sexta-feira, 29 de outubro de 2010

COMÉDIA RUSSA

Trabalhei por 11 bons anos numa empresa de comunicação e entretenimento televisivo. Nomes para que? Já podem imaginar. Tentei ao máximo seguir as regras que nos eram impostas na função, mas sempre dávamos diversos jeitinhos para que tudo acabasse bem, para a felicidade geral da nação. Dizíamos que o diretor era a pessoa mais enganada do planeta, pois sem os nossos jeitinhos, nada andava. Agora, como produtor, passo por bons e cansativos momentos junto à burocracia das leis de incentivo, que GRAÇAS A DEUS, existem para salvar a cultura brasileira. Sem as leis de incentivo, certamente eu seria uma pessoa infeliz por não realizar projetos culturais.

Inscrever projetos em editais também requer paciência e aprendizado. Lidar com certidões, contratos sociais, xérox autenticadas, protocolos e encadernações é muito cansativo para quem tem que criar o texto, o cenário, a programação visual, tudo ao mesmo tempo agora.

Gargalhei com a peça Comédia Russa, quando, no início, um dos personagens sofre para entrar em seu primeiro dia de trabalho em uma repartição publica russa qualquer. A burocracia o irrita, mas ele leva na maciota até conseguir um lugar ao sol. Junto a esta vida cotidiana de esquemas, ordens, desmandos, jeitinhos, começa uma série de assassinatos em seqüência.

Prezada Agatha Christie, li todos seus livros. Gostei muito de alguns, de outros achei o final muito improvável. Mas, no todo, a senhora é muito, mas muito boa, no gênero assassinatos.

Pedro Bricio, autor da peça Comédia Russa, segue o estilo de Agatha e nos deixa com a pulga atrás da orelha catando o assassino. Se é que houve assassinato, pois o suicídio sempre é uma hipótese válida. Mas num determinado ponto da peça, a gente percebe que... bem... não devo contar. Mas falta um final à altura do espetáculo. Fica uma grande duvida no ar e nenhuma novidade é criada para garantir a atenção do publico. No último terço da peça, eu perdi o fio de meada e não entendi muito bem o que rolou por lá. Vou ter que ver novamente para mudar esta história.

O projeto de vida do grupo de teatro Os Fodidos Privilegiados é pra mim um dos mais bonitos da cena teatral carioca. De Abujamra a João Fonseca, acredito que tenha assistido a 60% das montagens. Um grupo unido, que ama o teatro. Gosto muito de trupes de teatro. Acredito que isto mantenha nosso teatro vivo. Estudos são válidos e os grupos fazem isso muito bem. Assim como os Fodidos. Alias, não poderiam ter dado nome melhor, pois ninguém consegue viver de teatro por muito tempo sem ter uma profissão que o sustente. E se não tiver, você fica fodido mesmo.

O elenco de 11 pessoas – Alexandre Pinheiro, Cristina Mayrink, Daniela Olivert, Filomena Mancuzo, Marcos Correa, Natália Lage, Ricardo Souzedo, Roberto Lobo, Rodrigo Nogueira, Rose Abdallah e Thelmo Fernandes - funciona muito bem em conjunto, com um ou outro se sobressaindo numa cena, mais que o colega. E não é uma peça de grupo? Pois este é muito bom.

O cenário do Nello Marrese é incrivelmente criativo. Admirável trabalho. Há pouco escrevi que achava seu “Maria do Caritó” seu melhor trabalho. Isso até ver Comédia Russa. Este sim é o seu melhor trabalho. Muito criativo mesmo. Cenografia de primeira categoria. O figurino de Rui Cortez abusa dos vermelhos sabiamente e dos tons cinza, tudo com a elegância necessária. A luz de Daniela Sanchez é bonita, principalmente na cena final que falarei mais adiante. Ah, claro, a excelente e criativa musica do André Abujamra. Tudo a ver.

