sexta-feira, 30 de junho de 2023

A CERIMÔNIA DO ADEUS


Uma pesquisa publicada em 2020, pelo Instituto Pro Livro, Retratos de Leitura no Brasil, indica que o país perdeu, nos últimos 4 anos, mais de 4,6 milhões de leitores. A porcentagem caiu de 56% para 52%. Brasileiros com mais de 5 anos que não leram nenhum livro representam 48% da população. A pesquisa informa ainda que 34% dos entrevistados disseram que alguém os estimulou a gostar de ler. E é nesta parta que eu me interesso da pesquisa. Há 13 anos produzo, junto com minha sócia Sônia de Paula, o projeto Lê Pra Mim?, que incentiva e leva literatura infantil a alunos de escolas públicas municipais. A criança aprende pelo exemplo.

Acredito muito no casamento entre a literatura e as artes cênicas. Trabalhei no projeto chamado “Ópera na Literatura”, onde palestras mostravam que muitas óperas foram baseadas em livros. No teatro, gosto muito de peças que têm livros adaptados. “O que diz Molero”, que o mestre Aderbal Freire-Filho levou aos palcos, transformou-se em um método e em gênero de teatro, o “romance-em-cena”.

Mauro Rasi é daqueles autores nacionais que merecem e precisam estar em cartaz pelo menos uma vez ao ano, pelos palcos brasileiros. Depois de Nelson Rodrigues, deduzo que tenha sido Mauro Rasi o que mais traduziu e “fotografou” em diálogos o comportamento da tradicional família brasileira, mostrando a hipocrisia e preconceitos velados. “As Tias de Mauro Rasi”, “Pérola” e “A Estrela do Lar” são referências. Como ele mesmo diz “Eu não faço comédia, eu faço vida”.

Está em cartaz no Teatro do Copacabana Palace o mais que prefeito espetáculo “A Cerimônia do Adeus”, de Mauro Rasi. Como diz o programa, é um espetáculo que promove uma grande homenagem à literatura. Mauro traz conflitos familiares, muito próximos dos seus próprios, que culminam em sua saída de casa, com conversas imaginadas entre leitor, personagens e escritores. A mãe, a tia, os primos, um pai ausente, um filho mergulhado em seu mundo-quarto, cuja literatura é sua companheira e, consequentemente os autores Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, pensadores que, em sua literatura, abrem qualquer porta para novos universos. Com a palavra, os autores: “Querer ser livre, é também querer ver livres os outros” (Beauvoir) e “Tudo que sei sobre minha vida, ao que parece, aprendi em livros.” (Sartre).

No palco do belíssimo teatro do Copa, o cenário é assinado pelo diretor Ulysses Cruz. Quatro portas que indicam ambientes – entrada, cozinha, quartos – junto com bancos e muitos livros, tudo que é extremamente necessário para contar a história. Ao fundo uma tela que recebe projeções com uma imensa porta que leva ao imaginário do personagem principal. Ótima cenografia, moderna, que bebe na fonte dos melhores espetáculos internacionais. O figurino, de época, também são criação do diretor. Lara Lazzaretti, Alexandre Miyahara, Laura Fragoso e Laercio Lopo assinam o excelente audiovisual projetado, que ilustram e completam as cenas. Aplausos de pé para a iluminação do espetáculo, misturando corredores de luz, boate, focos, tudo sem prejudicar a projeção. André Abujamra nos presenteia com uma trilha sonora totalmente atual e carinhosamente adequada ao propósito do espetáculo. É preciso destacar o excelente trabalho de Leonardo Bertholini na direção de movimento.

Ulysses Cruz dirige este espetáculo trazendo uma roupagem moderna, criativa, sem perder a qualidade do texto e dando importância às ótimas atuações, aos atores, ao texto. Muito boa a sua opção pelo palco vazio que vai se preenchendo com livros, bancos, sons, luz. A composição dos personagens, na medida certa, sem nenhum exagero. Um espetáculo que podemos chamar de Teatrão, e dos melhores.

No elenco estão: Beth Goulart (Simone de Beauvior), ótima, forte, que preenche o palco com sua linda presença; Malu Galli (a mãe) sensacional, dominando cada momento em cena; Lucas Lentini (o filho) frágil e firme ao mesmo tempo, seguro e perdido ao mesmo tempo, delicado, na defensiva, e ao mesmo tempo inteligente e doido por um mundo melhor. O trabalho de Lucas é extremamente seguro e bem feito. Ótimo. Rafael de Bona (primo mais velho), tem uma atuação também forte e segura, perfeito como o homofóbico que esconde uma repressão quanto à sua condição real. Temos também Eucir de Souza (o simpático Sartre), Fernando Moscardi (o medroso amigo da escola) e, não menos importante, Fernanda Viacava (a tia divertida e espírita). Ótimos, ótimos, ótimos todos em seus papéis.

“A Cerimônia do Adeus” em cartaz é um espetáculo necessário e atual para os dias de hoje, ali estão discussões importantes sobre conservadorismo, preconceitos, relações familiares e, acima de tudo, a importância de se incentivar a leitura para que todos possam se livrar de fake-news, buscando em livros, matérias de jornais confiáveis, informações importantes para que façam suas análises e encontrem a verdade. 


