segunda-feira, 13 de março de 2023

O AMOR PASSOU POR AQUI


De tempos em tempos aparecem espetáculos que resgatam histórias de casais, porém sob novos olhares. Às vezes nos surpreendemos com uma escrita por um jovem, que embora com pouca idade, sabe colocar em palavras as diferentes variações do amor. Quando consegue se comunicar diretamente com os corações das plateias dos teatros, e aqui temos um exemplo disto, fica melhor ainda.

A peça "O Amor Passou por Aqui", em cartaz no Teatro Vanucci, é um exemplo de simbiose entre palco e poltrona. Elenco jovem somado a uma equipe de qualidade, o resultado só poderia ser um espetáculo “leve, divertido, sensível, dinâmico, cheio de reviravoltas e pegadinhas com o público.” 

Com o texto fluido e bem escrito, de Victor Frad, a peça conta uma história de amor (óbvio, né?) que começa num casual encontro em um bar de sinuca. O homem, jovem escritor, fica enfeitiçado pela beleza da moça e tenta conquistá-la com toda a sua lábia. Ela, esperta e sábia, procura “estudar o pretendente”, mas informa que irá casar na manhã seguinte, jogando-lhe um balde de água fria. Porém... ah, porém... há um caso diferente, que marcou num breve tempo, seu coração para sempre: era dia do aniversário do garoto. Lá pelas tantas, ela se despede... mas volta! E a “despedida de solteira” acaba com uma noite de amor dos dois, que jamais foi esquecida pelo aniversariante. A vida segue com encontros e desencontros. O desfecho da trama é a pergunta que nos fazemos o tempo todo: será que vão terminar juntos? Dramaturgia das boas.

No palco, o cenário de Nello Marrese nos dá planos, escadas e bancos de praça/restaurante, que permitem várias interpretações: o sobe e desce da vida, as escaladas do tempo, muito bem explorado pela direção. O figurino, assinado por Rhelden, é leve e de bom gosto. A direção de movimento, de Sueli Guerra, auxilia na condução da peça, colaborando na construção dos personagens, em pequenos gestos, em grandes ações. Tudo isso muito bem iluminado por Paulo Cesar de Medeiros. A trilha sonora de Marcelo Alonso Neves é sempre certeira.

Stella Maria Rodrigues juntou uma equipe ótima, com grande currículo, para proteger a dupla de atores jovens. Assim, não há nenhum erro na montagem. Tudo funciona como deve ser: piadas aproveitadas, pausas necessárias, frases ditas até o fim, dicção, comportamento cênico, parceria. Stella constrói uma peça que fala a língua de todos, dos 8 aos 80. Destaque para a ótima cena de passagem do tempo, incluindo ali uma sábia referência da pandemia que vivemos.

No elenco estão Felipe Roque, com experiência em televisão (alternando com Ricardo Vianna), e Letícia Augustin, que, se não me engano, em sua primeira peça profissional adulta. Ambos afinados, seguiram à risca a direção de Stella e, com isto, apresentam um resultado muito bom. Existe química no palco, que é explicada pela garra e vontade dos dois a mostrarem seus talentos e a alegria de estarem em cena no palco de um dos teatros tradicionais do Rio de Janeiro. E, acima de tudo, foi construído com os atores a confiança cênica. Embora no final da peça, os dois tenham dito que estavam nervosos, para nós, privilegiados mortais, o que passou foi um trabalho de muita segurança.

Um dos méritos do espetáculo, é falar que, sim, é possível encontrar alguém em público, ao vivo e a cores, conversar, se interessar e iniciar um romance, sem a urgência da checagem completa da vida da pessoa nas redes sociais. O encontro casual ao vivo, despertando desejo pelo olho no olho, é real e necessário. Como a peça tem jovens atores no elenco, e consequentemente vão atrair outros jovens para a plateia, é um ótimo serviço que estão prestando, ao mostrar que a internet é apenas uma ferramenta, mas que o “olho no olho” é fundamental para o amor.

A música de Chico Buarque ilustra bem o espetáculo e foi escolhida como tema da peça. Diz ela: “... se o calendário nos contrariar, se o destino insistir em nos separar, danem-se os astros (os autos), os signos (os dogmas), os búzios (as bulas), anúncios (tratados), ciganas (projetos), profetas (sinopses), espelhos (conselhos), se dane o evangelho e todos os orixás. Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz”.

Vá assistir, deixe-se levar por “O Amor Passou Por Aqui”, relembre aquela história de amor especial que tenha vivido, ou, melhor ainda, relembre como tudo começou na sua atual história de amor! Aplausos de pé. Viva o amor! Viva o teatro!