Na direção, o João Fonseca. Vejo tudo dele. Acredito que seja um dos melhores diretores atualmente no teatro carioca. Esta é minha opinião, olha o ciúme, hein? Em Comédia Russa, João brincou de pique com seus amigos. Deixou-os a vontade. Talvez um pouco a vontade demais da conta. As duas cenas do casal tomando sorvete precisam de algo mais. Senti falta de cenas mais marcadas, quase coreografadas, que João faz em outras peças. A repetição das cenas de coreografia com musica – tanto coreografia quanto musica são ótimas - as vezes fica um pouco de mais. Mas, calma. Eu gostei muito. Principalmente da movimentação, da opção pela brincadeira, quase um Vaudeville.

A peça é bem divertida. Ri bastante, me identifiquei varias vezes e saí pensando sobre como a burocracia, o somatório de erros e assassinatos em seqüência, pode mudar a vida das pessoas. Que me perdoem os produtores, mas cena final eu vou ter que contar. Pra mim é uma das mais lindas que já vi no teatro. Dois personagens no palco. Topo de um prédio. Apreciam o pôr do sol. A luz vai baixando. Ela diz. “Lindo ver o pôr do sol daqui de cima”. Luz baixando. Ele concorda. Ela “Quando terminar, vamos aplaudir?”. “Claro”, ele diz. A luz vai diminuindo. Eles aplaudem. Blackout. Toda a platéia aplaude.

Aplausos!

domingo, 24 de outubro de 2010

MARLENE DIETRICH - As Pernas do Século


Quando ele me disse que ia morar na Alemanha, confesso que fiquei tenso. Depois de ter passado por Portugal e França, pensei que a escolha final pra o inicio de sua brilhante carreira internacional fosse Portugal. Mas não. Frankfurt o adotou. Centro nervoso e economico da Alemanha, uma das cidades mais internacionais da Europa. Não tinha lugar melhor para ele. E pra melhorar, muito bem acompanhado. Prometi que ia, e vou, encontrar com ele em todos os países que ele viver. Parto para a Alemanha no carnaval de 2011.

Confesso ainda que já vasculhei a internet e decorei o mapa da cidade. Santo Google que me consegue traduzir algumas palavras. Já sei onde ficam os teatros, museus, centros culturais. Quero ir a Berlim. Quero conhecer este povo, esta cultura forte que tanto admiro.

Sábado no Rio, vou ao Teatro Solar de Botafogo, um dos mais aconchegantes e elegantes do Rio. Sou presenteado com uma amiga na bilheteria, nos tempos de Dona Baratinha no Teatro Clara Nunes... tempos de longas filas. Éramos felizes e sabíamos. Sento-me à espera dos sinais. De cara uma elegante apresentação da peça nos informa que houve um erro no programa e pedem desculpas de uma maneira inusitada: erros de gravação de um filme alemão. Elegancia total.

Leio no programa que Sylvia Bandeira , assim como eu, tinha referências insignificantes sobre Marlene Dietrich. No palco, Aimar Labaki me ensina tudo que eu preciso saber sobre Marlene. Um texto elegante, de muito bom gosto, dramaturgicamente construido. Temos climax, história, História, emoção, conflitos. Diversos. Passo a conhecer, e a admirar uma mulher, estrela, popstar da 2ª grande guerra. Uma mulher que ama, mas acima de tudo ama a si mesma. Batalhadora, generosa, amiga, cantora, intérprete, mãe, filha, irmã, esposa, amante. Aimar não poupa um detalhe. E o melhor é que coloca na propria boca de Marlene todo o veneno contra si mesma. Acho acertadissimo que Marlene necessite contar para um garoto quem foi ela. Até hoje muitos jovens não sabem quem foi Elis Regina, Nara Leão, Sônia Mamede, Emilinha, Marlene, Marlene Dietrich, e tantas outras. Esta é uma das funções do teatro: homenagear e relembrar. Aimar faz isso com prefeição.