O espetáculo certo no lugar certo. “A Cerimônia do Adeus” precisa ser visto por muitas pessoas. Então, corra já para o teatro e assista a esta pérola de Mauro Rasi, com a direção fenomenal de Ulysses Cruz, as interpretações brilhantes dos atores. Não perca este conjunto, que tem a produção de LC Produções e Ulysses Cruz Arte e Entretenimento à frente. Um dos melhores espetáculos deste ano, sem medo de errar. Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas. Viva o teatro!!

domingo, 25 de junho de 2023

ENSAIO SOBRE A PERDA


Sou do time que propõe, ao final de uma relação amorosa, profissional e até mesmo de amizade, que seja dado um tempo proporcional à duração da história. É necessário o afastamento físico. Não ter notícias, não ouvir a voz, não saber nada daquele que está indo embora. É a descompressão, a necessidade de viver o luto, a recomposição de forças. Olhar para si, comer melhor, dormir, exercitar, ocupar o dia. E depois, muito depois, quando as forças estiverem novamente equilibradas – a mental e a física – aí sim, se for o caso, ter um novo contato, pois será uma nova relação. Pode ser amizade ou pode não ser mais nada. O tempo dirá.

É muito comum assistir espetáculos sobre relações hetero normativas. Casais em crise tem aos montes na tv, no cinema, no palco, nos seriados. Mas histórias sobre amor, amor mesmo, envolvendo homo afetividade é muito raro. E quando surge algo bom, temos que valorizar.

Eis a grata e belíssima surpresa do fim de semana: após apresentação online e finalizando temporada no Teatro Gláucio Gil, a peça “Ensaio sobre a Perda”, escrita por Herton Gustavo Gratto é a joia da temporada. Um diamante muito bem lapidado. Herton nos apresenta um texto de primeiríssima linha, com tudo que os cursos de dramaturgia propõem: apresentação dos personagens, colocação do conflito, desenrolar da trama, clímax e desfecho. Os diálogos são muito reais. Quem nunca disse uma daquelas frases da peça para alguém que atire a primeira pedra. É vida real. 

A história: dois atores decidem retomar o projeto de uma peça. Porém, durante os ensaios, “percebem que as feridas que foram abertas ainda não estão cicatrizadas.” Herton tem mãos de fadas no texto. Seus diálogos são ótimos. Teatro é texto e ator. Aqui temos um dos melhores textos sobre relações entre duas pessoas que eu já tenha visto no palco. Foi difícil conter a emoção em vários momentos e agradeço por isto. Tocou fundo.

No palco, cenário e figurino do sempre impecável Nello Marrese, nos dá dois homens jovens, atores, em um espaço de ensaio. Mesa grande, cadeiras. No chão a marca do espaço cênico. JP Meireles assina a luz com momentos bastante bonitos. Temos ainda Caroline Monlleo na direção de movimento contribuindo com as cenas.

João Fonseca é o diretor deste trabalho sensível, humano, honesto e verdadeiro. João usa a plateia como cúmplice e confidente. O jogo entre os atores é extremamente verdadeiro e todas as cenas estão muito bem executadas, a tal ponto que chegamos a duvidar se os atores realmente foram um casal no passado, ou se tudo é apenas ensaio, encenação. Cenas de briga e de conciliação, cenas de gritos e desculpas. A verdade cênica é muito forte.

Herton Gustavo e Hamilton Dias interpretam, respectivamente Gustavo e Hamilton. Colocar os nomes dos atores como personagens dá muito mais verdade à cena. Ambos impecáveis. Sérios, verdadeiros, seguros, confiantes, entregues ao texto. Ao se emocionarem em cena, faz com que a plateia embarque no choro coletivo e torça para o final feliz daquele momento da vida dos dois. Afinal, quem não gosta de finais felizes? Hamilton e Herton merecem pelo menos uma indicação a um dos tantos prêmios de teatro de nossa cidade.

Me faltam palavras para expressar o quanto foi benéfico e importante assistir a um espetáculo sobre a temática LGBTQIAPN+ tratado com seriedade, com sentimentos reais. Como pequenas ações estragam a relação e como é possível resgatar o bom da história. As discussões apresentadas servirão, certamente, para muitos espectadores levarem aos encontros com seus analistas. 

Uma frase que diz tudo sobre o espetáculo: “Alguns finais são felizes. Outros são necessários”.

Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas para “Ensaio sobre a Perda”. Um trabalho excelente de todos os envolvidos. Viva o teatro!


sábado, 24 de junho de 2023

KAFKA E A BONECA VIAJANTE


Lidar com perdas: às vezes guardamos num cantinho, achando que nunca mais vamos precisar desembrulhar aquele pacote. Aí, um dia... todos os embrulhos resolvem aparecer e o vale de lágrimas parece que não vai secar. Durante os últimos 4 anos temos vivido perdas pessoais e coletivas. Artistas, familiares, conhecidos, vizinhos, o noticiário e o zap-fofoca estão prontos para trazer a notícia. Seguimos entre choros e lembranças, buscando uma muleta, tábua de salvação, ferramenta para seguir vivendo. Rita Lee, Glória Maria, Gal, Paulo Gustavo foram as mais marcantes dos últimos anos. Como seguir sem eles? Contando e recontando suas histórias, revendo suas fotos, ouvindo canções, lendo seus livros.

