contas falsas do Senador Romário e não deu uma linha sequer para as contas verdadeiras, na Suíça, do Presidente da Câmara dos Deputados.

Aqui neste espaço tento influenciar você, leitor, a seguir as minhas dicas de teatro para que assista aquilo que eu mais gostei na programação disponível. Então, se você gosta de Nelson Rodrigues, aprecia boa música e quer ser influenciado pela minha opinião, vá já ao Sesc Ginástico e não perca este “O Beijo no Asfalto - o musical”!



segunda-feira, 12 de outubro de 2015

THE PILLOWMAN - O HOMEM TRAVESSEIRO

Seria possível quantificar a influência que um livro pode ter na vida de uma pessoa? Principalmente em seu comportamento? Livros de auto-ajuda estão aí para isso mesmo. Mas a que ponto um romance, um conto, uma história infantil pode servir de influência para alguém cometer um crime?

Faz um tempo comprei numa livraria (ao vendedor prometi jamais confessar qual delas foi) um exemplar de “O Livro Maldito”, de Christopher Lee  Barish. Neste, pode-se aprender desde um simples falsificar de dinheiro (papel moeda) até mesmo como fugir da prisão. O livro, se não me engano, não pode ser comercializado. Mas está à disposição de quem quiser comprar o livro ˜Como Influenciar Pessoas e Fazer Amigos”. Ora veja você, se é possível influenciar uma pessoa, segundo o livro, a roubar, matar, praticar qualquer um dos sete pecados capitais, então este livro também não deveria estar proibido de venda? Vai saber o critério... O que importa é quem irá utilizar este ou aquele livro e para qual propósito.

Está em cartaz no Teatro Poeirinha o genial espetáculo “The Pillowman – O Homem Travesseiro”, texto do inglês Martin McDonagh e traduzida por Bruno Guida. A história gira em torno de um interrogatório que dois policiais fazem a um escritor, e ao seu irmão retardado, porque seus textos, suas histórias, são muito parecidas com crimes que estão sendo cometidos na cidade onde vivem. Por exemplo, a história de uma menina que come pedaços de maçã com lâminas de barbear e de um garoto que tem seus dedos do pé decepados. Sim, é um texto para se ter sangue frio e ser forte. Tanto o autor quanto o tradutor não nos poupam dos detalhes sórdidos dos contos. E todo o processo de interrogatório gira em torno da pressão psicológica sobre o escritor o que acaba resultando praticamente em uma terapia, pois tanto o investigado quanto os investigadores expõem seus problemas comportamentais durante o espetáculo. O escritor é acusado de cometer os crimes. Será ele mesmo ou culpado? Terá ele influenciado alguém? Ou seja, um texto brilhante.

Na parte técnica, Ulisses Cohen nos oferece um cenário bastante interessante com mesas e cadeiras de metal, barulhentas de propósito e ao mesmo tempo leves como necessário. A disposição dos objetos no palco mostra que ali é uma sala de delegacia exclusiva para interrogatórios, daqueles dos mais violentos. O figurino de Daniel Infantini é ótimo!! Vi um universo Tim Burton, com pitadas de “Meu Malvado Favorito”. A iluminação de Aline Santini usa e abusa favoravelmente do clima sombrio, com fumaça ambiente, um fog, desenhando os fachos de luz.

A direção de Bruno Guida e Dagoberto Feliz é fascinante. Desde o inicio da peça, ao caminhar dos atores fazendo barulhos no chão, passando pela utilização do palco, pausas, respirações e climas construídos com precisão, tudo funciona perfeitamente bem. Destaque para a oficina de bufão pela qual os atores passaram. A utilização do grotesco divertido é levada a sério! Apaixonante este trabalho.

E são os atores que se entregam de tal modo ao espetáculo que ficamos extasiados, sem piscar, boquiabertos, saboreando cada frase, cada momento deles no palco.  Bruno Autran é o irmão retardado do escritor, também interrogado, mas em outra sala. Sua interpretação nos comove e ao mesmo tempo entendemos a dependência amorosa deste irmão pelo seu ídolo, o escritor. Flavio Tolezani é o escritor. Além de atuar com verdade, Flavio é um ótimo contador de histórias. Os contos/textos do escritor interrogado são narrados por Flávio/escritor e o trabalho é ótimo. Bruno Guida é o investigador subalterno, querendo mostrar serviço ao mesmo tempo que se apresenta afoito. Ótimo seu trabalho. Wandré Gouveia interpreta papeis distintos e contribui para o entendimento e ilustração do espetáculo.