A direção da peça, de William Pereira é muito elegante. Acerta em tudo. Não vi um item no palco que tivesse que ser melhorado. Tudo perfeito. Dos trejeitos de Marlene, à opção da simples e bonita cenografia, hora certa para os numeros musicais, momentos de humor e dor temperados com a devida elegância. Belo trabalho do diretor.

No figurino, Marcelo Marques já pode separar um lugar na estante para receber outro prêmio Shell de teatro. Nisso ele é craque. Roupas muito bem confeccionadas, de excelente gosto, tecidos escolhidos a dedo - nem tudo que é caro funciona no palco - detalhes nas roupas e nas caracterizações. Eu sei bem quando Marcelo se entrega de corpo e alma a um texto, um projeto, e desta vez ele se entregou pra valer. A luz de Paulo Cesar Medeiros atinge o objetivo. É sépia quando o assunto é presente, é colorida e branca quando o assunto é passado. Muitas sombras, muito filme noir. Ele sabe. O visgismo de Beto Carramanhos transforma Sylvia em Marlene. Não há duvidas quanto ao seu belo trabalho. Os musicos, liderados por Roberto Bahal, arranjador, estão em total harmonia com o espetáculo.

Quanto ao maravilhoso elenco, Márciah Luna Cabral, Silvio Ferrari e José Mauro Brant dão um show de intrepretações, tanto nos seus papéis quando nas canções que defendem. Totalmente à vontade no palco, os três conseguem se sobressair, a cada entrada, a cada troca de personagem e figurino, interpretando papéis totalmente diferentes um dos outros. E que vozes!

Sylvia Bandeira ouviu a voz do sábio Fábio Pilar - obrigado! - e é a propria Marlene Dietrich. Prepare-se, Sylvia, para uma indicação ao premio Shell - alias adoro distribuir premio dos outros! - Sylvia compõe uma Marlene aos 90 anos, com tiques nervosos nas mãos, uma tensão constante, pois Marlene era tensa - veja as fotos que meu amigo Renato selecionou no site clicando AQUI . Sylvia compõe uma Marlene que se re-inventou para sobreviver na carreira. Sylvia é Marlene. Uma realização de um sonho muito bem executada, muito bem produzida, sábiamente escolhida.

Saio feliz do teatro. Saio acrescentado. Um espetáculo elegante, Histórico, correto, bonito, divertido, emocinonante, feito com amor e garra, que merece - e deve - ser visto por todos aqueles que têm alguma ligação com a Alemanha e com as artes em geral. Um espetáculo de extremo bom gosto que o Rio de Janeiro merece exportar para a Alemanha.

Tomara que esse meu amigo, que virá ao Brasil em dezembro, possa assistir a linda homenagem que Sylvia Bandeira e CIA estão apresentando não só para Marlene Dietrich, mas também para a Alemanha. APLAUSOS DE PÉ - em caixa alta para não haver duvidas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A GAROTA DO BIQUINI VERMELHO

Começava o “Balança Mas Não Cai” e lá vinha mamãe com o misto quente e a Coca Cola – normal, sempre. Era domingo, hora do lanche. O cheiro do misto, que eu molhava na bebida e comia, ficou marcado. Marcado fiquei, quando apoiei meu braço na chapa quente. Hoje esta marca ficou mais visível.

Sônia Mamede pra mim é “misto com Coca Cola”. Ofélia pra mim é Sônia Mamede. Aquela brejeirice, aquela burrice ingênua nunca mais teve uma atriz à altura de sua primeira intérprete.

Ansioso por rever Sônia Mamede, parti pro SESC Ginástico e me deparei com uma linda homenagem de um fã. O sabor do “misto com Coca Cola” que o autor Arthur Xexéu sentia na infância e na adolescência, quando acompanhava a carreira de Sônia Mamede, está ali no palco. O carinho fica claro quando preserva a platéia das operações e doenças que envolveram os últimos tempos de vida da atriz. Mas ele não esconde o fraco pela bebida que aquela garota do biquíni vermelho tinha.