Fui apresentado a Franz Kafka pela eterna Nana Pirez, minha amiga que já não está entre nós. Me deu A Metamorfose e ordenou: leia. Urgente. Li. Conversávamos horas sobre isto. Ela me alimentava com cultura e conhecimento. Sua vida eu levei aos palcos. Éramos simbióticos. 

Está em cartaz no Teatro 2 do CCBB o espetáculo musical “Kafka e a boneca viajante”. A história, resumidamente, nos conta sobre cartas que Franz escreveu a uma menina que chorava no parque por ter perdido sua boneca. Ele se diz “carteiro de bonecas” e passa a alimentar diariamente o imaginário da menina dizendo que a boneca está viajando pelo mundo através de cartas. Nossa Senhora da Criatividade baixou nele! Mas... quem alimentava quem? A simbiose entre os dois, ela que recebia e esperava pela próxima, ele que as “psicografava” e contava uma história, era o que mantinha Kafka vivo neste período, e também mantinha a menina viva depois de muitas perdas e abandonos (da boneca, do pai...). Na peça Rafael Primot adaptou o livro pros palcos e temos personagens sólidos que se misturam com os atores em sua realidade e que se alimentam das gargalhadas, aplausos e murmúrios da plateia. Esta, sentada em estado de absorção, se alimenta do que o palco oferece. Simbiose palco-povo.

A cenografia, de Nello Marrese, nos apresenta um imenso pêndulo-móbile que, ora pra frente, ora para trás, gira contando as horas, marcando a passagem dos anos. Ainda temos pufes com selos, muitas gavetas cheias de histórias e papéis. Lindo trabalho. O figurino, de João Pimenta é colorido para a boneca e sóbrio para os demais. Os sonhos sempre coloridos!! A luz de Paulo Cesar Medeiros abraça o espetáculo.

João Fonseca, mestre na direção de espetáculos sensíveis, nos apresenta um trabalho de excelente qualidade. Humor, quebras de ritmo pensadas, números musicais com conteúdo, ocupação do palco e ritmo empregado nas cenas, mostra que a pandemia serviu para que voltasse com mais gás ao seu trabalho de direção. Gosto muito de ver sua mão conduzindo cada elemento para que o todo seja, no mínimo, mágico. João desmonta a quarta parede, humaniza os atores. A colaboração de dois gigantes parceiros: Márcia Rubim na direção de movimento e Johayne Ildefonso na assistência de direção são fundamentais para que a história seja contada. O trabalho da boneca é impecável, assim como o voo da gaivota, a dureza do soldadinho de chumbo, a fragilidade pela doença de Franz, a meninice doce de dona da boneca.

Tony Lucchesi assina a direção musical com ótimos arranjos. A opção de escolher músicas conhecidas do mundo da música Pop é atual: o filme Moulin Rouge, os seriados Briedgerton e Charlotte (Netflix), nadam de braçadas no pop mudando ritmos. Em “Kafka e a boneca viajante” o sentido é o mesmo: de Rita Lee a Macarena, passando por Lenine e Raul Seixas, é muito benéfico para todos e traz parte da história contada por versos previamente existentes no imaginário coletivo! Adorei! 

E este elenco maravilhoso? 

Carol Garcia é a menina que recebe as cartas e, depois, se torna a mulher modificada. Ótimo seu trabalho como criança. 

André Dias é Sr K. (Kafka) que nos mostra a fragilidade do homem no fim da vida, mas que ganha forças quando conhece a menina e se joga nas cartas para se manter vivo. André canta muito bem e sua presença cênica é marcante.

Dora de Lilian Valeska é, ao mesmo tempo, esposa de Sr. K e a gaivota. Uma beleza cênica ver Lilian flanando, voando e cantando com sua personagem. Que voz, senhores! Que voz! 

E ela, a magnética e impecável Alessandra Maestrini, que volta aos musicais de forma exuberante. A primeira vez que a vi foi em Mamãe Não Pode Saber e dali em diante fiquei encantado com seu trabalho. Sou mais que seguidor, um fã e admirador. Tive o prazer de levá-la ao palco do projeto As Cantrizes por duas vezes e seu talento me deixou marcas profundas! Agora, como a boneca, Alessandra está perfeita: corpo, voz, expressão facial. Quisera todas as bonecas do mundo cantassem e tivessem a beleza e maturidade cênica desta Brigida criada por ela.

Só quem tem sensibilidade artística pode ter um insight de transformar um livro em uma peça musical. Aqui, Felipe Lima teve esta idealização e junto com uma equipe de primeira, da Tema Eventos Culturais e Sevenx Produções, nos presenteia com um espetáculo sensível, de alto nível e cheio de mensagens para qualquer público.