Mas é de Daniel Infantini a brilhante e espetacular interpretação do investigador principal. Desde sua primeira entrada em cena até sua última fala, gestos, palavras, comportamento, atitude, pausas, Daniel aproveita tudo. Até calado Daniel está interpretando, no olhar, com presença cênica, sendo completo em sua atuação. Sem duvida a melhor interpretação vista por mim no teatro carioca em 2015.

Até que ponto textos de um escritor influenciam outras pessoas? Só as mentes fracas e desajustadas podem cometer um crime por conta do que leram nos livros? Quantas crianças são pegas em cima dos armários tentando voar como super-homem?

O Homem Travesseiro é um espetáculo obrigatório para todos que amam o teatro. Gosto de um bom texto, onde se pode fazer a análise comportamental das pessoas diante de situações adversas. Uma aula de interpretação e direção, um prato cheio para psicólogos levarem para salas de aula e debaterem a peça. Tudo ali é ótimo, bem resolvido, bem pensado, bem executado. Sem duvida um dos melhores espetáculos deste ano. IMPERDÍVEL!

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

ELECTRA


De que lado está a verdade? Até que ponto a cegueira por justiça versos defesa do amor são responsáveis pelas grandes tragédias humanas?

Clitemnestra matou Agamenon, seu marido, porque este matou sua filha, Ifigênia, para agradar a deusa Artêmis a fim de que “auxiliasse” o exército de Agamenon com o objetivo de vencer a guerra contra Tróia. A guerra é resultado da traição de Helena, esposa de Menelau. Fofoca típica de novela de Manoel Carlos. Clitemnestra, mãe de Ifigênia, sofreu com a morte da filha e, por justiça, matou o marido. A novela continua, agora com viés de vingança de João Emanoel Carneiro. Esta é a argumentação da mãe de Electra por ter matado o marido. Já Electra, que defende o pai, e para vingar sua morte, planeja, com seu irmão Orestes matar sua mãe, Clitemnestra. Pela visão de Electra, matar para vingar uma morte é tão ou mais “pecador” que o primeiro delito. Electra a acusa de ter-se aproveitado da oportunidade para matar Agamenon, a fim de que seu amante, Egisto, comandasse o reino de Argos. Bem, historiadores que me perdoem, mas é mais ou menos assim a base desse barraco familiar da antiguidade, que se passa no Egito, cenário das belas novelas de Glória Perez.

Sou totalmente contra pena de morte. O inferno é aqui. O inferno são os outros. Aqui se faz, aqui se paga. Morreu, acabou, deu-se bem o morto que, morto, não paga. Já quem fica, sofre, mesmo tendo sido feita justiça com as próprias mãos.

Mas o que importa nisto tudo é que está em cartaz no Espaço Sesc, teatro de arena, o nosso Maracanã do teatro, ELECTRA, a tragédia grega de Sófocles. Neste espetáculo temos a supervisão de texto de Fernanda Schnoor. O coro é condensado em um só homem, Corifeu, chefe do coro. Pílades, amigo sem fala de Orestes também não está ali, mas sua falta nem é sentida. Ambas as decisões (coro + Corifeu e retirada de Pílades) são positivas para a montagem. Li no programa que todos beberam na fonte de Antônio Abujamra cuja adaptação serviu como base para o trabalho. Abujamra sempre foi mestre. Salve!

A cenografia de Nello Marrese, sempre moderna e atual, é composta de pallets, estrados de madeira, que servem como pequenas montanhas, montes, escadas. Que facilita e auxilia na interpretação e movimentação cênica. Gosto muito da serragem ao redor dos pallets, simulando terra, deserto, dando um efeito bastante interessante. O figurino de Marília Carneiro e Reinado Elias são bonitos, necessários para que se entenda onde está localizada a trama, e identificar quem sofre e quem manda. Destaque para a túnica de Clitemnestra e de Corifeu. A luz do sempre eficiente Luiz Paulo Neném é bem trabalhada, brincando de xadrez nos pallets, colorindo de vermelho na morte, abrindo o sol quando necessário. A trilha sonora de João Bittencourt é moderna, televisiva e cinematográfica. Senti falta de um “som” na morte de Clitemnestra (#ficaadica! – ou não, como diria aquele compositor baiano).

