quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O PENA CARIOCA


Martins Pena nasceu no Rio em novembro de 1815. Portanto, este ano comemoramos seu bicentenário. É inacreditável a atualidade de seus textos. Com ironia e humor, as graças e desgraças da sociedade brasileira e das nossas instituições ainda estão aqui entre nós. Desde o simples falsificar de notas, ao “molhar a mão de um guarda”, namorar dois ou três ao mesmo tempo, enganar por causa do dinheiro... estamos na mesma. Martins Pena ainda está presente entre nós!

Em cartaz no Teatro Poeira, O Pena Carioca, primeiro clássico nacional montado pela Cia Atores de Laura, nos traz três bons exemplos do brilhantismo de Martins Pena. Como curiosidade, entre os anos de 1844 e 1846, nada mais, nada menos, que 17 espetáculos seus foram encenados. Em O Pena Carioca, “A Família e a Festa na Roça”, “O Caixeiro da Taverna” e “Judas em Sábado de Aleluia” ilustram a obra do escritor, que é Patrono da cadeira 29 da Academia Brasileira de Letras, escolhido pelo teatrólogo Artur de Azevedo. Ou seja, não é pouca coisa não!

Além do humor e do retrato da sociedade, observamos alguns elos entre as peças. Um deles é que tudo se justifica em nome do amor. E quando o assunto acontece dentro das famílias, é furdunço certo. Na primeira peça curta apresentada, um jovem retorna à cidade depois de formado em medicina e, junto com a filha do fazendeiro, tramam para ficarem juntos. Na segunda, o ambicioso Caixeiro trama casar-se com a dona do estabelecimento onde já trabalha para virar sócio e viver feliz da vida com sua outra mulher! Na terceira história, o mocinho tem-se que passar por Judas a ser espancado no Sábado de Aleluia para escapar do pai-policial da moça, mas descobre falsificação de dinheiro, corrupção e que a menina é mais rodada que disco de vinil dos anos 80!

O cenário de Fernando Mello da Costa faz uma homenagem aos muitos personagens de Martins Pena, e os bonecos-manequins estão ali servindo de côro, biombo, cabide e figurantes. O figurino de Antônio Guedes é muito bonito e bem confeccionado, totalmente adequado para as cenas e de excelente qualidade. A iluminação de Aurélio de Simone é muito bonita, destaque para a cena final. A trilha sonora de Leandro Castrilho completa todo o clima de humor.

Os Atores de Laura, aqui quase completos, são Ana Paula Secco, hilária até não poder mais; Gabriela Rosas (atriz convidada pela Cia para esta montagem), ótima em todas as mocinhas; Anderson Mello, o pai fazendeiro fácil de ser enganado; Leandro Castilhos, ótimo como o mocinho-espantalho; Luiz André Alvim, mostrando sua versatilidade entre o médico-mocinho e o pai-policial; Marcio Fonseca, muito bem como policial e do pretendente da dona do estabelecimento; e Paulo Hamilton, igualmente hilário como a vidente espanhola, o caixeiro e o velho corrupto. Todos, sem medo de errar, estão ótimos. Bem dirigidos, confiantes e certos de que estão realizando um trabalho honesto e digno.

Daniel Herz dirige este espetáculo usando toda sua criatividade na expressão corporal dos atores – que até parapeito de janela eles viram! – e, principalmente, dando atenção à palavra, aos ótimos textos Martins Pena. É bastante acertada as inclusões, entre as cenas, de pequenas frases contidas em vários textos de Martins Pena, o que mostra a atualidade de seus personagens e a última frase do espetáculo, onde o próprio Martins Pena declara seu amor ao teatro.


O Pena Carioca é mais um trabalho excelente dos Atores de Laura que merece ser visto por todos que gostam do teatro, pois Martins Pena, que é muito pouco encenado no Rio, escreveu sobre a sociedade carioca, cidade onde vivemos, e merece nossa reverência pelo seu bicentenário. Viva Martins Pena e os Atores de Laura!

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ANDANÇA - BETH CARVALHO - O MUSICAL









Conhecida madrinha de grandes nomes do samba – Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Bezerra da Silva, entre outros – a cantora e compositora Beth Carvalho é uma guerreira do samba.



Ninguém fica parado ao escutar “Vou Festejar”, “Saco de Feijão”, “Camarão que dorme, a onda leva" ou “Coisinha do Pai”. Reconhecemos Beth Carvalho imediatamente. “Folhas Secas” ,  “As Rosas não falam” e “Meu Guri” é emoção certeira. Nosso amigo Google localizou 356 músicas gravadas por ela. Se é verdade ou não, pouco importa, Beth Carvalho é uma enciclopédia do samba carioca.


Em cartaz no Teatro Maison de France,  o texto é o resultado da pesquisa e entrevista com a própria Beth Carvalho, escrito por Rômulo Rodrigues. Seguindo à risca o formato musical-homenagem, aprendemos um pouco sobre Beth pequena, adolescente, subindo o morro cantando, gravando, torcendo pelo Botafogo, levantando bandeira a favor das minorias, amando, brigando e fazendo as pazes com a Mangueira; defendendo sua posição política, amorosa com a família, generosa com amigos e funcionários. Rômulo escreve com carinho e cuida para que as palavras não sejam além do necessário. Um trabalho caprichado.