Longe de ser uma dramaturgia comme il faut de teatro – e quem se importa com isso? – a peça não tem conflito nem clímax. É uma homenagem a Sônia Mamede, ao teatro de revista e às coristas e vedetes que abrilhantavam as telas de cinema e os palcos cariocas. Época em que a televisão não dominava os lares da população. Xexéo caprichou na escolha dos fatos, entupiu a peça de referências de época, citou nomes de queridos companheiros de Sônia Mamede – não esqueceu ninguém -, utilizou-se de toda a pesquisa histórica de Daniel Schenker sobre a vida da atriz, sobre as vedetes, e nos acrescentou com esta homenagem justa e bonita.

A direção, leal ao texto, é de Marilia Pêra – minha favorita, mas não espalha. A peça precisa de ritmo até a sua metade. É muita informação no texto e as cenas ficam um pouco sem ligação uma com as outras. Se em algumas cenas os atores ficassem parados no palco, renderiam mais do que caminhando de um lado ao outro, sem motivo aparente. Sugestão: números musicais com texto no meio, três vezes na peça, fica muito igual, não? Outra rapidinha: evitar o contra-regra para colocar copos em cena, eles podem ser retirados de dentro de um dos baús. - Ok, quem sou eu para sugerir, opinar, comentar... sou apenas público, perdoem-me a ignorância. Depois que Sônia Mamede recebe o Mambembe, a peça cresce muito, fica mais ágil e o ápice é a imitação de Ofélia e Fernandinho recebendo Carlos Manga.

O ótimo figurino de Kalma Murtinho explora os contrastes preto-e-branco, de uma época em que as cores não apareciam na telona. O cenário do Marcelo Marques é composto de caixas que servem de bancos e escada, junto com uma moldura que serve de quadro, tela e janela. A luz de Tomás Ribas - gosto muito - usa os corredores internos do palco, coisa rara atualmente em teatro. Os números musicais são simples, nos recordam - e ensinam - como era bom aquele tempo. São cantados ao vivo pelos artistas - mas com músicos em playback -, ilustram a vida de Sonia Mamede no cinema. O autor nos presenteia com duas musicas de sua autoria que complementam o texto. Na coreografia, Manoel Francisco fez bem a lição de casa e acertou na composição que homenageia os filmes da Atlântida. Ele também nos dá uma palhinha de seu talento dançando como acontecia nos filmes.

Theresa Amayo compõe uma mãe carinhosa, Ricca Barros interpreta um Daniel Filho e um Carlos Manga iguaiszinhos aos originais, Ricardo Graça Mello canta bem um numero musical e interpreta outros personagens também com correção. Compõem o elenco Tati Pasqueli e Karin Roepke como coristas e amigas de Sônia Mamede. Regiane Alvez tem talento pra dar e vender. Sua criação para Sônia Mamede foi estudada a fundo. Da língua presa aos trejeitos, incorpora Ofélia no palco. Um trabalho correto, bonito e com muito respeito.

O filme que ilustra a cena final da peça emociona. Vemos que o carinho de Arthur Xexéo com a sua querida garota do biquíni vermelho é maior que o palco. É uma peça onde os mais novos vão aprender como era ser vedete, quando as atrizes tinham talento, mas o que valiam eram suas pernas – atualmente eu digo o quê? - É um belo registro histórico sobre uma atriz talentosa, divertida e acima de tudo, uma grande mulher. É trazer de volta o gosto bom do misto quente com Coca Cola. É recordar, homenagear e viver. Aplausos para a equipe.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Políticas culturais nos Governos FHC e Lula

Como este é um site que fala de cultural, resolvi publicar o artigo abaixo.

Políticas culturais nos Governos FHC e Lula

O segundo turno das eleições presidenciais de 2010 nos convida a uma reflexão acerca das políticas culturais inscritas nos projetos políticos em confronto. Mais que um mero embate entre as personalidades de Dilma e de Serra, como muitos querem fazer crer, importa entender que a efetiva disputa eleitoral acontece entre projetos políticos distintos que se expressam nestas candidaturas.