João Fonseca é o diretor desta montagem clássica, necessária nos tempos atuais. Como sempre, João sabe chegar ao objetivo, que é contar a história e fazer as pessoas se envolverem no espetáculo. Não é fácil dirigir um clássico – e que clássico! – Existe um limite entre o naturalismo e o dramalhão mexicano. Os atores ficam o tempo todo nesta corda bamba, para que o espetáculo seja o correto, e não caia em nenhuma armadilha. João dá conta, mantém todos na linha e a montagem é muito boa, um clássico como tem que ser.


O elenco masculino, formado por Francisco Cuoco, como o Preceptor, tem uma das suas melhores interpretações em teatro. O sempre ótimo Mário Borges é Corifeu. Ricardo Tozzi como Orestes, mostra a força e a fraqueza do irmão de Electra, quando fica em dúvida e desespero no momento em que se defronta com a mãe assassina. Já para as “meninas”, temos o lado carismático e doce de Paula Sandroni como a irmã Crisôtemis, que se rende ao sistema para não sofrer nem ser perseguida. Seria uma decisão sábia? Cada um sabe o que lhe dói mais. Camilla Amado é Citemnestra, defendendo o ponto de vista da rainha, da mãe, da amante, mesmo diante da incompreensão dos filhos. Vemos ali que ela também está em dúvida sobre estar certa ou errada, pedindo sempre ajuda aos céus, aos deuses, a Apolo, que não a abandone, que mostre caminhos. Camilla empresta verdade, é uma das melhores atrizes e vê-la em cena sempre é uma aula. Porém, Electra, de Rafaela Amado, é a estrela, a protagonista, desta história. Rafaela está altiva, forte, corajosa, não há dúvidas de que sua Electra sofre, e muito, “Ai de mim!”, pela injustiça, pela falta do irmão, pela “tucanagem-coxinha” da irmã em cima do muro, pelo pai ausente. Rafaela tem ainda o desafio de ter a sua frente sua mãe biológica. E como odiar a personagem mãe diante da realidade da mãe de verdade? No palco está a resposta. Duas atrizes se enfrentam de peito aberto, corajosamente, para que a história seja contada com eficiência.

Além do já dito, existe um fundo sócio-politico impossível  de separar do momento em que vivemos. Como diz João, no programa, “...para Sófocles o que importa é que ninguém pode usurpar um poder que não é seu e abusar deste poder para acabar com a liberdade de seus opositores”. O que vemos, de todos os lados de nossa política, é um querendo acabar com a liberdade do outro lado. Por isto Electra se mostra bastante atual em sua montagem. Teria muito a dizer sobre comportamento humano neste espetáculo. Falar sobre, como diz Camilla, e eu concordo, “todos somos animais ferozes quando maltratados. E Electra é uma representante exemplar deste animal”, mas fico por aqui, para não falar demais, pois quem muito fala, muito erra.

Um espetáculo importante neste momento, um clássico, que merece ser visto por todos. É disto que precisamos para mostrar às novas plateias que o teatro está vivo e que temos que valorizar esta arte. E termino com a última frase de Orestes: “É preciso acabar com os que abusam do poder”. Viva Camilla Amado, viva Electra!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A NOIVA DO CONDUTOR


Noel Rosa viveu apenas 26 anos e, neste mínimo espaço de tempo, compôs cerca de 260 canções. Que fôlego! Em 1935, Noel foi contratado pela Rádio Clube do Brasil, onde, além de outras coisas, escrevia esquetes humorísticos e paródias de óperas famosas, prática comum nas rádios do Rio na época. O que se fazia: em cima de uma música de compositor conhecido colocavam uma nova letra em português com assuntos do cotidiano ou da política. 

Mas Noel Rosa, “naquele verão resolveu fazer algo de diferente”. Escreveu junto com Arnold Gluckmann a opereta “A Noiva do Condutor” com enredo e músicas inéditos.


