segunda-feira, 24 de novembro de 2014

AGNALDO RAYOL, A ALMA DO BRASIL


Tive o prazer de homenagear uma grande amiga quando, junto com a diretora Joana Lebreiro, adaptamos para o teatro o livro “Não se fazem mais avós como antigamente”, que virou “Avós, mulheres e couves portuguesas”. A vida da Nana Pirez estava ali no palco. Ela se recusou a ver ensaios. Nos deu carta branca. Foi na estreia que Nana se deparou com sua vida no palco. Fiquei observando sua reação ao logo da récita. Ela, impávida, sem derramar uma lágrima. Atenta. Ao final, não consegui chegar perto. Chamada ao palco, falou pouco e agradeceu. Eu só consegui um beijo rápido, pois tive que resolver assuntos de produção.

Combinamos, então, nos encontrar depois, no restaurante. Lá, ela me recebeu – agora sim – de braços abertos e lágrimas nos olhos. Só nós dois. Abraçados e chorando felizes. Um dos momentos mais felizes da minha vida. E dela, certamente.

Está em cartaz no teatro do Centro Cultural Correios o musical Agnaldo Rayol, A Alma do Brasil, em homenagem ao cantor. Figuras importantes da história da MPB virando espetáculos musicais está na moda. Sou totalmente favorável a este novo formato brasileiro de fazer musicais. Aos jovens é permitido conhecer quem foi, e ainda é, referência. Aos demais, os bons tempos voltam. O mais importante deste musical é que Agnaldo Rayol está vivo, cantando e ainda emocionando as plateias por onde passa.

O texto da consagrada Fátima Valença, expert em escrever sobre a Éra do Rádio para musicais, é um apanhado dos melhores e mais importantes momentos da carreira do cantor. Pouco ficamos sabendo sobre sua vida pessoal. Os paparazzi de plantão e as revistas de fofoca arrancariam os cabelos por causa disso, mas ao público interessa saber, relembrar e fixar o valor do cantor na história do Brasil. Não me interessam as fugas amorosas muito menos suas dividas, se é que as teve, desde que sua voz continue adoçando a vida dos brasileiros.

O cenário e figurino do sempre competente Flavio Graff estão à altura do homenageado. Cortinas de renda que permitem projeções, roupa de época, com glamour, bem confeccionadas. A luz de Felipe Lourenço é bonita e auxilia bastante na condução da história, uma vez que o teatro tem um palco pequeno. Mérito grande a Direção Musical de Marcelo Alonso Neves, craque nos arranjos e interferências sonoras, muito bem reproduzidas pelos músicos.

A direção de Roberto Bomtempo é muito boa. Atento para os momentos exatos de emoção nos números musicais, intercalados com a história da Agnaldo, e rígido nas composições dos personagens evitando exageros. A cena de Hebe Camargo com Agnaldo Rayol é emoção pura.

Stella Maria Rodrigues está brilhante em cena. Sua interpretação de Hebe Camargo é um achado! Não é uma imitação nem muito menos uma incorporação, é uma interpretação-homenagem, que faz toda a diferença, positivamente falando. Sem contar seus números musicais. Sua afinação e nuances vocais. Um show.

Mona Vilardo e Fabricio Negri, cada um ao seu momento, otimos em cena, com competência e respeito aos personagens. Também competents quando cantam, muito bem preparados e de altíssimo nível.

E, não menos importante, Marcelo Nigueira é o próprio Agnaldo Rayol em cena. Canta tão bem quanto o original. Aplausos de pé em vários momentos, pela sua competência vocal e atuação. No dia da estreia, segurar a emoção como ele fez ao entregar uma rosa para o próprio Agnaldo Rayol, durante a peça, e não perder o rumo do personagem, é para poucos.

Entendo o empenho do Marcelo, também produtor,  em promover a homenagem, a esperar o tempo certo para realizar um projeto de qualidade e, por que não, um sonho. São poucos os artistas, da época de Agnaldo Rayol, já homenageados em cena. Cauby e Orlando Silva viraram teatro. Rayol era merecedor e Marcelo faz com elegância esta justa homenagem.

Temos que mostrar a importância dos ícones da Musica Brasileira da Era do Rádio. O  Brasil é um pais sem memória e estas não podem morrer.


