domingo, 21 de abril de 2013

AOS DOMINGOS



“Todo domingo, havia banda, no coreto do jardim...”  Rotina. Fico em casa a maior parte dos domingos e gosto da minha solidão, silêncio, ouvir os vizinhos vivendo. Gosto da possibilidade do ócio criativo, do amadurecimento de idéias. As vezes vou à praia, mas neste dia não saio mais de casa. Mas gosto de ir ao teatro nas noites de domingo, vai entender? Amigos convidam para o almoço, geralmente em cima da hora, coisa de carioca. Quando recuso,  ficam putos, mas, pra mim, convite em cima da hora só para enterro. Mamãe também é chegada num almoço familiar dominical. Fico com dó e aceito. Essa obrigação social dominical me irrita um pouco. Mas entendo as razões, aceito que as pessoas queiram estar junto aos seus entes queridos neste único dia de folga que eles têm.

Em cartaz no Teatro Gláucio Gil o espetacular ”Aos Domingos”,  texto da Julia Spadaccini. A história gira em torno de um almoço dominical. A família será reunida após um longo tempo, pois o irmão, que mora longe, chega para ver a irmã e o pai. Resumindo a história desta família, seus pais se separaram e os filhos pequenos ficaram com a mãe. Aos domingos, o pai os visitava, mas na verdade era de 15 em 15 dias. O menino ja observava a sacancagem do pai ao mentir para a filha, mas mantinha na irmã a esperança da chegada do pai naquele domingo da falta. Os anos passaram, o irmão viaja para o exterior deixando a irmã cuidando da mãe. Esta morre. A filha casa “com um qualquer” para afastar a solidão. Pai e filha passam a se ver, aos domingos, para um almoço burocrático. O marido da irmã só pensa em si e no trabalho. Eis que neste domingo específico, além do pai, a irmã receberá o irmão, que volta para visita-la, e, de surpresa, um amigo de infância.

Júlia Spadaccini é craque em diálogos ágeis e situações embaraçosas. Já assisti a vários espetáculos escritos por ela, sempre o humor falando mais alto. Desta vez, um drama familiar, amparado na comédia (é impossível não rir em certos momentos) está sendo levado ao palco. Sem conhece-la, diria que a autora é uma senhora de idade, com uma vida carregada de histórias, mas Julia é novíssima e, como boa psicóloga, constrói profundamente seus personagens. O texto é inteligentíssimo. Pedi um trecho para reproduzir aqui:


“…
JOÃO - E você?

ANA - Eu?

JOÃO - Tudo bem?

ANA - Ah, Johnny! Tudo é muita coisa, não acha? 

João ri.

JOÃO - Está feliz?

ANA - Feliz? Feliz de felicidade?

JOÃO - Tem feliz de outra coisa?

ANA - Ah, Johnny, felicidade é pra quem tem pouca lembrança, coisa de 20 anos.
…”

Dá o que pensar, não é? Pois assim é todo o espetáculo. Discussões acaloradas, reconciliações, revelações sobre passado e presente. Sempre com humor, mas enfiando o dedo bem fundo nas feridas que não param de lacrimejar.


A direção de Bruce Gomlevsky é inteligente, explorando os diálogos e as situações que o texto já oferece de bandeja. Tira partido das boas atuações do elenco e explora ao máximo a movimentação ansiosa daquela mulher, a futilidade e indiferença do marido, a insegurança do irmão, o constrangimento do amigo e a ausência do pai.

No palco, o ótimo cenário de Nello Marrese e Natália Lana pode ser uma cozinha aberta para um jardim com árvores decepadas, um alpendre, uma varanda, onde os objetos necessários estão ali para caracterizar a época do espetáculo, como a tv pequena. Ao fundo, três grandes panos, parecendo roupas penduradas no varal, dão transparência para uma cozinha e uma sala. O figurino é de Flávio Souza que impõe uma elegância no amigo, despojamento no irmão, uma roupa de trabalho para o marido e um vestido simples, mas que já foi de festa, para a irmã. A luz de Luiz Paulo Neném é eficiente.

O elenco é encabeçado por Juliana Teixeira que está ótima no papel de Ana. Movimentos seguros, vemos claramente sua ansiedade por aquele almoço. Jorge Caetano interpreta o irmão Edu, ainda com medo de se aproximar daquela família que largou para viver fora. Bruno Padilha é o amigo João, que vem para o almoço trazido pelo irmão e que mostra com precisão todo o seu desconforto em participar daquele encontro. Paulo Giardini é Sérgio, o marido, numa brilhante construção que leva a plateia a gargalhadas. Prêmio de melhor ator coadjuvante com certeza.


