segunda-feira, 24 de novembro de 2014

AGNALDO RAYOL, A ALMA DO BRASIL


Tive o prazer de homenagear uma grande amiga quando, junto com a diretora Joana Lebreiro, adaptamos para o teatro o livro “Não se fazem mais avós como antigamente”, que virou “Avós, mulheres e couves portuguesas”. A vida da Nana Pirez estava ali no palco. Ela se recusou a ver ensaios. Nos deu carta branca. Foi na estreia que Nana se deparou com sua vida no palco. Fiquei observando sua reação ao logo da récita. Ela, impávida, sem derramar uma lágrima. Atenta. Ao final, não consegui chegar perto. Chamada ao palco, falou pouco e agradeceu. Eu só consegui um beijo rápido, pois tive que resolver assuntos de produção.

Combinamos, então, nos encontrar depois, no restaurante. Lá, ela me recebeu – agora sim – de braços abertos e lágrimas nos olhos. Só nós dois. Abraçados e chorando felizes. Um dos momentos mais felizes da minha vida. E dela, certamente.

Está em cartaz no teatro do Centro Cultural Correios o musical Agnaldo Rayol, A Alma do Brasil, em homenagem ao cantor. Figuras importantes da história da MPB virando espetáculos musicais está na moda. Sou totalmente favorável a este novo formato brasileiro de fazer musicais. Aos jovens é permitido conhecer quem foi, e ainda é, referência. Aos demais, os bons tempos voltam. O mais importante deste musical é que Agnaldo Rayol está vivo, cantando e ainda emocionando as plateias por onde passa.

O texto da consagrada Fátima Valença, expert em escrever sobre a Éra do Rádio para musicais, é um apanhado dos melhores e mais importantes momentos da carreira do cantor. Pouco ficamos sabendo sobre sua vida pessoal. Os paparazzi de plantão e as revistas de fofoca arrancariam os cabelos por causa disso, mas ao público interessa saber, relembrar e fixar o valor do cantor na história do Brasil. Não me interessam as fugas amorosas muito menos suas dividas, se é que as teve, desde que sua voz continue adoçando a vida dos brasileiros.

O cenário e figurino do sempre competente Flavio Graff estão à altura do homenageado. Cortinas de renda que permitem projeções, roupa de época, com glamour, bem confeccionadas. A luz de Felipe Lourenço é bonita e auxilia bastante na condução da história, uma vez que o teatro tem um palco pequeno. Mérito grande a Direção Musical de Marcelo Alonso Neves, craque nos arranjos e interferências sonoras, muito bem reproduzidas pelos músicos.

A direção de Roberto Bomtempo é muito boa. Atento para os momentos exatos de emoção nos números musicais, intercalados com a história da Agnaldo, e rígido nas composições dos personagens evitando exageros. A cena de Hebe Camargo com Agnaldo Rayol é emoção pura.

Stella Maria Rodrigues está brilhante em cena. Sua interpretação de Hebe Camargo é um achado! Não é uma imitação nem muito menos uma incorporação, é uma interpretação-homenagem, que faz toda a diferença, positivamente falando. Sem contar seus números musicais. Sua afinação e nuances vocais. Um show.

Mona Vilardo e Fabricio Negri, cada um ao seu momento, otimos em cena, com competência e respeito aos personagens. Também competents quando cantam, muito bem preparados e de altíssimo nível.

E, não menos importante, Marcelo Nigueira é o próprio Agnaldo Rayol em cena. Canta tão bem quanto o original. Aplausos de pé em vários momentos, pela sua competência vocal e atuação. No dia da estreia, segurar a emoção como ele fez ao entregar uma rosa para o próprio Agnaldo Rayol, durante a peça, e não perder o rumo do personagem, é para poucos.

Entendo o empenho do Marcelo, também produtor,  em promover a homenagem, a esperar o tempo certo para realizar um projeto de qualidade e, por que não, um sonho. São poucos os artistas, da época de Agnaldo Rayol, já homenageados em cena. Cauby e Orlando Silva viraram teatro. Rayol era merecedor e Marcelo faz com elegância esta justa homenagem.

Temos que mostrar a importância dos ícones da Musica Brasileira da Era do Rádio. O  Brasil é um pais sem memória e estas não podem morrer.


Na estreia, Agnaldo Rayol estava presente. Plateia, homenageado, equipe e atores emocionados. Lágrimas e aplausos para “Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil”, ótimo e competente musical que o Centro Cultural Correios nos presenteia.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

NÔMADES


Faz quase 3 anos que perdi uma das mais importantes amigas que tive até hoje. Ela, com 77, nos deixou como disse que seria: sem dar trabalho. É ruim viver sem sua voz rouca ao telefone, sem seus comentários certeiros, sem suas baforadas de cigarro, sem suas observações do dia a dia. Com ela aprendi a “olhar o passado com os olhos do passado, não com os olhos de hoje”.