O cenário de Clívia Cohen é composto de um grande painel ao fundo, servindo de base para os músicos no segundo andar e, embaixo, portas corrediças que se abrem para números musicais. Além disso, das laterais surgem pequenos ambientes, como a casa da família e da fã Isaura. É divertido ver a passagem de tempo nos móveis de Isaura, principalmente nos telefones. O figurino, assinado por Nei Madeira e Dani Vidal, explora o colorido do samba e a malandragem carioca. A iluminação de Djalma Amaral é bonita e colorida.


O numeroso elenco (22 pessoas!) se reveza em vários personagens da vida de Beth Carvalho. Jamilly Mariano é Beth criança. A menina canta afinadinha! Stephanie Serrat, a Beth jovem, tem a voz mais parecida com a cantora. Eduarda Fadini é a Beth atual. As três interpretam e prestam, cada uma a seu modo, homenagens à cantora. Lenita Lopez é a mãe de Beth e Maurício Baduh, o pai (além de outros personagens importantes na história).


Mas é Isaura, personagem de Ana Berttines quem chama para si a responsabilidade de ser todos nós, públicos, plateias e amigos de Beth Carvalho, que torcem por sua carreira, estão ao lado nos momentos de perdas familiares e doença, mesmo não tendo intimidade com a cantora. Ana arranca gargalhadas da plateia sempre que está em cena. Uma comediante pronta! Arrisco a dizer que merecia ser indicada como melhor atriz coadjuvante de 2015 para prêmio no teatro carioca.


A direção de Ernesto Piccolo é sempre boa quando o assunto é elenco numeroso. Não é nada fácil comandar 22 pessoas, mais 9 músicos e uma equipe imensa perguntando ao mesmo tempo, e ele tendo que ter respostas na ponta da língua. Acredito que dirigir um musical seja uma das tarefas mais difíceis do teatro e Piccolo não se intimida e encara o desafio. Destaco alguns momentos marcantes, além da presença de Beth Carvalho: o numero Carcará, com Rebeca Jamir interpretando Maria Bethânia com uma força cênica imensa; a cena de Milton Nascimento, brilhantemente interpretado por André Muato cantando Travessia. Dois números musicais totalmente distintos, porém fortes, e de igual competência. Gosto também de toda a cena do hospital, quando a enfermeira, interpretada por Kesia Estácio, cuida não só da saúde, mas da mente da paciente impaciente Beth. O apoio de Márcio Vieira na assistência de direção e Sueli Gerra, na direção de movimento e coreografias, é fundamental para que estes momentos sejam os mais aplaudidos.


Comandando os músicos e arranjos, ninguém melhor que Rildo Hora. Amigo de Beth Carvalho e responsável por arranjos de shows e discos da cantora, Rildo está lá no alto, regendo a todos nós, músicos e coro da plateia. Indicação de prêmio de melhor arranjo de 2015 já! Também merece nossa reverência a preparação e arranjos vocais de Pedro Lima.

Faço parte dos que acreditam que homenagens devem ser prestadas com as pessoas vivas e, a começar por isto,” Andança – Beth Carvalho, o musical” já merece o aplauso. Os produtores Ana Berttines e Rômulo Rodrigues são guerreiros. Acompanho seus trabalhos desde “Quando as máquinas param”. Além de grandes atores, são produtores exemplares. Aplausos para a homenagem a Beth Carvalho. E, Beth, para você eu digo: por onde você for, eu quero ser seu par! Viva Beth Carvalho!


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Em Um Lugar Chamado Lugar Nenhum


Um espetáculo que fala de amor, inspirado em literatura de cordel, já me faz querer assistir. Por isto, já estou na fila dos ingressos do CCBB para ver "Lugar Nenhum", que estréia dia 18/09 no Teatro II. Com o mesmo título da peça, o vilarejo do interior do Nordeste brasileiro tem sua vida modificada pela chegada do rádio, nos idos anos 50. É através das ondas do rádio que os moradores tomam conhecimento do restante do mundo. Além disso, o aparelho se torna o maior meio de comunicação da cidade. Já podemos imaginar a transformação que a novidade causa em todos. E se tem história com transformação, pra mim já vale assistir a esta montagem! Quem vamos?