A minha criança interior ficou extremamente feliz com tudo que viu. Mergulhei neste universo de cartas, literatura, de simbiose, parcerias, de ensinamentos, que mostra que nada substitui o contato humano. 

Como diz parte do texto da peça “Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”. Até hoje escuto os saraus de música na varanda da casa de praia onde passava férias, as conversas sem fim com Nana Pirez sobre a vida e o mundo, os ensinamentos dos mestres da faculdade e do primário. Era simbiose. Era amor.

Vida longa a “Kafka e a boneca viajante”. Que cada um faça a sua viagem interior, conheça novas culturas, leia muitos livros e corra para o teatro 2 do CCBB para aplaudir este trabalho excelente de todos. Viva o Teatro!


terça-feira, 13 de junho de 2023

BOB ESPONJA O MUSICAL


Duvido que em alguma morada da minha rua, ou melhor, de Botafogo, quiçá na zona sul do RJ, alguém tenha uma coleção de objetos do Bob Esponja maior que a minha. Amo Bob Esponja. Sou Bob. Mas por que este amor todo? Nasci com diastema, igual a ele, tenho um imenso amor pelo meu trabalho, igual a ele; sou uma eterna criança apesar dos cabelos brancos e da meia idade, mas, acima de tudo, admiro o desenho animado pelas mensagens, pelos exageros expressivos de Bob Esponja, por ele tripudiar da amizade com Patrick sempre de forma hilária, pelo deboche diante de Lula Molusco, na amizade e cuidado com Sandy, pelo respeito ao chefe Sirigueijo e pela luta eterna contra os planos de Plancton. Já assisti a todos os desenhos animados de todas as temporadas. Meu episodio favorito é aquele da praia, em que Bob fica na cadeira do salva-vidas controlado, fofocando, ordenando, narrando tudo que acontece na praia com seu imenso megafone.


Pois não é que Renata Borges, na direção geral, sem saber, com sua Touché Entretenimento realizou um dos meus recentes sonhos: assistir ao musical da Broadway em um palco brasileiro. Serei eternamente grato!! Não tive um amigo que deixasse de me mandar um link, uma foto, uma matéria de jornal, um story, um áudio, um video desde a seleção do elenco até a estréia… "Já viu? Você vai quanto? Quero ir com você!" sentenciou minha irmã! Não pude ir na estréia pq estava viajando, mas TODOS os meus amigos que foram me mandaram mensagem: era para você estar aqui conosco!


E, de volta ao Rio, lá fomos nós assistir ao musical Bob Esponja O Musical, no belíssimo teatro da Cidade das Artes.


Calma, estou relatando tudo sim, pois foi uma experiência rica, além de linda e emocionante. No saguão temos meu amigo Bob já me esperando para uma selfie. Ao lado um pula-pula para crianças, um abacaxi poltrona, enfim, fotos é o que não faltam. 


E entramos na sala de apresentação. Uau! Que colorido. O palco já aberto tem ao centro a Casa Abacaxi, do Bob. Ao redor da boca de cena, um arco de corais do fundo do mar… bolhas no teto… E o pano se abre e ali temos a Fenda do Biquini. A craque Natália Lana assina esta cenografia sensacional, colorida, fiel ao desenho animado. Começam a chegar os atores na cena inicial. Com figurino de Fábio Namatame, os principais personagens do desenho animado tomam vida também em figurinos coloridos. Rosa pro Patrick, Amarelo pro Bob, Branco pra Sandy, Vermelho pro Sirigueijo, verde pro Plancton. Iluminando todos e tudo, Maneco Quinderé. 


Ao fundo uma arquibancada para os 11 músicos sob direção musical e regência de Laura Visconti. As ótimas músicas são criações americanas. Tudo ensaidissimo e primorosamente coreografado por Alonso Barros. O numero musical de Lula Molusco sapateando é digno de Broadway, sensacional.


A história tem versão brasileira de Anna Toledo e é mais um dia na Fenda do Biquini, quando, do nada, explosões afetam a vida dos moradores. Descobrem que é um vulcão marinho prestes a estourar e que, com isto, irá destruir a cidade. Os moradores buscam soluções, chega a prefeita, chega Plankton com uma ideia mirabolante, mas é Sandy quem resolve a parada toda. Bob Esponja e Patrik são os escolhidos para a execução do plano, porém… amigos amigos, brigas à parte. Bob e Patrik se estranham, Bob fica sozinho e acaba indo ao vulcão com Sandy. O final da história deixo para você que tem obrigação de ir ao teatro assistir ao musical!


A grande sacada da obra é usar um personagem extremamente popular para falar sobre aquecimento global, poluição, amizade, fanatismo religioso, preconceito sobre o diferente, valores da sociedade e valores humanos. Um espetáculo que educa as crianças e, ao mesmo tempo, faz com que os adultos saiam pensando em tudo que viram.