Nãna sempre foi atual. Moderna, à frente de todos os tempos. Quando partiu, sem autorização nossa, sem dizer adeus, me senti o mais órfão dos amigos. Não briguei com ela por sua ida, por me deixar aqui sem respostas e sem seu bacalhau na mesa de plástico da quitinete de Copacabana. Sabíamos que era este seu desejo: descansar em paz. Assim, nos confortamos. Até hoje ouço sua voz com o leve sotaque português ao pé do telefone: “Adivinha quem é?”. Sua rouquidão era inconfundível.
Acredito que a energia gerada por quem partiu continue presente, de outra forma. Hoje, sinto a presença da minha Nãna em pequenas frases que digo, situações que vivo e objetos pessoais dela que guardei. Minha única tristeza é a falta de notícias. O não poder vê-la (por enquanto) me deixa triste. Um dia resolveremos isto!

Está em cartaz no Teatro Poeira e peça Nômades. O texto escrito por Márcio Abreu e Patrick Pessoa, com colaboração das três atrizes e de Newton Moreno, explora as fases em que passamos desde o momento do trauma da notícia da morte, a raiva pela perda do amigo, a tristeza por sua ausência “para todo o sempre”, a dor da imensa saudade, até a consciência de que a vida continua. As personagens são atrizes que contam para a plateia alguns encontros, convivências, dia a dia, com a amiga que morreu de repente. A peça começa com uma belíssima despedida das três, no enterro da quarta amiga. A seguir uma sucessão de sentimentos, situações e catarse faz com que o público se una às três amigas, dilaceradas pela dor da perda, e façam uma viagem ao fundo do poço com elas, para que, todos, público e atrizes, saiam do buraco e celebrem a vida e a amizade.

Senti falta das amigas contarem como conhecer a falecida as transformou. Como eram antes e como ficaram depois da chegada da amiga por suas vidas? Nãna mudou minha forma de falar, de observar o mundo. Nãna me orientou, trocamos confidências que me foram (e ainda são) úteis ao meu dia a dia social. Somos a reunião de características de nossos amigos, parentes e personalidade própria. Ao conhecer alguém novo, que fica na nossa trajetória, algo desta pessoa é incorporado em nossa personalidade. O que ficou em cada uma das personagens?

O cenário e os objetos de Fernando Marés são de bom gosto e bem bolados. Destaque para a parede vermelha de portas que servem para as trocas de roupas das atrizes e mostrar que ao se fechar uma porta (morte), outra se abre para a vida. O figurino de Cao Albuquerque e Natália Duran é muito elegante e de acordo com a proposta da peça. A iluminação envolve todo o espetáculo com momentos de intimidade e exaltação necessárias ao texto. A direção musical de Felipe Storino faz a catarse necessária para que as dores possam ser expurgadas.

Marcio Abreu dirige a peça sabendo dosar os momentos de tristeza, tensão e gargalhadas com a exatidão para cada momento. Destaque para as interpretações individuais das amigas cantando e para as conversas em torno do sofá e mesa de centro. O discurso de agradecimento no velório é uma das cenas mais bonitas que vi recentemente em teatro.

Amigas. Esta é a melhor definição para Andreia Beltrão, Malu Gali e Mariana Lima no palco. Cumplices, generosas, colegas, profissionais e, acima de tudo, amigas. Cada uma sabendo seu momento de brilhar e auxiliando a amiga a ter seu estrelado aplaudido. Uma reverência à amizade. As três mostram ao público porque fazem parte do seleto grupo das melhores atrizes brasileiras. É um prazer vê-las no palco tão à vontade e, ao mesmo tempo, tão concentradas em seus trabalhos.

Com produção de José Luiz Coutinho e Wagner Pacheco, Nômades é uma celebração da vida. Choramos, rimos, nos solidarizamos com a perda das amigas em cena. A mensagem do espetáculo foi a escolha, das três, pela vida, pelo “seguir adiante em memória aos bons momentos em que todas viveram juntas”.

E é com esta celebração da vida (que não me canso de exaltar nesta peça) que recomento a todos que assistam este espetáculo para que possam lembrar dos amigos que se foram, fazer um pensamento positivo para, onde quer que estejam, olhem por nós. E que possamos seguir adiante em nossa história, até quando pudermos encontrar nossos amigos novamente. Viva a vida! viva Nômades!

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

NÃO VAMOS PAGAR!


Passadas as eleições, ficou aquele gosto amargo do “não adiantou nada”, sobre manifestações de junho e julho de 2013. Até eu fui pra rua, reclamar das mutretas, maracutaias, conchavos, escândalos, propinas, negociatas. Mas a maioria da população votou em candidatos que são topos das listas dos mais procurados pelo desvio do dinheiro público. De que adiantou a manifestação? Era pela festa, ou era, mesmo, apenas pelos R$ 0,20? Eu fui à rua por causa da roubalheira e pelos vinte centavos também. “Chega!” – gritamos na época.


Está em cartaz no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil a comédia “Não Vamos Pagar”. O texto do comediante italiano Dário Fo, escrito na década de 70, na Itália, conta a história de mulheres que roubam um supermercado por estarem cansadas dos aumentos de preços. Ao chegar em casa é que a cobra torce o rabo. A protagonista nos conta que seu marido, moralista, jamais a perdoaria pelo roubo e, com a ajuda da vizinha, esconde o produto do furto embaixo da cama. Além disso, divide parte com a amiga, que esconde, dentro da roupa, latas de comida para poder sair à rua. Eis que é flagrada pelo vizinho moralista e se finge de grávida. Bem, daí em diante é um somatório de confusões engraçadíssimas.