Para as pessoas interessadas em cultura, cabe analisar como estas forças políticas tratam a cultura. Tal compreensão implica, por exemplo, na análise comparativa das políticas culturais desenvolvidas pelos governos no plano federal: PSDB (1995-2002) e PT (2003-2010).

O Governo FHC teve um único Ministro da Cultura: Francisco Weffort. A atuação prioritária do Ministério da Cultura esteve voltada para desentravar e ampliar o funcionamento das leis de incentivo no país. Não por acaso a cartilha Cultura é um Bom Negócio se tornou um documento emblemático da atuação deste governo no campo da cultura. A efetiva ampliação do funcionamento das leis de incentivo foi conseguida, em especial, através da orientação do governo para as empresas estatais investirem no campo cultural.

Além de estimular a aplicação e ampliação da lógica das leis de incentivo, o ministério desenvolveu alguns projetos como o Monumenta, voltado para a área de patrimônio físico, mas realizado institucionalmente fora do IPHAN, e o programa de expansão do número de bibliotecas no Brasil, visando dotar todos os municípios de, pelo menos, uma biblioteca, meta não realizada apesar do esforço desenvolvido. Também a área de patrimônio imaterial foi contemplada, através da criação de legislação específica neste setor. Mas estas e outras iniciativas não se pretendiam como contraposições à prioridade conferida às leis de incentivo. Elas atuavam de modo complementar à opção política tomada.

Esta política de priorizar as leis de incentivo inibiu, em boa medida, a deliberação do governo sobre os projetos culturais e, por conseguinte, sobre políticas culturais, pois a decisão efetiva sobre a cultura a ser estimulada foi transferida para as empresas, conforme previsto na modalidade de leis de incentivo vigente no Brasil. A escolha se mostrava sintonizada com a conjuntura nacional e internacional de fortalecimento do papel do mercado e inibição da atuação do estado. O orçamento do Ministério no final do período é de 0,14% do orçamento nacional.

O Ministério da Cultura no governo Lula foi ocupado por Gilberto Gil (2003-2008) e Juca Ferreira (2008-2010). Tais ministros assumiram posição contrária ao predomínio das leis de incentivo, ainda que projeto neste sentido só tenha sido enviado ao Congresso em 2010. Eles defenderam desde o início a necessidade de retomar o papel ativo do estado na formulação e no desenvolvimento de políticas culturais.

A construção de políticas de cultura foi realizada com a participação da sociedade por meio de seminários, câmaras temáticas e encontros, como as duas Conferências Nacionais de Cultura de 2005 e 2010. Uma maior institucionalidade para o campo cultural foi buscada através do desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que pretende articular a federação, os estados e os municípios, e do Plano Nacional de Cultura (PNC), conformado em interação com o Congresso Nacional, além da criação de novas instituições culturais, como o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), e novos órgãos como a Diretoria de Relações Internacionais do Ministério da Cultura.

Diversos projetos foram implantados e alguns ganharam grande projeção como: Pontos de Cultura, por certo uma das atividades de maior repercussão nacional e internacional do Ministério, e DOC-TV, que envolve televisões públicas de todo Brasil e o Ministério da Cultura para a produção e divulgação de documentários e que, dado o sucesso, já teve várias versões, inclusive internacionais, como as latino-americanas e para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

As políticas para a diversidade cultural assumiram lugar relevante no governo Lula. No debate internacional sobre a diversidade cultural promovido pela UNESCO para construir a Declaração (2001) e a Convenção (2005), o Brasil teve inicialmente uma posição bastante ambígua. Mas tal postura foi radicalmente modificada com o novo governo. O Ministério da Cultura e o Ministério das Relações Exteriores, em conjunto, atuam vivamente em prol das normas internacionais de defesa da diversidade cultural. No plano interno, o Ministério da Cultura criou a Secretaria da Identidade e da Diversidade Culturais (SID) para implantar políticas e dar visibilidades aos documentos internacionais. Na busca de empreender políticas para a diversidade, a SID, pela primeira vez na história brasileira, desenvolveu uma
política cultural para os povos originários, algo que nunca tinha ocorrido no país.

