quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

AUÊ


De volta às poltronas, passadas as festas, encerrado o trabalho prazeroso de dar espaço às Cantrizes, corri para a plateia para me alimentar do que mais amo: teatro. Fazia pouco tempo ouvi dizerem baixinho por aqui, por ali, “tu tens que ver Auê”.

Ainda prestando contas das contrapartidas do patrocinador, entre talões de cheques, planilhas e editais perdidos, busquei na plateia a cura por uma gripe de fim de semana. Hoje é terça, dia de teatro, dia de Auê. Sob a emoção do que acabei de assistir, sentir e ouvir, perdoem o texto piegas, relevem o excesso de elogios. O espetáculo pede.

Até o fim de janeiro, o Espaço SESC, em Copacabana, recebe no teatro de arena o espetáculo Auê. Um sarau de sentimentos, um espetáculo do corpo, um circo de emoções, um desabafo coletivo das dores do amor, um show competente de vozes com o mesmo propósito: dar som e movimento a músicas compostas pelo grupo de artistas da Barca dos Corações Partidos, cujo nome já diz  a que vieram: fazer musica dos próprios sentimentos. Deixar que as dores naveguem por todos os mares permitidos.

O grupo, formado por Ádren Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios, Fabio Enriquez, Renato Luciano, Ricca Barros e o músico convidado Rick de La Torre na bateria, apresenta 20 musicas e um poema em Cordel. As histórias de paixão, ciúme, reclamação com o cupido, sentimentos de perda, estão contadas, cantadas e representadas por este grupo que, além de cantar, tocam os instrumentos que formam a banda. As músicas são de primeiríssima qualidade, mostrando que ainda se sabe fazer boa musica no Brasil. Os arranjos, de Alfredo Del-Penho e Beto Lemos, passeiam entre os mais diferentes ritmos brasileiros: samba, bossa nova, ritmos típicos do nordeste e pitadas de espetáculo circense. Em vários momentos lembrei da banda que toca durante os números do Cirque Du Soleil e fiquei feliz ao saber que esta barca faz melhor que eles!

O conjunto vocal é tão entregue, tem tanto sentimento envolvido neste espetáculo, que sentimos, desde o primeiro acorde, que tudo que será apresentado é feito no mais intenso e profundo amor. Da primeira música até os aplausos finais, meus olhos ficaram cheios de alegria e lágrimas.

Na ficha técnica, a direção de arte de Kika Lopes nos traz tons de vermelho, preto e branco, onde a paixão, as dores de amores (estou repetindo esta expressão propositadamente), e a busca da paz depois do sofrimento está presente. O figurino e o cenário se completam, lindo o chão de tapete de fuxico vermelho, ótimos os tecidos do figurino, leves e elásticos – assim como nossa pele, assim como nossa capacidade de suportar as dores – permitem movimentos criativos. E a luz de Renato Machado não poderia ser mais bela do que uma pintura. Que turma boa!

Duda Maia é a diretora deste espetáculo. Uma celebração. O seu trabalho de conduzir a ordem das músicas, como começam, como se desenvolvem, o alternar de cada cantor/artista se apresentando, a forma como eles se tocam, se movem, ocupam espaços, é muito bonito. Em momentos, eles mesmos se posicionam, se recompõem, se alinham, desmaiam, como se a voz interior dissesse: anda, levanta, vire, se aprume. O corpo mais que fala, o corpo canta! Destaque para a revoada de borboletas feitas com as mãos... vá ver e se emocione tanto quanto eu. Duda é gênia. Duda Maia é um palavrão-exaltação na boca de Dercy Gonçalves! Nada mais a declarar.

Há tempos não me emociono tanto com a verdade, garra, entrega e força num espetáculo. Auê me deixou de coração aberto, partido, lagrimas nos olhos, curado, sarado, alma lavada. Tomara que o CD seja lançado em breve, pois muito me interessa ter este registro em casa, para me lembrar do que vi, para chorar quando necessário, para que momentos como o compartilhado hoje pela plateia, atores, equipe técnica, direção e produção da Sarau nunca se acabe.

Mais uma vez pude fazer parte de um aplauso coletivo de mais de 10 minutos. Não sabíamos como agradecer e parabenizar a todos além das nossas palmas e gritos de felicidade. Obrigado Duda Maia e Sarau por Auê, vida longa à Barca dos Corações Partidos!! Aplausos emocionados de pé!