A tradução de José Almino dá o tom brasileiro nesta história atemporal e que, sem dúvida, pode acontecer em qualquer local do mundo. Recentemente, além das nossas manifestações, vimos os países europeus reclamando a falta de dinheiro e de emprego. José Almino dá a necessária “abrasileirada” na conversa, e na fluência do texto em português, com sabedoria.




A cenografia de Omar Salomão é campeã! Como o protagonista é operário, tapumes de obras, que vemos pela cidade do Rio em época pré-Olimpíada, são elementos estruturais da casa onde se passa a ação. E ainda servem como anteparos para coxias. O figurino de Juli Videla é confortável para todos, mas os personagens estão muito bem vestidos para aquela turma que precisa roubar para comer... Frescura minha, releve. A iluminação, do craque Renato Machado, é sempre ótima. Bem legais também são as interferências sonoras criadas por Ricco Viana.


No elenco, Virgínia Cavendish está ótima como a mulher que rouba no mercado. Luana Martau é hilária e aproveita tudo (e mais um pouco) do que o texto lhe permite brincar e ainda abusa do seu talento para comédia. No lado masculino, Marcelo Valle e Fabbrício Belzoff incorporam os maridos enganados, moralistas, operários e que encarnam bem aqueles cujas últimas palavras são sempre das mulheres! E, não menos importante, Zéu Britto é um ator e comediante daqueles que fazem a platéia dar risadas no instante em que entra em cena. Hilário, Zéu encarna dois policiais e um senhor de idade levando o humor ao extremo. Com perfeição nas piadas, nada passa batido. Ele usa tudo e diverte não só o elenco mas como o público também. Fazia tempo que não chorava de rir no teatro e Zéu foi o responsável por este momento.


Inez Viana é a diretora. Não canso de elogiar seu trabalho como comandante das melhores peças de teatro que tenho visto ultimamente. É um crescimento a cada trabalho que vejo. Gosto muito de tudo que ela faz e até já consigo observar marcas registradas suas, como o entrar e sair de tapumes, em cena, com atores escondidos atrás. Já vi algumas vezes esta marca e o resultado ainda é positivo. Inez já merece ser reverenciada pela crítica especializada está a um passo de receber seu prêmio como melhor diretora.

Virgínia Cavendish e Tatianna Trinxet acertaram em cheio ao comprar os direitos desta peça antes das manifestações de junho/julho de 2013. Mesmo agora, passadas as eleições, e depois do gigante ter acordado e adormecido novamente, é muito bom poder falar neste assunto “protesto” e “basta” com o bom humor necessário para pensarmos em como está a economia do país em que vivemos e, além disso, cobrar dos novos governantes uma melhora geral em todas as áreas.



Não perca este espetáculo. Divertido, honesto, de bom gosto, sincero, oportuno e que nos dá força para continuar lutando pelo teatro, pelas artes, pela nossa economia e pelo nosso futuro. Aplausos e gargalhadas!

sábado, 20 de setembro de 2014

A QUANTAS SEPARAÇÕES UMA MULHER É CAPAZ DE SOBREVIVER?


O tema é vasto. As discussões sem fim. Relacionamento a dois ainda é um dos maiores problemas da humanidade, quando sentam no consultório de um psicólogo. Minha culpa? Culpa do outro? Onde está o erro? Houve erro? O que fazer para melhorar?

Ao longo dos meus - muito bem vividos - 7 anos de terapia, aprendi que o nosso comportamento é sempre o responsável pelo que sofremos. As pessoas só fazem com a gente, aquilo que a gente, conscientemente, ou não, deixa que elas façam conosco.

Sempre digo que teatro tem que deixar uma reflexão pra levarmos para casa. Assim como na terapia, na sala de aula, refletir em casa, amadurecer a ideia, gastar o assunto, é importante. Se vamos aprender, só o tempo dirá.

Dentre o que aprendi na terapia, uma conclusão: quanto mais rápido chegar ao fundo do poço, mais rápido você sobe de volta. Imagine um poço, com uma mola embaixo. Se você descer devagar, curtindo a fossa, adorando sofrer, ao pisar na mola, você estará tão sem forças, que a mola não vai te impulsionar de volta e, portanto, a cura demorará a chegar. Ao passo que, se descer ao fundo do poço logo, na velocidade, se acabando duma vez, a força do resgate, retorno, é muito maior e logo logo você estará são e salvo, pronto para outra. De novo.

Está em cartaz no Teatro Leblon, sala Tônia Carreiro, a peça “A quantas separações uma mulher é capaz de sobreviver?”. Texto de Renata Tobelem. A peça conta a história de Ana, que acabou de tomar um pé na bunda. O cara nem se deu ao trabalho de ir pessoalmente dizer adeus. Deixou uma mensagem na secretária eletrônica e acabou com o humor da moça. Ela, que já vem de alguns pés-na-bunda, faz uma reflexão, consigo mesma, e tendo a plateia como ouvido e cumplice, sobre seus mais recentes relacionamentos. Em todos, ela comete os mesmos pecados comportamentais, que uma boa terapeuta iria enumerar e ajudá-la a não cometer mais os mesmos erros. Quem sabe outros? Novos erros?

