sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A NOVIÇA MAIS REBELDE

Recebi uma ligação no meio de uma tarde de 2004: "Pelo amor de Deus, vai no figurino do Casseta e arruma uma fantasia de freira pra mim?!". Lá fui eu. Claro que com a autorização dos devidos responsáveis, troxe pra casa, e para o amigo, a freira ensacolada. Era para uma perfórmance engraçada num curso de inglês. Ele, professor, vestiu-se dela e deu aula assim, para risada geral da turma, que nunca mais esqueceu a lição, e principalmente de todas as palavras em inglês, que o professor "proferiu" em sala de aula, vestido de freira. Esta história é real. Só não conto o santo, pra não perder o amigo.

Freiras me são (missão??) um mistério (mosteiro??). Talvez pelo segredo de suas orações, por serem "esposas de Cristo", por não terem orelhas (???), por cobrirem a cabeça tal qual a religião islãmica, por serem sempre alvo de piadas, por serem severas, por terem vontade de não serem freiras... sei lá. Woopy Goldberg fez a melhor freira-fake do cinema, em Mudança de Hábito. No teatro, Octavio Mendes criou para Terça Insana, a mal humorada e hilária Irmã Selma. Muito antes dele, versões de Noviças Rebeldes, todas dirigidas por Wolf Maya, tiveram mulheres e até a Cia Bahiana de Patifaria vestindo hábitos. Como de hábito, contribuiram para a comédia bem escrita.

E da Patifaria, que na Bahia significa "brincadeira exagerada", vem Wilson de Santos trazendo a freira mais abusada, e ousada, novamente para o palco. Com auxilio do proprio autor de Noviças Rebeldes, Dan Goggin, surgiu um "solo" desta noviça, a mais rebelde, para continuar a saga das freiras cômicas nos palcos brasileiros.

O texto é uma costura de histórias com piadas, músicas e jogos de diversão. É um standup-comedy misturado com show de humor, dirigido em formato de monólogo de esquetes. O "motivo" desta peça gira em torno de uma palestra que a Madre Superiora irá fazer para alguns fiéis (a platéia). Porém, ela se atrasa, em função da visita de Sarney ao convento. Ok, Sarney é sempre piada. Bigodes, Maranhão... mas na época em que a peça foi escrita (ficando 2 anos em cartaz em São Paulo), ele estava em alta, assim como sua neta e o namorado da mesma, mas hoje em dia, é piada passada. Tem que mudar o político! E isso é moleza para a direção! Os números musicais são simpáticos, com Wilson cantando bem, e se emocionando, com razao de ser. Mas as imitações de alguns cantores é um "já visto antes". Porém, como Wilson é brilhante no palco, têm um diferencial que é a ironia do ator sobre os imitados. A melhor parte da peça fica por conta dos jogos. Não vou falar mais que isso, pois "nós combinamos" que não revelaríamos nada sobre os jogos para aguçar a curiosidade da platéia. Bingo!

Wilson é mestre. Desde A Bofetada que sigo este ator pelos palcos. Até fui à Bahia ver, pela minha 6ª e última vez A Bofetada quando ainda estava em cartaz por lá, em 2005. Adoro Wilson. Me diverte, é engraçadissimo e faz de sua Irmã Maria José uma pândega, carinhosa, simpática, divertida, humana, engraçada e ingênua. Adoro. Eu ri muito quando ele chama a "irmã" que conduz o canhão de luz de "Irmã Miopia"... identificação imediata!

A direção do Marcelo Médici auxilia o espetáculo com seu talento mostrado em Cada um com seus pobrema, e abusa da interação com a platéia, da escolha de um espectador "pra cristo". O povo gosta, mas isso já é feito em comédia desde os tempos em que Costinha era bebê. Nada contra, mas gosto de ser surpreendido. A peça tem uma direção ágil e tudo está encaixando no momento certo. Os altos e baixos de humor são propositadamente estudados para dar uma folga nas bochechas da platéia!

O cenário é uma lona pintada para poder se encaixar no horário das 19h que o Teatro Leblon ofereceu; o figurino é uma freira, claro, com uma surpresa no final; a luz é de comédia, branca, clara e alguns focos; e a trilha sonora traduzida por Flavio Marinho e Wolf Maia completa o show de humor.