Aos Domingos é um espetáculo inteligente, divertido, que faz pensar. Nos envolvemos naquela história do princípio ao fim e não queremos que a peça acabe. Ficamos revendo momentos do espetáculo, passando o texto na cabeça, após a apresentação, encontrando frases geniais para repeti-las depois. Um ótimo programa, excelente teatro. Imperdivel





terça-feira, 16 de abril de 2013

AS MULHERES DE GREY GARDENS

Acompanhei os últimos 25 anos de vida da minha avó, pianista famosa na infância, que teve todos os seus desejos e mimos realizados pelo pai. A menos um: estudar piano fora do Brasil. Para minha avó, musica clássica era o bom, o resto era barulho. Casou-se. Nasceu mamãe. Parou de dar concertos no Theatro Municipal pois desenvolveu pânico de entrar em cena. Culpou meu avô, minha mãe e seu próprio pai por não terem lhe dado limites. Muita culpa para uma mulher perdida. Separou-se, viveu sozinha, dava aulas de piano, até eu entrei nas teclas de marfim de seu piano Essenfelder. Mamãe conta que durante toda sua infância, adolescência, idade adulta, vovó a torturava psicologicamente. Acompanhei muitas destas torturas ao vivo. Anos mais tarde, quase aos 70, casou-se com um médico, paixão de infância. Torturou este homem (era um banana, péssimo marido) até a separação dele, aos 85 anos. Seu novo ex-marido de 88 anos recusara a pagar um pano de saúde para ela que morreu num hospital publico após quebrar o fêmur aos 89 anos. 

Gosto sempre de ligar os espetáculos que assisto à minha história pessoal. Por isto o relato acima. Em “As Mulheres de Grey Gardens”, assistimos a um musical sobre a vida turbulenta, relação doentia, entre uma mãe Edith, cantora e pianista mimada por todos, e sua filha Edie. A mãe, artista inconsequente, muito mimada, não sabe do mundo que a cerca. A filha segue o mesmo caminho. A culpa não é de nenhuma das duas e sim do modo de viver da sociedade da época. Vivem nababescamente as custas de maridos e parentes. Até que a fonte seca e ambas passam a conviver sob um teto aos escombros e diversos gatos. A mãe tortura a filha por comida e atenção. A filha tortura a mãe por falta de atenção e frustações na sua vida. 

No palco da Sala Baden Powell, Suely Franco e Soraya Ravenle vivem mãe e filha e a relação torturante. Ambas ótimas em cena, cantando e se movimentando com precisão, vozes afinadas. Total simbiose. Ficamos atônitos com a interpretação de Suely Franco e o carisma de Soraya Ravenle. Ainda no palco, Jorge Maya e sua belíssima voz interpreta o fiel mordomo na primeira parte do espetáculo, que tem também os talentosos Carol Puntel como Edie mais nova, Guilherme Terra o personal-pianista, Sandro Christopher pai de Edith, e Pierre Baitelli como o irmão do futuro presidente Kennedy. Raquel Bonfante dá vida à Jacqueline Kennedy e Sofia Viamonte sua irmã. Ambas primas/sobrinhas da família turbulenta. Danilo Timm interpreta o amigo Jerry que em troca de abrigo por uma noite abastece a casa de alimentos. 

 A direção de Wolf Maya é inteligente na utilização dos planos do pequeno espaço cênico, nos confrontos familiares, onde deixa os atores caminharem por dolorosos momentos de tortura psicológica. Direção segura para quem domina a arte dos musicais faz tempo! 

 Na parte técnica, o figurino de Marta Reis é bonito, colorido o suficiente, de acordo com as épocas. A luz de Luiz Paulo Neném é parceira da beleza do espetáculo, valorizando as cenas e em total harmonia com o cenário. A coreografia de Marcia Rubim e a preparação vocal de Mirna Rubim auxiliam com competência a direção do espetáculo. 

Como de costume, deixo por ultimo o que mais me chama a atenção e desta vez o belíssimo, grandioso e criativo cenário de Bia Junqueira é a grande vedete do espetáculo. Como a peça tem dois atos, no primeiro vemos uma casa rica dos anos 40. No segundo a decadência total desta casa, com restos de moveis, roupas, sacos, madeiras, lixo espalhado que, avolumado, sustentam num segundo plano o quarto de Edith totalmente destruído pelo tempo. Uma maravilha também as projeções que envolvem todo o palco. Ora jardim, ora janela, ora paredes destruídas. 

 Para os amantes do bom espetáculo, do musical de qualidade, As Mulheres de Grey Gardens é uma ótima opção de espetáculo para estas ultimas duas semanas em cartaz. Parabéns a toda equipe por esta excelente produção.