O texto flui muito bem. Renata sabe escrever e contar histórias com inteligência. Tem humor nas entrelinhas e nas ações que Ana se envolve. Sem apelos, mantendo a sequência em ascendência até o clímax, o texto em si já é um prazer para o público acompanhar. A cada novo relacionamento frustrado, vemos a evolução dos erros e acertos na vida de Ana, mesmo sem ela se dar conta. Embora Ana faça terapia, a alta médica está longe de chegar. Aliás, acho que Ana merecia mudar de analista, pois seus sofrimentos com sua vida amorosa têm cura!

O lindo cenário de Lídia Kosovski e Nicole Marengo, onde a personagem escreve no quadro negro informações para que não se esqueça dos fracassos, como se a vida lhe desse uma aula, mostra bem a cabeça de Ana: muita informação bagunçada e confusão. Adorei o lustre em formato de forca! Lembra ainda uma sala de aula, onde a vida vai ensinando para Ana a forma de se adequar ao comportamento social de sua geração. O figurino de Sol Azulay está bonito e confortável, dando a leveza necessária para a personagem que está em casa, envolta em seus problemas. A iluminação: Felipe Lourenço deixa claro o momento da confusão, da diversão e da reflexão. E a trilha sonora de Michel Bercovitch dá o tom certo para os momentos em que a passagem de tempo, pensamentos e devaneios são importantes.

Guida Vianna dirige a peça, explorando toda a capacidade que Renata tem. Ela consegue sugar o que a autora-atriz quis dizer com cada frase e fazê-la passar com toda a verdade. Aplausos para um trabalho elegante e sábio.

A vantagem de ser autora e atriz é que, Renata Tobelem pode brincar a vontade com a palavra. Está ótima em cena. Segura, divertida, cativante, firme. Já conheço seu trabalho desde a peça Aberrações, onde tive o prazer de assisti-la durante meses. Eu me apeguei ao espetáculo e ia a quase todas as apresentações. Agora, em “A quantas separações uma mulher pode sobreviver?”, Renata mostra mais uma vez a grande atriz que é. Olho nela, pq vai longe. Precisamos que a mídia reconheça o grande talento que ela tem.


“A quantas separações uma mulher pode sobreviver?”. Sinceramente? A todas. A opção pela vida, mesmo que o luto seja grande, o sofrimento forte, não pode ser posta em duvida. Morrer é fácil. Difícil é encarar de frente com força, resiliência (aprendi essa palavra há poucos dias e estava louco pra usar!), se recuperando e seguindo em frente a cada lombada que a vida nos dá. Portanto, vá ao teatro. Terças e quartas, assistir a este espetáculo. 

Certamente você sairá de lá refletindo sobre seus relacionamentos, como eles foram importantes para sua vida e o que fazer (e não fazer) no próximo, ou próximos, namoros ou casamentos! 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

BOCA MOLHADA DE PAIXÃO CALADA


Com a ausência do teatro Candido Mendes da cena teatral carioca, o teatro do Porão da Casa de Cultura Laura Alvim se firmou como celeiro de bons espetáculos que seguem vida longa após temporada ali. Chamada de Sala Rogério Cardoso, espetáculos como “Os Pândegos”, "Quebra Ossos”, “Oscar e a senhora Rosa”, “Quando as Máquinas Param”, entre outras, colheram ótimas críticas pela qualidade apresentada ao público em um espaço tão pequeno.

A vez (de novo!) é da Cia Escaramucha que agora ocupa o espaço com o ótimo trabalho “Boca Molhada de Paixão Calada”, comemorando os 70 anos de Leilah Assunção (mesma autora de "Fala Baixo, Se Não Eu Grito") e os 10 anos da Cia.

A história do casal que se encontra em um pequeno apartamento para dar vazão à paixão “calada” pela separação, mas que ainda é viva, nos é apresentada pela autora. Neste dia em específico, resolvem botar em pratos limpos todas as traições, mágoas e histórias escondidas, para que possam prosseguir, juntos ou separados, nesta vida às escondidas, ou se, após isto tudo, poderão reatar o romance. E é nesta lavação de roupa suja que surgem cenas do passado entre os dois, inclusive, uma dessas cenas faz uma viagem na relação do casal na época da ditadura (que este ano completa 50 anos).

Até que ponto se pode abrir o jogo com o(a) ex-mulher(marido)? Vale a pena contar tudo que ficou escondido durante o relacionamento? É possível conviver com a traição posta às claras? E as mentiras contadas apenas para ferir o companheiro? São caso de assassinato ou perdão? As respostas estão ali no Porão do Laura Alvim.

No palco, a cenografia de Danielle Geamal indica um ambiente estilo “garçonière”, uma quitinete simples, num lugar obscuro da cidade, com poucos móveis, cortinas fartas e um sofá que vira uma cama redonda de veludo azul, composto por gomos. Como um queijo tipo “A Vaca Que Ri”. O figurino é único, mas com elementos que auxiliam para contar a história. O casal se mostra muito íntimo do local, parecendo que se encontram várias vezes por lá. Usam os gomos do sofá-cama para criar as cenas. A luz do Djalma Amaral, limitada ao espaço, consegue auxiliar na evolução da história. A trilha sonora de Zéza Júlio também é positiva.