"Em Um Lugar Chamado Lugar Nenhum" - CCBB - Teatro II - de sex a seg às 19h30, de 18/09 a 26/10 - R$ 10,00 - Class: 12 anos

Direção: Rogério Fanju / Dramaturgia: Agatha Duarte / Elenco: Rafael Canedo, Agatha Duarte e Guilherme Dellorto / Cenografia: Zé Dias / Iluminação: Leysa Vidal / Figurino: Daniele Geammal / Direção Musical: Roberto Bahal / Direção de Produção: Robson Sanchez / Programador Visual: Johnny Ferro / Preparação Corporal: Sandra Prazeres  /Assessoria  de imprensa: Julyana Caldas

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

BILLIE HOLIDAY e ATAULFO ALVES

 


Faz pouco tempo os musicais biográficos tomaram os palcos brasileiros. Estamos falando de Tim Maia, Cassia Eller, Cazuza, Clara Nunes, Elis Regina, Clementina de Jesus, Wilson Simonal, Candeia, Aguinaldo Rayol, Rita Lee, Elizeth Cardoso, Gonzagão e Gonzaguinha, Frank Sinatra, Beth Carvalho... Com raras exceções, a fórmula tem sido a mesa: narrativa, sem uma dramaturgia inovadora. Poucos são os espetáculos que escolhem uma passagem na vida de um desses cantores, com uma história forte, para virar teatro, com dramaturgia e carpintaria teatral, e, aí sim, se aproveitar disto para mostrar o poder da música nestes personagens.

Longe de mim fazer alguma crítica. Louco seria se não louvasse esta forma de apresentar ao público importantes nomes da música.

Nesta temporada, dois nomes estão sendo homenageados: Billie Holiday - Amargo Fruto – no Teatro Carlos Gomes – e Ataulfo Alves – no Teatro Dulcina. As semelhanças entre eles são grandes. A começar pela forma de se contar as histórias. Em Billie, a assinatura do texto é de Jau Sant’Angelo e Ticiana Studart, dando ênfase a narrativas diretas para a plateia, tanto através da própria Billie quanto nos principais personagens da sua vida: maridos, empresários e pais. Já em Ataulfo, quem assina o texto é Enéas Carlos Pereira e Edu Salemi, e o texto tem a narrativa em pequenos diálogos e na forma professoral, contada pelo fã- garçom.

A direção de Billie, assinada por Ticiana Studart, é elegante, sem muitas firulas no palco, valorizando números musicais e as pequenas cenas, concentradas num camarim e num balcão de bar. Já em Ataulfo, também positiva, Antônio Pilar valoriza as cenas na mesa e no bar, com toques de humor e muita malandragem carioca.

 

A cenografia: em Billie Holiday, a assinatura é de Aurora dos Campos, dividindo bem os espaços de camarim, bar, palco de músicos e o microfone na boca de cena. Com cores bem marcantes, os ambientes são bonitos e tudo poderá ser adaptado para qualquer palco. Já em Ataulfo Alves, Dóris Rollemberg criou painéis atemporais, que tanto podem ser azulejos de bar, quanto cobogós, bastante típicos para a época. No figurino, em Billie, Marcelo Marques acerta nos ternos dos músicos, nas belas reconstruções das roupas de Billie Holiday que vamos em vídeos, e para os demais personagens segue à risca a moda da época em que Billie foi diva. Em Ataulfo, a assinatura é de Hellena Affonso, deixando claro que Ataulfo Alves era impecável em seu modo de vestir, e mostrando a descontração carioca de todos os tempos nos demais personagens. Em Billie, a luz de Paulo Cesar Medeiros é linda, voltada para os números musicais. E em Ataulfo, Daniela Sanches assina uma luz voltada mais para todo o palco, com pequenos momentos de foco.

Tanto em Billie Holiday quanto em Ataulfo Alves, as direções musicais assinadas respectivamente pelos craques Marcelo Alonso Neves e Alexandre Elias propõem belos arranjos e execuções de bom gosto pelos músicos em cena.

Em Billie, Vilma Melo atua como mãe e camareira. Milton Filho interpreta todos os papéis masculinos. Os dois mostram competência na defesa de seus papéis. Em Ataulfo, o numeroso elenco tem o desafio de dar vida aos principais personagens da Época de Ouro do Rádio, além do fã-garçom e da esposa Judith. São eles: Alexandre Vollú, Dani Stenzel, Édio Nunes, Luciana Balby, Marcelo Capobianço, Marcelo Gonçalves, Marco Bravo, Patrícia Costa e Shirlene Paixão.

  

Porém são os protagonistas que merecem todo o nosso aplauso. Em Billie Holiday, Lilian Valeska mostra todo o seu poder vocal, sua competência como cantora. Seus números musicais são uma beleza, aplaudidos com ênfase pelo público. Sem falar na capacidade de seguir à risca a forma de Billi cantar. Em Ataulfo Alves, Wladimir Pinheiro nos encanta com seu vozeirão, emocionando o público com a sua garra ao defender este papel. Wladimir tem a seu favor ser um músico de primeira, o que o permite brincar com sua voz e, mais que imitar Ataulfo Alves, reinventar as canções do “bom crioulo”, como o Ataulfo era conhecido.


Duas grandes vozes do teatro brasileiro estão vivendo dois grandes nomes da música, em dois espetáculos que merecem aplauso por oferecerem ao público a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre vida e a obra de cada um dos homenageados (Billie Holiday e Ataulfo Alves) e por empregarem numerosas equipes neste momento delicado da economia brasileira.