O elenco numeroso é composto por Mateus Ribeiro (Bob Esponja), Davi Sá (Patrick Estrela), Analu Pimenta (Sandy), Tauã Delmiro (Plankton), Ruben Gabira (Lula Molusco), Naice (Sr. Sirigueijo), Luísa Vianna (Karen, o Computador), Suzana Santana (Pérola), Ana Luiza Ferreira (Senhora Puhh e Cover de Pérola), Will Anderson (Patchy, o Pirata), Cristiana Pompeu (Prefeita), Diego Campagnolli (Perch Perkins), John Seabra (Larry, a Lagosta), Thadeu Torres (Buster Bluetang, Skates Elétricos, Coro e Cover de Plankton), Léo Romano (Velho Jenkins e Cover de Patrick), Letícia Nascimento (Sardinha e Coro), André Ximenes (Skates Elétricos e Coro), Gabi Camisotti (Skates Elétricos, Coro e Cover de Karen), Pamella Machado (Coro e Cover de Sandy e Prefeita), Tecca Maria (Swing), Eddy Norole (Coro), Rhuan Santos (Coro e Cover de Lula Molusco), Vicente Oliveira (Coro) e Lucas Bocalon (Coro e Cover de Bob Esponja).


Todos entregues em seus papéis e defendendo com unhas e dentes. Um elenco afiado, que se envolve com as crianças e adultos, que gostam de estar ali neste musical único. Obrigado a vocês por se emprestarem a este trabalho. 


Mas, me permitam três destaques. Mateus Ribeiro e a voz idêntica ao Bob. E é ele o Bob Esponja. Fiquei com olhos cheios de lágrimas muitas vezes vendo, ali na minha frente, a personificação do meu amigo Bob Esponja. Ruben Gabira e seu impecável Lula Molusco. O mal-humorado divertido com seu parceiro clarinete (no melhor número musical da peça!). Analu Pimenta com sua Sandy perfeita. Voz, corpo, presença cênica. A melhor caracterização da peça que se iguala ao desenho animado.


Na direção artística Gustavo Barchilon e seu fiel escudeiro Lucas Pimenta na assistência de direção, nos presenteia com um ótimo musical, incluindo versões brasileiras, que aproximam o publico do palco. Um colorido incrivel, uma alegria contagiante dos atores, a seriedade com que comanda uma obra rica, diversa, cheia de informações, mas onde tudo "orna" com perfeição. Ótima a sacada de colocar Plankton em uma cena na plateia superior e também nas interferências do pirada junto ao público, puxando o tema: "Vocês estão prontos?" e o público responde uníssimo: "Sim, capitão!". Arrepiante. 


Sim, fiz textão. Antes de ser um amante das artes cênicas e o blogueiro mais antigo do país que escreve opiniões sobre teatro - matéria da revista do Teatro me consagrou! - sou um apaixonado por Bob Esponja a ponto de tê-lo tatuado no braço com seu sorriso de 2 dentes da frente. E o Bob Esponja Musical trouxe mais realidade e vida a este personagem icônico, que fala diretamente com as crianças - e adultos - trazendo humanidade, amizade, harmonia, companheirismo, coletividade, amor à natureza, aos bichos e, principalmente, a alegria de viver.


Vida mais que longa ao espetáculo. Aplausos emocionados de pé. E feliz, muito feliz de ter podido estar ali, frente a frente, com um ser vivo, falante e humano em forma de Bob Esponja.



domingo, 11 de junho de 2023

JONATHAN


Dizem (quem, cara pálida?) que o tempo é efêmero (temporário, passageiro, transitório). 


O filme que ganhou o Óscar este ano é justamente aquele que lida com o espaço-tempo todo junto ao mesmo tempo e misturado. Segundo o filme, todas as vidas numa só vida, porém em espaços-tempos diferentes, embora ao mesmo tempo, no mesmo cenário. Confuso? Confuso… Pra mim, o tempo é sempre para frente, ou melhor, contabilizado sempre no somatório, nunca na redução. Não andamos para trás em busca de acontecimentos do passado. Porém somos capazes de revivê-los em memórias. Será isto uma volta no tempo? E o futuro? A Deus pertence, sabemos. Mas, calma. Se planejamos o futuro e ele acontece exatamente conforme o roteiro, será que não o previmos? É dura a vida do pensador… 


Confesso que, embora tenha lido e acreditado no release, fui ao Google para saber mais da história do jabuti que dá nome à esta peça: Jonathan. Ela é real - em parte, ja explico. Sim, existe um jabuti-tartaruga com nome Jonathan (que significa Dado por Deus, ou Presente de Deus) que completa aproximadamente 192 anos por aqui na Terra, mais precisamente morando numa ilha inglesa localizada entre a África e o Brasil.


Rafael Souza-Ribeiro - mais conhecido como Rafuda - conheceu a verdade sobre o animal e acreditou que ali havia uma história a ser contada no teatro. E, espertíssimo, misturou temperos de fábula com realidade virtual típica de novela de Aguinaldo Silva (Fera Ferida, Pedra sobre Pedra, A Indomada…) com pitadas de Walcyr Carrasco (Chocolate com Pimenta, Alma Gêmea…). Salpicou um pouco de Chico Buarque de Holanda na trilha sonora - Geni e o Zepelin - e criou este texto brilhante e genial "Jonathan" - que estreou no teatro Ipanema e cumprirá nova temporada no teatro Gláucio Gil.