Márcio Vieira é um ótimo diretor. Tenho visto trabalhos seus e sempre me surpreende. Gosto da movimentação, utilização do palco e da condução dos atores em cena. Marcio aproveita bem o cenário e a ótima dicção do elenco, que se entregou ao diretor.

Ana Berttines e Romulo Rodriges fazem o casal. A química entre os dois é excelente e já tinha gostado do trabalho deles desde “Quando as Máquinas Param”. Com esta montagem, consegue mostrar outra faceta boa de seus trabalhos como atores. Seguros, sabendo bem como conduzir a história, envolvidos com o texto. Atores que olham no olho e se emocionam quando parceiro também se emociona. Afinal, falar de amor, nos dias de hoje, mesmo que seja numa lavação de roupa suja ou numa reconciliação, é prato quente para emoção.


Sem dúvida alguma "Boca Molhada de Paixão Calada" é um espetáculo que comemora com respeito e dignidade os 10 anos da Cia Escaramucha. Esta Cia, que navega também pelo teatro infantil, apresenta a peça “Histórias que o Eco Canta”, que já circulou pelo Rio e São Paulo.

Está aí uma justa e competente homenagem à Leilah Assunção. É sempre um prazer assistir ao trabalho ótimo de uma Cia de teatro sólida que faz a cena teatral carioca cada vez mais rica.

sábado, 9 de agosto de 2014

BAKER STREET 221b


Romances policiais e de suspense são meus gêneros literários favoritos. Acabei de ler “Dias Perfeitos”, do amigo-escritor Raphael Montes, um jovem que está subindo mais que foguete, cuja capacidade de deixar o leitor atônito, ao entrar na cabeça de um psicopata e torcer para que o protagonista se dê bem, é enorme. Indico também, dele, o livro “Suicidas”. Esse garoto vai longe. Mas vem de longe a paixão por mistérios. Agatha Christie, com seus pimpolhos Hercule Poirot e Mrs Mapple, Arthur Conan Doyle com seu Sherlock Holmes, e Inspetor Maigret criado por Georges Simenon, só para citar os mais famosos, estão na estante de livros, no lugar privilegiado. Recentemente caí de cabeça nas séries CSI (e derivados), bem como na série Sherlock, no Netflix, pelo prazer que oferecem, ao explorarem os cérebros dos telespectadores em busca do assassino, ou fazendo parte do crime.

A surpresa boa, é que está em cartaz no teatro do Centro Cultural da Justiça Federal a peça “Baker Street 221b” – famoso endereço de Sherlock, em Londres. A peça é uma aventura do detetive em busca do assino de prostitutas, que morrem em série, na cara da plateia. Sherlock está lá, junto com o “elementar” Watson. O roteiro do espetáculo é assinado pelo Imaginário Coletivo, que optou mais por movimentos, teatralidade, do que especificamente um texto. Sábia decisão.

O palco livre, é abastecido por cadeiras e dois trainéis de pano preto que servem para dividir espaços. Porém, os próprios atores também são paredes, cachorros, gatos, partes de um corpo humano... só vendo para saber. O jogo do teatro para contar uma história, onde os atores são - além de intérpretes - cenário e figurino, é o grande mérito da peça. A luz de Anderson Ratto é ótima, assim como o figurino de Ticiana Passos. E para emoldurar todo o espetáculo, a sábia trilha sonora de João Mello e Gabriel Reis.

A direção do André Paes Leme é genial. Trata-se de um trabalho de fim de curso do elenco e André consegue tirar proveito do que estes jovens sabem fazer de melhor. O jogo de cena (não há outra definição para a peça: um jogo), é combinado desde o princípio com a plateia, que embarca no desafio de imaginar o cenário, a situação, o assassinato, quem será a próxima vítima. André explora palco e plateia com sabedoria, coxias e escadas, ocupa cada centímetro que lhe é dado para contar a história. Recentemente assisti uma montagem do mesmo diretor – 1958 A Bossa do Mundo é Nossa – no teatro Laura Alvim, e a proposta era parecida. Na época eu já havia gostado deste jogo teatral e, agora, com Baker Street 221b, a repetição é mais um acerto.

No palco, Ícaro Silva é Sherlock. Recém saído de Jair Rodrigues, em Elis, A Musial, Ícaro mostra que seu talento é cada dia mais apurado. Luca Ayres é Whatson. Divertido e carismático. As atrizes Mariah Viamonte, Lorena Medeiros, Hannah Jacques, Luisa Pinheiro e Júlia Morales são as prostitutas, delegadas, passageiras do trem, pernas, braços e corpos do assassino. Seus corpos (no bom sentido) estão à disposição do espetáculo! A cena das cabeças retiradas do saco plástico é hilária! Aplausos para a cena da prostituta se defendendo com a mão esquerda, mas com a direita interpretando o assassino. Outra cena genial é a do trem. Tive vontade de aplaudir em cena aberta vários momentos, mas optei por segurar para o final, de tão envolvido que estava com a história. Um barato o trabalho de todos! Entregues para que o espetáculo seja o mais importante e não este ou aquele personagem.