Na estreia, Agnaldo Rayol estava presente. Plateia, homenageado, equipe e atores emocionados. Lágrimas e aplausos para “Agnaldo Rayol – A Alma do Brasil”, ótimo e competente musical que o Centro Cultural Correios nos presenteia.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

NÔMADES


Faz quase 3 anos que perdi uma das mais importantes amigas que tive até hoje. Ela, com 77, nos deixou como disse que seria: sem dar trabalho. É ruim viver sem sua voz rouca ao telefone, sem seus comentários certeiros, sem suas baforadas de cigarro, sem suas observações do dia a dia. Com ela aprendi a “olhar o passado com os olhos do passado, não com os olhos de hoje”.

Nãna sempre foi atual. Moderna, à frente de todos os tempos. Quando partiu, sem autorização nossa, sem dizer adeus, me senti o mais órfão dos amigos. Não briguei com ela por sua ida, por me deixar aqui sem respostas e sem seu bacalhau na mesa de plástico da quitinete de Copacabana. Sabíamos que era este seu desejo: descansar em paz. Assim, nos confortamos. Até hoje ouço sua voz com o leve sotaque português ao pé do telefone: “Adivinha quem é?”. Sua rouquidão era inconfundível.
Acredito que a energia gerada por quem partiu continue presente, de outra forma. Hoje, sinto a presença da minha Nãna em pequenas frases que digo, situações que vivo e objetos pessoais dela que guardei. Minha única tristeza é a falta de notícias. O não poder vê-la (por enquanto) me deixa triste. Um dia resolveremos isto!

Está em cartaz no Teatro Poeira e peça Nômades. O texto escrito por Márcio Abreu e Patrick Pessoa, com colaboração das três atrizes e de Newton Moreno, explora as fases em que passamos desde o momento do trauma da notícia da morte, a raiva pela perda do amigo, a tristeza por sua ausência “para todo o sempre”, a dor da imensa saudade, até a consciência de que a vida continua. As personagens são atrizes que contam para a plateia alguns encontros, convivências, dia a dia, com a amiga que morreu de repente. A peça começa com uma belíssima despedida das três, no enterro da quarta amiga. A seguir uma sucessão de sentimentos, situações e catarse faz com que o público se una às três amigas, dilaceradas pela dor da perda, e façam uma viagem ao fundo do poço com elas, para que, todos, público e atrizes, saiam do buraco e celebrem a vida e a amizade.

Senti falta das amigas contarem como conhecer a falecida as transformou. Como eram antes e como ficaram depois da chegada da amiga por suas vidas? Nãna mudou minha forma de falar, de observar o mundo. Nãna me orientou, trocamos confidências que me foram (e ainda são) úteis ao meu dia a dia social. Somos a reunião de características de nossos amigos, parentes e personalidade própria. Ao conhecer alguém novo, que fica na nossa trajetória, algo desta pessoa é incorporado em nossa personalidade. O que ficou em cada uma das personagens?

O cenário e os objetos de Fernando Marés são de bom gosto e bem bolados. Destaque para a parede vermelha de portas que servem para as trocas de roupas das atrizes e mostrar que ao se fechar uma porta (morte), outra se abre para a vida. O figurino de Cao Albuquerque e Natália Duran é muito elegante e de acordo com a proposta da peça. A iluminação envolve todo o espetáculo com momentos de intimidade e exaltação necessárias ao texto. A direção musical de Felipe Storino faz a catarse necessária para que as dores possam ser expurgadas.

Marcio Abreu dirige a peça sabendo dosar os momentos de tristeza, tensão e gargalhadas com a exatidão para cada momento. Destaque para as interpretações individuais das amigas cantando e para as conversas em torno do sofá e mesa de centro. O discurso de agradecimento no velório é uma das cenas mais bonitas que vi recentemente em teatro.

Amigas. Esta é a melhor definição para Andreia Beltrão, Malu Gali e Mariana Lima no palco. Cumplices, generosas, colegas, profissionais e, acima de tudo, amigas. Cada uma sabendo seu momento de brilhar e auxiliando a amiga a ter seu estrelado aplaudido. Uma reverência à amizade. As três mostram ao público porque fazem parte do seleto grupo das melhores atrizes brasileiras. É um prazer vê-las no palco tão à vontade e, ao mesmo tempo, tão concentradas em seus trabalhos.

Com produção de José Luiz Coutinho e Wagner Pacheco, Nômades é uma celebração da vida. Choramos, rimos, nos solidarizamos com a perda das amigas em cena. A mensagem do espetáculo foi a escolha, das três, pela vida, pelo “seguir adiante em memória aos bons momentos em que todas viveram juntas”.