A política cultural diferenciada implicou também em um aumento substancial do orçamento do Ministério, que se aproximou de 1% do orçamento nacional. O orçamento reforçado possibilitou ampliar o Fundo Nacional de Cultura, permitindo contemplar uma maior diversidade de expressões e regiões culturais. A articulação entre diversos ministérios, inspirado no PAC, viabilizou o Programa Mais Cultura, que ampliou os recursos para a cultura, com destaque, para as áreas mais carentes e de maior vulnerabilidade social.

Esta breve exposição das atividades culturais desenvolvidas nos governos do PSDB e do PT aponta nitidamente para dois projetos culturais bem distintos: um que deprime as políticas culturais do estado nacional e deixa a cultura ser regulada prioritariamente pelo mercado e outro que constrói políticas culturais públicas, através do diálogo entre estado e sociedade, visando preservar e promover a diversidade cultural brasileira. A comunidade cultural está convocada democraticamente a fazer sua escolha entre estes dois projetos expressos nas candidaturas de Dilma e de Serra.


Antonio Albino Canelas Rubim
Formado em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia (1975) e em Medicina pela Escola Baiana de Medicina (1977), mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1979), doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1987) e pós-doutor em Políticas Culturais pela Universidade de Buenos Aires e Universidade San Martin (2006). Atualmente é professor titular da Universidade Federal da Bahia; docente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade e do Programa de Artes Cênicas, ambos da UFBA; Ex-Diretor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA; Ex-Presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Ex-Coordenador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Pesquisador I-A do CNPq. Autor de livros e artigos em periódicos nacionais e internacionais. Membro de Conselhos Editoriais de publicações em Cultura e Comunicação. Foi diretor da Faculdade de Comunicação da UFBA, por três vezes; Presidente da Câmara de Extensão da UFBA; Presidente da Câmara de Comunicação, Cultura e Turismo da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia; Secretário de Cultura da Associação dos Professores Universitários da Bahia, por duas vezes, e Presidente da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Principais áreas de interesse: políticas culturais; cultura e política; comunicação e política; cultura, comunicação e sociedade.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

DEUS DA CARNIFICINA

Já dizia irmã Selma, personagem de “Terça Insana”: “eu quero muito abrir um orfanato, porque cuidar de criança é uma coisa que relaxa a gente”. Claro que o tom é de pura ironia. Vejo isto agora, com o projeto “Lê Pra Mim?” que estamos desenvolvendo no Rio e em Salvador, ao mesmo tempo. Crianças de diversas culturas se encontrando para ouvir história. E vocês pensam que elas ficam quietinhas? Negativo. É uma gritando mais que a outra, uma batendo e apanhando mais que a outra... porém é verdade que existem os ‘quietinhos’. Estes tramam e incentivam aos pancadeiros a socar o coleguinha no olho certo.

Sobre o tema “como fomos estragados ao longo dos anos”, sugiro a leitura de “Marcas de Nascença”, excelente livro de Nancy Huston que conta a historia de 5 crianças, pela ótica das próprias. Cada uma em sua época, sua década. Dos anos 2000 aos anos 30 – o livro vem de cá pra lá - podemos perceber as marcas que deixamos nas crianças e as marcas que temos hoje.