Se isto é uma montagem de atores recém formados, imagina quando forem veteranos? Rapaz! Que espetáculo! Que delicia de romance policial, que sabor de comédia de suspense! A nossa imaginação é parte integrante do espetáculo e muito do que vemos ali, no palco, é complementado em nossas cabeças, através de imagens e deduções. Elementar, caros leitores. Vida longa ao espetáculo. Indico esta peça como uma das melhores em cartaz no momento. Imperdível.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

SAMBA FUTEBOL CLUBE


Minha relação com futebol é abaixo de zero. Não entendo, não gosto, não assisto, mas não julgo quem goste. Só não me peçam para tirar a bandeira do Flamengo da parede, porque este amor não se explica. Uma vez Flamengo, sempre Flamengo.

Ouvi dizer que o Museu do Futebol, no interior das arquibancadas do Pacaembú, em São Paulo, era imperdível. Fui conferir e, realmente, é incrível. Ali, no museu, está tudo relacionado ao futebol para quem gosta e para que não aprecia muito. As Copas, os times, flâmulas, bolas, jogadas, locutores, a torcida, personalidades, escritores, música, a televisão e fotos da época. Tudo contextualizado. Impossível não amar este museu vivo da história do futebol brasileiro. Recomendo a visita.

Neste “Pós-Copa”, enquanto a vida volta ao normal, os teatros, aos poucos, voltam a receber público, bem como as salas de cinema, os shows nas melhores casas do ramo e as livrarias. A rotina nos traz para a dura realidade das obras inacabadas. Imagina na Copa? De 2018? Voltei aos palcos cariocas para me atualizar das rodinhas de conversas dos amigos artistas. E fui surpreendido pelo musical “Samba Futebol Clube”, em cartaz para uma curta temporada no Teatro Carlos Gomes.

Com roteiro e direção de Gustavo Gasparani, expert em pesquisas sobre comportamentos, textos e música que marcaram a vida carioca do último século, reunir num espetáculo textos e músicas sobre futebol, no período Copa e Pós-Copa, é muito oportuno. Gasparani, que vem de sucessos como “Opereta Carioca”, “Oui Oui a França é Aqui” e “As Mimosas da Praça Tiradentes”, percebeu, durante a pesquisa para a primeira delas, que material não lhe faltava para tantos outros espetáculos e compilou sabiamente os três espetáculos e ainda sobrou material para este! O casamento entre as crônicas dos jornais, por colunistas apaixonados, acrescidas de marchinhas e canções com tema futebol, é perfeito e construído de maneira impecável. Não bastava apenas colocar as músicas e os textos em uma ordem aleatória, o bom (e o que foi feito) era achar uma ligação entre este material, e o resultado apresentado é positivo.

Sabiamente, Gasparani, com tudo na cabeça, reuniu uma equipe competente que embarcou na proposta de atores-cantores-músicos, onde tudo é feito em cena, às vistas do público. Troca de objetos de cenário, interpretação, instrumentação. Os atores, ora são coro, ora músicos, ora protagonistas, sem nenhum deles deixar de ter seu momento de estrelato. Um trabalho impecável de direção.

Na equipe técnica, uma time de primeiro: cenografia de Marcelo Lipiani, com apoio dos vídeos de Thiago Stauffer (onde até os jogos eletrônicos estão ali representados); o figurino de Marcelo Olinto, colorido e explorando as combinações das cores dos times, sem privilegiar nenhum deles; a luz de Paulo Cesar Medeiros, que tira partido deste teatro fantástico; e a direção de movimento de Renato Vieira que auxilia e acrescenta ao diretor, fazendo os atores apresentar um trabalho completo em cena. Aplausos também para Nando Duarte, diretor musical, que construiu a parte das músicas junto com os atores e direção. Trabalho de conjunto excelente.

O elenco, formado por Alan Rocha, Cristiano Gualda, Daniel Carneiro, Gabriel Manita, Jonas Hammar, Luiz Nicolau, Pedro Lima e Rodrigo Lima, dá um show de bola, talento, interpretação e voz no palco. Não há protagonista, todos são explorados e são coadjuvantes do Futebol. Todos são competentes e estão em harmonia. Um trabalho de entrega ao espetáculo, valorizando os textos, a pesquisa e as músicas. É excelente a dedicação de todos para que tenhamos um visual, uma sonoridade e uma fluência. A plateia, e a equipe, certamente ficam atônitos e totalmente ligados no espetáculo. Realmente, são um time. Como no futebol.


Há muito escutava as expressões “cultura do futebol” e “futebol também é cultura”, mas, até conhecer o Museu do Futebol, nunca tinha me ligado nesta junção entre arte e esporte. O Museu me mostrou a necessidade e a importância deste casamento. Porém, foi somente ao assistir ao musical Samba Futebol Clube, que pude compreender, e concordar, com a importância de se mostrar o futebol também como cultura e dar valor à cultura deste esporte. Assim como no Museu do Futebol, este musical é necessário para avaliar a importância do futebol na vida de todos nós, mesmo aqueles que não têm tanta intimidade assim com o a bola nos pés. Samba Futebol Clube é um braço, uma espécie de Museu do Futebol vivo, e ao vivo, voltado para o teatro. Imperdível.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

RITA LEE MORA AO LADO


Prefiro homenagear pessoas em vida. Fiz isso com minha melhor amiga, Nana Pirez, em uma peça de teatro. Qualquer homenagem é válida em qualquer tempo, sem dúvida. Principalmente para quem se tornou especial e marcante ao seu tempo. Neste momento, acabo de inaugurar a Exposição Caymmi 100 anos, em SP, com curadoria da Stella Caymmi, que me ensinou muita coisa boa e nova sobre biografia e biografados. E principalmente sobre Caymmi, meu compositor favorito. Ele teve, em vida, muitas homenagens: pelos seus 70, 80 e 90 anos, onde tive o prazer de participar de uma destas, num show no Canecão. Além de tudo, estas homenagens servem para as novas gerações tomarem conhecimento dos artistas em questão.