Está em cartaz no Teatro do Centro Cultural Correios, uma nova montagem desta história que gira em torno de um condutor de bondes, Joaquim, que se faz passar por um advogado a fim de conquistar Helena. O pai de Helena é contrário ao namoro. Porém, no dia em que o pai da mocinha vai ao endereço fornecido pelo rapaz como sendo de seu escritório, adivinhem quem eles descobrem como sendo condutor do bonde? Tristeza de Helena, ódio do pai e desespero do condutor. Como esta história termina, só indo ao teatro para saber. Porém, o que importa é que, desde aquela época, as peças de teatro já mostravam os valores morais, revelando o apego ao dinheiro e ao status social.

Sabemos ainda, durante este espetáculo, que Noel Rosa primava por seu bom humor e ironia. A cena em que se recita um poema “fálico” é hilária. Noel cria uma opereta tipicamente carioca onde os valores mudam a todo instante, de acordo com a conveniência do momento.

A cenografia de José Dias é criativa, bem confeccionada e deixa o palco livre para que a peça seja contada, os atores possam dançar e se movimentar com espaço. José Dias criou cadeiras-escadas, um painel surpresa no fundo do palco, colocou um bondinho sob trilhos, que passam até por uma maquete dos Arcos da Lapa, resumindo num único objeto cênico toda uma malandragem carioca, e ainda tem bandeirinhas de festa de São João (alusão à música Último Desejo). Aplausos para esta cenografia. O figurino de Carol Lobato é bonito e harmônico. A iluminação de Aurélio de Simoni contribui para a fluência da história e os números musicais.

Duda Maia assina a direção de movimento. Seu trabalho é impecável. Uma beleza a forma como conduz, junto com a direção, o “comportamento” dos personagens e atores em cena. Por falar em direção, Djalma Thürler nos oferece um espetáculo lindo, de alto nível cultural e com segurança de professor. Pela harmonia em cena, a cumplicidade de músicos e atores, os cacos estudados e as inclusões de outras músicas de Noel Rosa, sabemos que neste espetáculo temos um diretor que capricha em cada cena. Djalma é muito feliz neste trabalho e a comunicação com a plateia é imediata desde o momento em que o condutor nos busca no saguão, convidando a todos a embarcar no bonde-espetáculo.

A direção musical e arranjos de Glória Calvente dão o tom da elegância do espetáculo. E os músicos Andrey Cruz (sopros), Nilton Vilela (percussão) e Roberto Bahal (ao piano e pai do condutor) executam com perfeição e sensibilidade.

Mas, além de todos os elogios já feitos até aqui, é o elenco que nos oferece um espetáculo cativante, de excelente nível, e que nos abraça a todos. Estamos, na plateia, junto com o elenco, no palco, sendo parceiros e ao mesmo tempo cúmplices desta história. A interação entre eles, e o público, é necessária para que o espetáculo seja bem realizado. Marcelo Nogueira é o condutor. Inegável seu talento vocal recentemente visto na homenagem prestada ao cantor Agnaldo Rayol. Em A Noiva do Condutor, Marcelo mostra que também é ótimo ator. Nos emociona quando a farsa do mocinho é descoberta, nos encanta quando a paixão pela mocinha é levada às últimas consequências. Izabella “Narizinho Forever” Bicalho, está ótima, encantadora, sábia nos momentos de humor, raiva, decepção e paixão. Além de cantar muito bem, Izabella está cada vez mais segura em cena. Não menos importante, Rodrigo “Olha a Faca Forever” Fagundes usa toda a sua verve de humor, tiradas rápidas e quebra de respiração para valorizar as piadas e fazer de um texto normal, uma gargalhada inesperada. Elenco unido, feliz e se divertindo em cena.

A Noiva do Condutor mostra que a moral varia de acordo com o dinheiro no bolso. Estamos vendo nosso país ser partilhado por partidos que exigem ministérios em troca de aprovação de emendas e vetos. Ou seja, o toma-lá-dá-cá é histórico e enraizado... Noel Rosa, com seu sábio bom humor nos faz rir desta falta de decoro do brasileiro, do carioca. Aplausos de pé para a produção deste espetáculo. Que tenha vida longa, pois é de espetáculos elegantes, históricos e de qualidade como este que nosso teatro carioca precisa!