Na história, Rafael mistura a verdade do jabuti com uma história de preconceito, intolerância, moralismo… Hei! Pera ai... Isto não te lembra algo similar? Igrejas pentecostais… evangélicas… religiões "antes de Cristo"”.. Sim, sim, o cheiro, no caso fedor, é o mesmo. O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus nem existe mais. Jonathan, a peça, também fala da passagem do tempo. Como um animal pôde sobreviver a quase dois séculos de histórias e mudanças da calota polar terrestre? Ai que loucura, ai que velhice! Soma-se a isto parte da vida do pequeno humano Jonathan que, ao longo de sua vida, passa de admirador a cuidador do bicho. E Rafael nos dá uma história completinha, com princípio, meio e fim, conforme os membros da academia americana de cinema gostam de premiar como "Melhor Roteiro Original". Acrescento aqui a perfeição nas palavras escolhidas, andamento do texto, forma de contar a história, tudo muito bem pensado e com excelente vocabulário.


No palco vazio, temos apenas uma pequena estrutura que serve como deck de acostamento de barcos (cenografia da diretora Dulce Penna e Dodô Giovanetti). "Rafuda veste Carla Ferraz" em cena, com um figurino que lembra - com capuz - uma tartaruga! A luz de Paulo Denizot acende a cena com muitos azuis, brancos, vermelhos e rosas, sem contar num elemento refletor que lembra um farol no meio do mar. Arthur Ferreira assina trilha sonora e o craque Diego Nardes na maquiagem e visagismo.


Dulce Penna é a diretora deste monólogo divertido e importante, uma vez que traz um tema atual e cheio de reflexões. Dulce explora não só todo o espaço cênico, plateia inclusive, como também organiza o andamento da história e do movimento espoleta do ator. Acerta nos momentos em que leva a plateia às gargalhadas com a atuação de Rafael e com o foco na história, auxiliado por luzes tipo "pino" em cima do protagonista.


É claro que Rafael sabe qual o objetivo do seu trabalho. Utilizando-se de seu excelente humor e irreverência cênica, ele conta e atua na história como um hétero não trivial, debochando da heteronormatividade com trejeitos e afetação que, a partir do terço final da peça até o término, se justificam claramente. É inegável seu grande talento. Sua presença cênica é rica e forte. O trabalho de narrador presente e atuante é ótimo. 


Rafuda é o autor de dois grandes espetáculos que eu assisti e adorei: Gisberta e Cerca Viva. Excelentes. Aqui em Jonathan ele exerce todo seu conhecimento da língua portuguesa, do preconceito sobre os homoafetivos, da caretice social que vivemos no mundo atual e nos apresenta um espetáculo lindo, rico em profundidade de valores, signos sociais, comportamentos humanos e dúvidas filosóficas.


"Jonathan" é um dos monólogos mais interessantes que assisti nos últimos tempos. Pelo tema, pela forma de unir uma história real ao momento conservador da sociedade, mostrando que o que aconteceu no passado se repete no presente. O tempo é apenas uma contação de números, um tic tac de relógio. Recentemente recebi um vídeo no instagram com o título "Fatos profundos que vão te fazer refletir" e, entre eles está a pérola: a gente simplesmente não sabe que horas são, e sim confiou na pessoa que configurou os relógios. Ou seja...


Vida longa e este espetáculo inteligente, divertido e atual. Aplausos de pé até as mãos ficarem vermelhas! Viva o teatro!!

quinta-feira, 8 de junho de 2023

MEUS DOIS PAIS


É como diz Fábio Jr... “Pai, pode ser que daqui algum tempo haja tempo pra gente ser mais, muito mais que dois grandes amigos, pai e filho talvez...” e assim segue a canção que faz qualquer um chorar. Quem ainda tem pai ou já teve, sabe que a relação nem sempre é das mais bonitas, mas quando acontece de existir um pai-amigo de verdade, aí é só alegria. E aqui temos Pedro Monteiro, aquele pai-exemplo. Explico os motivos.

Recentemente ele levou ao cinema o documentário “Primeiro Ano”, que conta e mostra os primeiros 365 dias de vida – e alguns mais – de sua filha Pilar, fruto do amor com Gabriela Estevão. O filme é uma delícia. Acompanhamos o desenrolar de uma pandemia, o sufoco, o medo, o crescimento solitário da menina sob os cuidados da mãe e do pai. 

Soma-se a isto os recentes trabalhos realizados por Pedro cuja temática é justamente o ato e o efeito de ser pai. Tem o pai fujão e arrependido, tem o pai que faz de tudo pelos filhos mesmo estando preso e, agora, um pai mais moderno – diante dos olhos da sociedade careta. Uma trilogia que começa com “Pão e Circo”, uma peça-filme que mistura futebol e paternidade. Em seguida, já no teatro presencial, “Pai Ilegal”, cujo pai preso se desdobra para sair da cadeia e voltar pra filha. Completando a sequência, Pedro Monteiro nos traz “Meus 2 Pais”, que é mais que teatro, é ensinamento, educação e realidade.