Aproveitando São Paulo, um amigo indicou “Rita Lee mora ao lado”. Eu já sabia do musical, mas havia esquecido. Ótima dica. Em um domingo frio e ensolarado paulistano, coloquei um amigo debaixo do braço – “você tem que ir comigo” – e levamos 2h para chegar ao local, em função de um evento no mesmo shopping, que reuniu “parcas” 50mil pessoas em torno de um confeiteiro. Isso mesmo, gringo que faz bolos reúne 50mil em uma tarde. São, aproximadamente, 100 salas lotadas de um teatro de 500 lugares! Infelizmente, nem todos os que lá estiveram para o evento sabem que, no mesmo shopping, está em cartaz uma linda homenagem a Rita Lee, minha musa roqueira, artista pop e moderna, que poderia ser tanto atriz, quanto apresentadora, mas que, felizmente, é da música! Minha compositora favorita!

A história da peça, que tem como base o livro de mesmo nome, de Henrique Bartsch, foi adaptada por Debora Dubois, Márcio Macena e Paulo Rogério Lopes, contando a história de uma menina, nascida na mesma época que Rita Lee, cuja mãe vive em função dos vizinhos, a Família Lee. Esta mãe passa horas vigiando a casa dos Lee, sabe tudo da vida deles e, por isso, sua filha tem ódio da Rita e de todo o seu universo. A peça começa com a menina tentando entrar no camarim do show da Rita para ter uma conversa definitiva com a cantora. Mas o segurança a impede. Para convencê-lo, a garota conta a vida inteira da Rita Lee para ele, na esperança de mostrar sua intimidade com a artista.

Ao longo das prazerosas duas horas e meia de espetáculo, descobrimos que Rita fez xixi no sapato dos coleguinhas no jardim de infância, ganhou sua primeira guitarra das mãos do pai, deu o primeiro selinho da história em Hebe Camargo, Ronnie Von batizou os Mutantes, Elis Regina ajudou a sua saída da prisão e acompanhamos seu namoro e casamento com Roberto de Carvalho. Tudo isso pode ser lido no livro, cujo título é o mesmo da peça. “Rita Lee mora ao lado – uma biografia alucinada da rainha do rock”.

Um grande elenco – formado pela ótima Carol Portes (a tal menina, vizinha da Rita), Rafael Maia, Yael Pecarovich (que interpreta uma Gal Costa exemplar!), Samuel de Assis, Fabiano Augusto (ótimo como Ney Matogrosso!), Débora Reis (a melhor imitação de Hebe de todos os tempos!), Antônio Vanfill, César Figueiredo, Fábio Ventura, Flávia Strongolli, Nanni Souza, Nellson Oliveira e Talitha Pereira – está muito bem ensaiado tanto na parte vocal, nas coreografias, quanto nas interpretações. Um conjunto verdadeiro e com garra, dando o melhor para a peça ganhar a plateia.

A cenografia de Debora Dubois e Marcio Macena é composta por elementos simples: praticáveis, janelas que sobem e descem e um pano branco ao fundo, dando leveza ao todo. O figurino, de Márcio Vinicius, tendo uma roupa básica branca, é acrescido de coloridos quanto falamos dos anos 70 e as caracterizações de personagens mais reais, como os policiais, guarda, a vizinha bisbilhoteira, as roupas dos números musicais e as da Rita Lee. A iluminação de Débora Dubois e Robson Bessa alcança bem todo o espaço, principalmente nos números musicais. Aplausos também para os músicos Herbert Cardoso Medeiros, Gregory Paoli, Junior Gaz, Marcio Guimaraes e Edson Menezes de Santana, que apresentam com competência as músicas que conhecemos.

Os diretores Debora Dubois e Márcio Macena sabem conduzir o texto, dosar com números musicais, prepararam bem o elenco e as canções com precisão. Sabem a hora da comédia e do drama, deixando o público à vontade para cantar, compartilhar a vida de Rita Lee e se emocionar. A direção musical de André Aquino é certeira, bem como a direção de movimento de Christina Belluomini.

Mel Lisboa interpreta, com carinho e competência, nossa Rita Lee. Do cabelo ao gestual, das frases musicais ao deboche infantil. Tem o carisma necessário ao personagem vivo e nos encanta com sua presença no palco. É delicioso assistir a um trabalho de pesquisa comportamental e de vozes de toda a equipe para caracterizar Rita Lee. Louvável é a dedicação de Mel Lisboa para dar vida à Rita Lee, sem ser caricata, sem apelar para a imitação a qualquer preço. Mel Lisboa se entregou para viver Rita Lee.