Em “Deus da Carnificina”, excelente texto de Yasmina Reza, autora francesa premiadíssima mundo a fora, o entrevero entre crianças é o ponto de partida para mostrar as feridas sociais que estamos vivendo, aqui no Brasil, lá na França. É tudo igual. Como os pais estragam e mimam seus filhos, como reagem ao falar deles, a dedicação total e nenhuma às crianças, como a inversão dos papéis de mãe e pai – segundo as “Normas Técnicas” da sociedade em que vivemos – influencia no comportamento das crianças, a falta de limites – tanto de pais quanto de filhos – e a derradeira e lamentável explosão de emoções (ufa!!), está tudo na peça. O texto não se localiza em uma cidade especifica, mas temos a certeza de que a história aconteceu ontem à tarde. Texto é merecidamente premiado e montado mundo à fora.

A direção é de Emilio de Melo, que recentemente foi premiado por “In On It”, atuando ao lado de Fernando Eiras. Em “Deus da Carnificina”, Emilio é rígido com marcas e ao mesmo tempo rígido com cada palavra que os atores estão falando. Tudo é aproveitado. De um simples toque do aparelho celular à desesperada cena de ataque de nervos de uma mãe incompreendida. Até fazer Julia Lemmertz vomitar em cena, ele consegue. Das peças que tenho visto, esta direção, sem duvida, é a que mais se aproxima da perfeição.

Já falando do elenco, Julia Lemmertz e Paulo Betti, Débora Evelyn e Orã Figueiredo são os casais que se confrontam para defender seus filhos e seus interesses. Elenco equilibradíssimo. Todos generosos, sabendo dar passagem ao colega, sabendo olhar no olho, levantar a bola para que o parceiro de palco possa cortar a bola e marcar pontos. Muitos pontos. Julia Lemmertz não desperdiça nem um suspiro. Débora Evelyn cresce ao longo da peça junto com sua personagem, defendida com unhas e dentes. Paulo Betti, como o pai “to-nem-aí” faz a gente ter ódio de aparelhos celulares. Em minha humilde opinião (hoje to humildezinho...) sugeriria ao Orã que não abusasse tanto de sua verve cômica. Claro que ele é brilhante nesta parte, mas o texto não precisa de apelações para ser engraçado. As situações já são suficientemente toscas para que aquele pai não seja tão bufão assim. Não precisa jogar para a platéia rir. Ela já está na sua mão desde o inicio. Adoro Orã desde “Bugiaria”.

Na cenografia, que infelizmente não tenho o nome, existe uma gigante mesa decorada com milhares de peças LEGO, o que nos traz ainda mais para universo infantil, assim como os livros de arte carinhosamente – e psicoticamente – cuidados por aquela mãe que mais parece uma menina adorando seu diário. O figurino, único, é bastante elegante e acerta em cheio para cada personagem. A luz ilustra as cenas apenas para acrescentar brilho ora aqui ora ali, mas sem duvida quem manda é o texto. E a trilha sonora da peça com uma musica no inicio do espetáculo nos prepara para a carnificina que vem a seguir.

Esta peça é para ser vista diversas vezes. Para sairmos do teatro acrescentados. O que estamos ensinando às nossas crianças, o que estamos deixando de legado para o futuro? Que educação recebemos e a que estamos passando adiante precisa ser revista urgentemente. Yasmina Reza, Emilio de Melo, Débora Evelyn, Julia Lemmertz, Orã Figueiredo, Paulo Betti e toda a equipe, ciente disto, dá o que o teatro carioca precisa: a chance de pensarmos e discutirmos o futuro da humanidade. Que carnificina é essa que este Deus para quem (???) todos rezamos diariamente, nos está conduzindo? Somos nós os Deuses da Carnificina?

Aplausos de pé.
Vá ver. Imperdível.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MARIA DO CARITÓ

O teatro entrou em minha vida, definitivamente, em 1999 quanto fui viajar com a peça “O Casamento de Dona Baratinha” para o interior de São Paulo. À principio eu só ia operar o som durante as apresentações. Quem disse que me foi permitido executar apenas este papel? Montei cenário, contabilizei a bilheteria, paguei as pessoas, passei roupa, recebi o publico, embalei objetos nas malas... nascia um operário do teatro. Ninguém me ensinou. Eu ia fazendo. Deu certo.