Está em cartaz no Teatro Oi Futuro, no Flamengo, este espetáculo, com texto de Walcyr Carrasco, o mestre das novelas e de peças de teatro de qualidade. Walcyr fala o necessário. Explica quando precisa, toca o dedo na ferida quando se chega ao clímax e, mais que tudo, apresenta um diálogo que faz o público pensar. Tanto para as crianças – público alvo deste trabalho – quando aos adultos. Assistimos a história de um garoto que se descobre filho de dois homens que moram juntos e se amam. Ele sofre com os preconceitos dos colegas e familiares. Mas, graças ao amor e ao DNA desta nova geração de crianças, ele dá um baile nisto tudo e prova que as crianças ensinam muito mais aos adultos do que o inverso.

No palco, temos o cenário de Beli Araújo, duas telas grandes que podem também ser balões de falas de uma história em quadrinhos e, ao chão, círculos coloridos de carpete. Uma cadeira de gamer auxilia os movimentos. No telão, a excelente projeção mapeada de Renato Krueger, nos traz elementos de vídeo-game, que fala direto com as crianças, e as participações em vídeo dos demais personagens. Marcelo Olinto assina o figurino que transforma um adulto em um garoto. Tudo isto sabiamente iluminado pela craque Ana Luzia de Simoni. Cabe destacar a contribuição de Carol Ozório na direção de movimento, pois temos em cena um garoto brincando com as telas ao mesmo tempo que conta uma história ao público. É uma séria brincadeira no palco e isto aproxima ainda mais as crianças do tema da peça. Completando a parte criativa, André Poyart assina uma trilha sonora divertida, marcante e que também fala a língua dos games e das crianças.

Além de Pedro Monteiro, temos no elenco as generosas, talentosas e divertidas participações, em vídeo, de Betina Viany (como a avó conservadora), Cláudio Lins (como um dos dois pais), Gabriela Estevão (a coleguinha da escola), Kelzy Ecard (a mãe parceira), Rodrigo França (o outro dos dois pais) e Tamires Nascimento (também colega de escola).

Mestre Cesar Augusto, da CIA dos Atores, conduz o espetáculo com sabedoria e focado no objetivo de falar sobre o tema com as crianças. De quebra ele atinge os corações e mentes dos adultos mais presos às convenções sociais e aos preconceitos. Cesar Augusto usa da linguagem corporal e falada para esclarecer dúvidas, oferecer argumentos àqueles que querem contar sua experiência aos filhos, mas não sabem como; desenha um espetáculo calmo, apesar de movimentado, mas sem a pressa do atropelo de palavras. Aqui a peça é falada para que todos entendam tudo que está sendo dito. E o resultado é mais que excelente. 

A cabeça disto tudo é ruiva: Pedro Monteiro. Certeiro, atual e moderno, com este espetáculo faz um trabalho belíssimo de educação, ensinamento, misturado à arte cênica. Sabe quando se está na sala da psicóloga e ela encena com você uma situação para te dar força, segurança ou aliviar uma dor? É isto que Pedro faz no palco. Ele representa uma situação aparentemente delicada e mostra os caminhos possíveis de conversa, de acolhimento, de verdade, de novos tipos de família, de modernidade comportamental. Pedro “desenha” através da encenação como é a dor, a descoberta, o amor, a aceitação. É aula, é educação, é teatro, é vida. Pedro se transforma em um menino, sem perder sua maturidade. Vira criança na sua arte de representar e brinca com palavras e cenário. Educa adultos olhando no fundo do olho e cantando um funk/rap cheio de ironias com o público.

Dani Carvalho é a diretora de produção, que acerta no cuidado do espetáculo, no tema abordado com seriedade e que sabe trabalhar com qualquer público para que mais e mais pessoas assistam e saiam do teatro modificadas.

A letra da canção é a melhor forma de ilustrar como a peça chega no público: “Pai, você foi meu herói, meu bandido. Hoje é mais muito mais que um amigo, nem você, nem ninguém tá sozinho, você faz parte desse caminho que hoje eu sigo em paz”.

Vida longa ao espetáculo “Meus 2 Pais”. Que sirva de exemplo, siga educando e que muitas crianças possam aprender que o que vale é o amor incondicional. Aplausos de pé emocionados. Viva Pedro Monteiro, viva a arte, viva o teatro!


segunda-feira, 5 de junho de 2023

DOM QUIXOTE DE LUGAR NENHUM

Às vezes chega aquele trânsito astrológico que diz assim “este é um trânsito de ilusão. Você vai enxergar tudo pelo lado positivo”... e aí você acredita que todos os seus projetos serão patrocinados, que o vazamento no seu banheiro vai parar com um band-aid, ou que aquele pé na bunda do passado vai voltar “arrependido, me pedindo pra ficar...” Tudo ilusão. Ou será a crença em sonhos?

Algumas pessoas também vivem em mundos paralelos. Realidades totalmente diferentes da nossa. Uns rezam para pneus, outros colocam celulares na cabeça chamando ETs. Pessoas acreditam em mitos, salvadores da pátria, caçadores de marajá... Sabemos que a mídia – seja ela a tradicional ou a social – é a grande responsável por esta construção de narrativas e realidade paralela, mas cabe mesmo ao crente – aquele que crê – a culpa por acreditar, sonhar, se iludir sobre os rumos que a vida toma. Posto isto... 