É impossível não cantar junto “Lança Perfume”, “Saúde”, “Doce Vampiro”, “Ovelha Negra”, entre outras tantas. Aprendi sobre Rita Lee e fiquei com muita vontade de poder abraçá-la e dizer: “Obrigado, Rita”. Digo agora. Quem sabe ela lê? Aplausos de pé para a produção, aos idealizadores, diretores, músicos, elenco e equipe técnica por esta sensacional homenagem à nossa grande Rita Lee. E – o melhor – em vida.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O GRANDE CIRCO MÍSTICO


Se tem uma arte que me faz voltar a ser criança é o Circo. Desde pequeno íamos muito assistir aos que chegavam no Rio e se instalavam na Praça Onze. Agora estão na Barra e fica difícil de ir até lá. Desde a primeira vinda do Cirque du Soléil assisti a todas as apresentações. Ali estão reunidos artistas que, usando de sua excelente forma física, equilíbrio, desprendimento quanto aos medos de altura, animais e de morte, fazem tudo para divertir a plateia. Me excita também a arte de mambembar. Cada período em uma cidade. Plateias novas, rosto novos.

Sou completamente apaixonado por palhaços. Coleciono em casa. E tenho um sonho, que nunca contei a ninguém, mas que agora será revelado: quando eu tiver 60 anos, vou procurar um circo e fugirei com ele sendo um dos palhaços. Já até vi o preço na Escola Nacional do Circo, do preço do curso de palhaço. Afinal, toda arte merece estudo!

Entre as comemorações dos 70 anos de Chico Buarque, a produtora Primeira Página traz ao Rio “O Grande Circo Místico” em formato de teatro musical, no Theatro Net Rio (Como é gostoso estar no Theatro Net Rio!). Newton Moreno e Alessandro Toller nos contam uma história de amor entre um espectador e uma integrante de trupe, a bailarina. Soma-se à trama uma invejosa noiva, a guerra que os separa e todo um circo com cavalos, leão, mulher barbada, trapezistas e malabaristas. Tudo isso regado com músicas de Edu Lobo e Chico Buarque. Quer coisa melhor?

João Fonseca, o meu diretor favorito (não escondo...), coloca toda a sua marca no espetáculo. Bom humor, inteligência, competência e criatividade. Destaque para a queda da bailarina do cavalo, as cenas da guerra, a condução da trama, a reunião de todos os integrantes da “trupe” no fim da peça cantando à capela. Tudo de bom gosto e emoção. João se cercou de uma equipe competente. A direção musical e os músicos, a coreografia, a direção de movimentos circenses, toda a extensa equipe merece aplausos.

O cenário do Nello Marrese é um achado! Lindo, criativo, funcional, prático e eficiente. Suas soluções para o circo, enfermaria, a cidade ao fundo, a corda bamba de arame farpado, as caixas-relicários-armários, tudo harmônico, bem construído e o necessário para contar a história. E a surpresa das filhas gêmeas no final da peça? Prêmio Shell já! O figurino de Carol Lobato também competente, colorido quando tem que ser e sóbrio nos momentos da guerra. Luz do Nenén (tive o prazer de trabalhar com ele recentemente) é criativa e bonita.

Os atores estão muito bem selecionados e o conjunto faz um belo trabalho. Ótimos momentos são as músicas cantadas à capela por Fernando Eiras, a mulher barbada de Ana Baird, o solo da música Beatriz de Gabriel Stauffer (que, aliás, emocionou a plateia todas as vezes que entrou no palco com sua verdade cênica), a voz e a beleza da bailarina Letícia Colin, a inveja da mulher não amada na pele de Isabel Lobo e a composição de Lily Browun feita por Paula Flaiban. Gosto também dos personagens de Marcelo Nogueira e Felipe Habib (que, se não me engano, faz o palhaço que abre o espetáculo). Ainda no elenco, Renan Mattos, Thadeu Torres, Leonardo Senna, Juliana Medella, Leo Abel, Natasha Jascalevich, Douglas Ramalho e Luciana Pandolfo.

Mas tenho que destacar o palhaço de Reiner Tenente. Não existem adjetivos que possam aplaudir seu trabalho nesta peça. Uma entrega ao personagem. Ele é “O” palhaço. Dos melhores palhaços que o circo já viu. Apaixonado pela Bailarina, entende o amor da mocinha pelo visitante e se conforma em ter a amizade (outra forma de amor) da sua amada. Destaca-se nas cenas da guerra, enfrenta os problemas da trupe, anima quando é chamado a exercitar sua arte. Canta bem pra caramba. É o grande personagem da peça, sem desmerecer os protagonistas. Reiner Tenente compôs um palhaço, Clown, digno de prêmio. Aguarde, garoto, chegará.


Ouvir “Ciranda da Bailarina”, “A História de Lily Brown” e “Beatriz” num musical de teatro era um dos meus sonhos. Ontem, assistindo à peça, me realizei por vários motivos. Circo, músicas, elenco, palhaços. Voltei a ser criança, mergulhei neste circo e aplaudi de pé e emocionado o final do espetáculo. É difícil, depois de assistir a tantas peças de teatro (em média vou a 2 por semana), não achar tudo já visto, mas em O Grande Circo Místico me desliguei de tudo que já vi e me entreguei à história. É o teatro bem feito, com paixão e vontade de acertar e agradar ao público. Bela homenagem a Chico Buarque, belo trabalho de equipe. Obrigado pela excelente apresentação de ontem. Aplausos de pé.