Pra quem nunca ouviu esta história, uma solitária baratinha busca um parceiro para se casar, mesmo com sua idade avançada para a época. Longe de mim dizer que Dona Baratinha suborna seus pretendentes, pois tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha, mas é bom saber que se está casando com alguém que pensa no futuro. Apesar disto, Dona Baratinha não casa nunca. Esta é a história. Os amores vão, e as amizades ficam, é o lema da peça.

Por falar em Dona Bartinha e em “como tudo começou”, estréio uma coluna de teatro no site Rio&Cultura. Lá teremos uma página com pequenos, mas nem tanto, comentários sobre a cena teatral carioca. Vou sugerir peças, comentar sobre outras, informar o que vem pela frente. Amo teatro e desejo muito que vocês também gostem de assistir.

Voltando ao assunto, Dona Baratinha é uma solteirona, de meia idade, que ainda não se casou. Opa, percebo que isto é o ponto de partida de “Maria do Caritó”, peça em cartaz no Teatro dos Quatro, com Lilia Cabral encabeçando o elenco. Em “Maria do Caritó”, a personagem que dá nome ao título é uma solteirona de meia idade, mas difere da tal Baratinha pois Maria está prometida a um santo, e, portanto, deve morrer imaculada. Pobre Maria. Faz promessas para Santo Antonio, pede ajuda a amigas, faz mandinga, e nada. A cidade acredita na santificação da Maria e cobra dela atitudes e milagres, maleficamente auxiliados pelos cambalachos dos habitantes que fazem uso da idéia dos milagres de Maria para se darem bem.

O texto de Newton Moreno é todo baseado na cultura nordestina. Desde “As Cententárias” que acompanho o trabalho deste autor e considero “Maria do Caritó” sua melhor peça. Mais rica em detalhes, furdunços, metáforas e rica no uso de expressões e comparações inusitadas. Certamente este texto será indicado para um bom premio de teatro.

O cenário do Nello Marrese é um dos melhores já criados pelo artistas. Mistura do circo com teatro, prateleiras (caritó) e elementos religiosos dão aos personagens condições para brincar em cena. Destaco o belíssimo arco móvel formado por bandeirinhas de São João. O figurino de J.C Serroni é lindo e também criativo. Em harmonia total com a cenografia, casamento perfeito. A luz de Paulo Cesar Medeiros é bonita e competente, como sempre é. Gosto da trilha sonora de Alexandre Elias que pontua e ilustra as cenas.

No palco Lilia Cabral é uma atriz que dispensa comentários. Sabe bem como interpretar este tipo nordestino, tem um carisma fenomenal e se entrega totalmente ao papel. Destaco nesta peça Dani Barros com interpretações sempre brilhantes, desta vez se supera ao interpretar a Galinha Damiana. Abraçando Lilia Cabral e Dani Barros estão os competentes Silvia Poggetti, Fernando Neves e Leopoldo Pacheco, cada um dando o máximo de si e se divertindo tanto quanto os outros.

Na direção, João Fonseca, que, desta vez, nos apresenta um trabalho voltado para um circo com atuações. Traz o circo para o palco, leva o teatro para a lona. Tudo ao mesmo tempo. Raras foram as vezes em que vi João não usar de seus costumeiros artifícios (e que sempre dão certo) para dirigir um espetáculo. Desta vez não consegui identificá-los. E isto é excelente, pois teve trabalho! E que belo trabalho. João Fonseca é um diretor que consegue inovar mesmo em linguagens pra lá de comunicativas, como o circo e o teatro. Mais uma vez, meu aplauso de pé e meu carinho.

Posto isto, indico para esta semana a peça “Maria do Caritó”. Um espetáculo que certamente irá ganhar prêmios, mas que sem sombra de duvidas irá mostrar que é possível ir ao teatro, se divertir (e muito!), refletir sobre economia, religião, política, família...

Vá e o teatro, e me chame!
Abraços,
Marcelo Aouila