E é com esta celebração da vida (que não me canso de exaltar nesta peça) que recomento a todos que assistam este espetáculo para que possam lembrar dos amigos que se foram, fazer um pensamento positivo para, onde quer que estejam, olhem por nós. E que possamos seguir adiante em nossa história, até quando pudermos encontrar nossos amigos novamente. Viva a vida! viva Nômades!

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

NÃO VAMOS PAGAR!


Passadas as eleições, ficou aquele gosto amargo do “não adiantou nada”, sobre manifestações de junho e julho de 2013. Até eu fui pra rua, reclamar das mutretas, maracutaias, conchavos, escândalos, propinas, negociatas. Mas a maioria da população votou em candidatos que são topos das listas dos mais procurados pelo desvio do dinheiro público. De que adiantou a manifestação? Era pela festa, ou era, mesmo, apenas pelos R$ 0,20? Eu fui à rua por causa da roubalheira e pelos vinte centavos também. “Chega!” – gritamos na época.


Está em cartaz no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil a comédia “Não Vamos Pagar”. O texto do comediante italiano Dário Fo, escrito na década de 70, na Itália, conta a história de mulheres que roubam um supermercado por estarem cansadas dos aumentos de preços. Ao chegar em casa é que a cobra torce o rabo. A protagonista nos conta que seu marido, moralista, jamais a perdoaria pelo roubo e, com a ajuda da vizinha, esconde o produto do furto embaixo da cama. Além disso, divide parte com a amiga, que esconde, dentro da roupa, latas de comida para poder sair à rua. Eis que é flagrada pelo vizinho moralista e se finge de grávida. Bem, daí em diante é um somatório de confusões engraçadíssimas.

A tradução de José Almino dá o tom brasileiro nesta história atemporal e que, sem dúvida, pode acontecer em qualquer local do mundo. Recentemente, além das nossas manifestações, vimos os países europeus reclamando a falta de dinheiro e de emprego. José Almino dá a necessária “abrasileirada” na conversa, e na fluência do texto em português, com sabedoria.




A cenografia de Omar Salomão é campeã! Como o protagonista é operário, tapumes de obras, que vemos pela cidade do Rio em época pré-Olimpíada, são elementos estruturais da casa onde se passa a ação. E ainda servem como anteparos para coxias. O figurino de Juli Videla é confortável para todos, mas os personagens estão muito bem vestidos para aquela turma que precisa roubar para comer... Frescura minha, releve. A iluminação, do craque Renato Machado, é sempre ótima. Bem legais também são as interferências sonoras criadas por Ricco Viana.


No elenco, Virgínia Cavendish está ótima como a mulher que rouba no mercado. Luana Martau é hilária e aproveita tudo (e mais um pouco) do que o texto lhe permite brincar e ainda abusa do seu talento para comédia. No lado masculino, Marcelo Valle e Fabbrício Belzoff incorporam os maridos enganados, moralistas, operários e que encarnam bem aqueles cujas últimas palavras são sempre das mulheres! E, não menos importante, Zéu Britto é um ator e comediante daqueles que fazem a platéia dar risadas no instante em que entra em cena. Hilário, Zéu encarna dois policiais e um senhor de idade levando o humor ao extremo. Com perfeição nas piadas, nada passa batido. Ele usa tudo e diverte não só o elenco mas como o público também. Fazia tempo que não chorava de rir no teatro e Zéu foi o responsável por este momento.


Inez Viana é a diretora. Não canso de elogiar seu trabalho como comandante das melhores peças de teatro que tenho visto ultimamente. É um crescimento a cada trabalho que vejo. Gosto muito de tudo que ela faz e até já consigo observar marcas registradas suas, como o entrar e sair de tapumes, em cena, com atores escondidos atrás. Já vi algumas vezes esta marca e o resultado ainda é positivo. Inez já merece ser reverenciada pela crítica especializada está a um passo de receber seu prêmio como melhor diretora.

Virgínia Cavendish e Tatianna Trinxet acertaram em cheio ao comprar os direitos desta peça antes das manifestações de junho/julho de 2013. Mesmo agora, passadas as eleições, e depois do gigante ter acordado e adormecido novamente, é muito bom poder falar neste assunto “protesto” e “basta” com o bom humor necessário para pensarmos em como está a economia do país em que vivemos e, além disso, cobrar dos novos governantes uma melhora geral em todas as áreas.



Não perca este espetáculo. Divertido, honesto, de bom gosto, sincero, oportuno e que nos dá força para continuar lutando pelo teatro, pelas artes, pela nossa economia e pelo nosso futuro. Aplausos e gargalhadas!