A peça diverte. E muito. Gargalhei diversas vezes, mas tudo graças a Wilson de Santos e muitas vezes por causa dos seus muxoxos do que pelo texto propriamente dito. Sou realmente fã do ator. Versátil, bem humorado, engraçado, rígido consigo mesmo, domina o palco como poucos, e agrega todos os olhares da platéia para sí, não deixando a peteca cair um só minuto.

Se você precisa rir "pelos motivos que a vida nos impõe", ou está tão feliz que ri até de fratura exposta, corra para o Teatro Leblon e comece sua noite gargalhando com esta Noviça Mais Rebelde. Depois me conta.

PEDRAS NOS BOLSOS

Trabalhei em televisão e aprendi sobre programas, cenografia, iluminação, produção, como chorar escondido no banheiro, qual é o gosto do sapo que se tem que engolir a seco... E foi, te garanto, muito proveitoso. Os bastidores de uma gravação externa beiram o colapso, o caos. E o resultado a gente vê na Tv. Mas poucos sabem que um figurante ganha R$ 30,00 por dia e um lanchinho, bem "inho" mesmo. Tem os controladores dos figurantes, os famosos fiscais. Geralmente atores figurantes mais experientes que passam "todo o seu talento em ser figurante" para os mais novatos, ou necessitados de 30 contos. Uma agência de "modelos e atores" é contratada para providenciar os figurantes e tudo sob o comando do assistente de direção, o ralador-mor de um set de gravação e filmagens.

Posto isto, está em cartaz no Teatro Poeira, um presente para o espectador carioca, como bem disse a critica do maior jornal deste país. E é mesmo. Um presentão. A história de dois figurantes de um filme rodado no interior, que sofrem com os descasos da produção, com os mandos e desmandos do assistente de direção, as viagens na maionese do verdadeiro diretor e as frescuras e chiliques da estrela do filme. Tudo se passa em 3 dias de filmagem onde, neste tempo, um dos figurantes se suicida se jogando ao rio com pedras nos bolsos, uma vez que descobre que sua vidinha nada mais é do que uma eterna figuração. A realidade foi mais forte que a ficção para ele.

Soma-se a isso, que um dos figurantes tem uma idéia para um roteiro de filme e tenta a qualquer custo apresentá-la para a produção deste filme onde está trabalhando. Claro que nao dá certo, mas no final da peça, a idéia de transformar a vida de figurantes em roteiro de cinema é apresentada como "brilhante"... Menos. Eu já vi essa história e filme antes...

O bom do texto de Marie Jones é a costura. Frases humanas e cruéis, ditas pelos principais personagens, os dois figurantes, sao abraçadas por frases divertidas e caracteristicas de um set de filmagens e nós nos sentimos lá, fazendo parte disso tudo. Um texto muitissimo ágil, bem escrito, inteligente e honesto.

Incrivelmente, só temos dois atores, Luiz Furlanetto e Paulo Trajano. Não tem o melhor. Ambos são perfeitos, usam e abusam de suas vozes e corpos para viverem uns cinco personagens cada um. E haja fôlego! Os dois são incansáveis. Se divertem no palco. E com isso, nós, na platéia, nao piscamos um segundo.

A direção de David Herman, que também assina a cenografia, está enxuta, dinâmica e inteligente, pois usa todo o cenário para dar vida aos personagens. Observamos cada mudança de situação e personagens com clareza, nada ficando sem ser explicado ou mal entendido.

A luz de Wilson Reiz é muito boa, bonita, auxiliando o cenário com gobos de cela de presidio e vitral de igreja. Um casamento perfeito entre cenário, luz e direção. Assim como o figurino simples de Desirée Bastos está bastante adequado e as trocas de roupa são necessárias e rapidas, à vista dos espectadores, que se tornam cumplices da história.

A peça realmente diverte. A primazia dos atores surpreende e não se assustem se ambos forem indicados para algum prêmio de teatro.

Mas... tem sempre um mas. A peça não pega pela emoção. A história é simples, o motivo da morte de um dos personagens é a realidade que bate à porta de sua vida rudimentar, mas a emoção disso não é explorada no texto. Pensei, sinceramente, que fosse me emocionar na peça, e não aconteceu. Talvez pela autora ser irlandesa o seu humor e o seu sofrimento sejam um pouco frios demais para a nossa latinidade.

A peça é um excelente exercicio para toda a equipe e para o público que tem que prestar atenção para não se perder. O que me emocionou de verdade foi a coesão de toda a ficha técnica, a bela produção e o excelente trabalho de atores e direção. Isto sim é um presente para nós que amamos o teatro.

Vá ver. Recomendo.