Estreou no Teatro Casa Grande o musical “Dom Quixote de Lugar Nenhum”. Escrito pelo multi artista Ruy Guerra – cineasta, dramaturgo, diretor, poeta, letrista de canções, o espetáculo é uma adaptação de Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, porém trocando a realidade espanhola pela nordestina. O texto é uma beleza poética. Adaptação que se encaixa no universo de cordel. As referências ao original estão presentes: a musa Dulcineia e os moinhos de vento, além das batalhas imaginárias do personagem principal. Dom Quixote é rebatizado de Queixada, Sancho Pança assume ares de diabo, e um coro de trupe teatral interpreta vários personagens e narra a história. Ótima a “prosódia” do espetáculo. Temos um nordeste muito bem construído nas letras musicais e nos textos falados.

Soma-se a isto, a grande contribuição de Zeca Baleiro, nas músicas e letras, com total controle de ritmos e referências. A direção musical é assinada por Lui Coimbra que tem um trabalho belíssimo para que os atores toquem, cada um, seu instrumentos em cena, enriquecendo o espetáculo.

O palco recebe um belíssimo cenário, assinado por João Uchôa, com uma grande passarela em curva, uma lua-sol imensos no fundo, lampadinhas, bandeirinhas de São João e dois belíssimos adereços de madeira simulando carros de boi e máquina de aragem de solo (será que eu que viajei na interpretação?). Jorge Farjalla, também diretor, é o figurinista da montagem. Riquíssimos em detalhes e referências, Farjalla não economiza na beleza do visual dos atores. Lindo, lindo, lindo. Iluminando o conjunto, Samuel Betz e Eduardo Dantas assinam o desenho de luz. 

No elenco, temos Lucas Leto (ótimo e encantador como Dom Queixada), Danilo Moura (seguro e entregue em seu Sancho), Dani Fontan (linda e marcante em sua Dulcineia). Temos ainda Jana Figarella, André Rosa, Daniel Carneiro, Du Machado (excelente como o cavalo de Dom Quixote), Paloma Ronai e Caio Menck que desempenham outros papéis. 

Me permitam destacar o fantástico trabalho de Cláudia Ohana no papel de “um inquieto diabo”. Sua dicção, prosódia, presença cênica, atrai todos os olhares da plateia. Temos um imenso bifão (monólogo na linguagem teatral) do diabo que beira os 5 minutos. Um trabalho de atriz que merece todos os aplausos e prêmios.

Já disse uma vez e repito: a cena teatral brasileira tem um nome importante em crescimento e inovação. Jorge Farjalla. Seu olhar para o teatro é moderno e namora com um somatório de assuntos do dia a dia, aproximando o público de todos os trabalhos que assina. Seja uma comédia tradicional, um drama de amor, um musical brasileiro ou um show de música. Farjalla é diferenciado, atual, criativo, elegante. Seus trabalhos são ricos em beleza cênica, em referências boas do passado. Ele consegue dirigir um musical misturando teatro grego, ópera bufa, ópera clássica, Broadway, arte nordestina e realismo fantástico. Assistir a um trabalho assinado por ele é sair do teatro modificado. Ele te ensina a ser bom, a ter visão ampla, a compartilhar conhecimento. Aqui, nesta peça, temos isto tudo. O uso de todo o palco, a interação com o público, os números musicais, tudo é pensado para ser um espetáculo inesquecível. Altíssimo nível e qualidade são a sua marca.

A idealização do projeto é da ex-aluna de Ruy Guerra, a fotógrafa Simone Kontraluz. O momento é extremamente oportuno pois comemora-se os 90 anos de seu mestre. Não poderia ter tido melhor presente.

Farjalla nos faz uma provocação: "'E aí, você continua acreditando no sonho mesmo quando tudo parece ser do contra?' Você é ou não é um sonhador?' Esses são questionamentos que estão dentro de todos nós". E eu respondo por mim: sempre acredito. O que seríamos sem os sonhos? Sem a projeção de um futuro melhor? O que nos mantém no prumo da vida é sempre a esperança da melhora. O sonho do futuro perfeito.

Assim como no original, esta peça aborda temas como a loucura, a identidade, o poder da imaginação e a busca pela verdade. Através de uma narrativa rica em humor, diálogos cativantes e personagens memoráveis, o espetáculo oferece uma reflexão profunda sobre a natureza humana e os limites entre a realidade e a fantasia.

Recorro a uma frase do texto para encerrar este longo relato de como o espetáculo me modificou: “Não te esqueças nunca, ó incrédulo, que a esperança é feita de infinitas esperas, de efêmeras conquistas, de vitórias adiadas”. É ou não é pra aplaudir de pé com gritos de bravo? Corra já pro Teatro Casa Grande para sonhar junto com este Dom Queixada. Viva o Teatro, Viva Ruy Guerra, Viva o Nordeste brasileiro. Viva a arte brasileira!