terça-feira, 13 de janeiro de 2015

PERDAS E GANHOS



A notícia veio um ano antes: retorno do câncer. Não sabíamos o tamanho do problema nem o tempo que ia durar. Acompanhamos a ida aos médicos, a busca pelo melhor, a esperança da cura, a certeza de que ela não viria, o prolongamento da convivência e, por fim, torcemos para que não houvesse sofrimento. O sofrimento foi nosso. Aos poucos, nosso pai, marido, foi nos deixando de várias maneiras: perdeu a força física, depois ignorou o dia a dia, por fim nos comunicávamos pelo olhar apenas. Sabemos como foi sofrido e dolorido.

Ao saber pela imprensa a história similar da família de atores que tanto admiro, acompanhamos a força do amor e do carinho. Mesmo sabendo que a esperança da vida era remota, a certeza da eternidade os permitiu continuar a viver. Sabemos como foi sofrido e dolorido perder Paulo Goulart. Mesmo não fazendo parte daquela família, a semelhança com o que sofremos nos deu solidariedade, lágrimas e abraços imaginários.

Está em cartaz no Teatro do Leblon, “Perdas e Ganhos”, compilação de Beth Goulart para textos dos livros “Perdas e Ganhos” e “O Silêncio dos Amantes”, ambos de Lya Luft. O primeiro livro colabora com as palavras e reflexões. O segundo colabora com 3 histórias que cabem muito bem para ilustrar as reflexões do primeiro livro, sobre vida, morte, esperança, futuro e envelhecimento. A seleção de passagens dos dois livros não poderia ter sido mais acertada. As três histórias são: a mãe que espera o retorno de um filho desaparecido, a mulher madura que descobre a sexualidade e a esposa que dá a volta por cima após a traição. Perdas e Ganhos.

O cenário muito bem realizado de Ronald Teixeira é o necessário para compor as três histórias e dar espaço para a direção brincar com as palavras do texto. Além disso, as excelentes projeções dos craques Renato e Rico Vilarouca “decoram” o cenário, ampliando a força de cada história. Destaque para o início e o fim da peça, quando a projeção nos dá a impressão de movimento da atriz, caminhando em busca de algo. E o lindo fundo azul com nuvens. Fantástico também o pequeno filme sobre a mulher madura que descobre sua sexualidade, com interpretação silenciosa genial de Nicette. O figurino é confortável e a luz de Maneco Quinderé não podia ser mais bonita.

Beth Goulart dirige o espetáculo segundo a linha do seu sucesso “Simplesmente eu, Clarice Lispector”. Diga-se aqui, que é uma comparação positiva. A direção é muito delicada nos momentos dos monólogos do livro Perdas e Ganhos e firme nos momentos das histórias. Ótimo trabalho de entrega da filha para o brilho da mãe. Da experiente atriz mais nova, para a experiente atriz madura. É um dos trabalhos de direção mais delicados e amorosos que já vi.

E Nicette... qualquer palavra cairá no lugar comum. Lembro quando a levamos para participar do Lê pra Mim? no Forte de Copacabana, o abraço que recebi, o beijo e o carinho. É isto que Nicette nos apresenta no palco. Ela nos abraça com sua sabedoria, nos beija com palavras e a alegria de estar ali. Ao nos fazer refletir com o texto, nos presenteia com o carinho de mãe, avó, esposa, mulher. Obrigado Nicette.


Desde o off de abertura, com Paulo Goulart pedindo para desligarmos o celular, até o último aplauso, foi difícil segurar as lagrimas. Pela semelhança do que passamos em família, pela força de ver que ainda existe vida a ser vivida após a perda. O discurso final do espetáculo é exatamente o que sigo diante da perda de um amigo ou parente: temos que viver como ele/ela gostaria que vivêssemos se ainda estivesse entre nós. Temos que lembrar dos momentos bons e saber que em breve vamos nos encontrar novamente. Estamos vivos e, portanto, que façamos da lembrança a energia positiva para continuarmos o caminhar (como diz o programa) "com ternura, amizade, compaixão, ética e delicadeza.” Espetáculo obrigatório.