“Todo domingo, havia banda,
no coreto do jardim...” Rotina. Fico em casa a maior parte dos domingos e gosto da minha solidão, silêncio, ouvir
os vizinhos vivendo. Gosto da possibilidade do ócio criativo, do amadurecimento
de idéias. As vezes vou à praia, mas neste dia não saio mais de casa. Mas gosto
de ir ao teatro nas noites de domingo, vai entender? Amigos convidam para o
almoço, geralmente em cima da hora, coisa de carioca. Quando recuso, ficam putos, mas, pra mim, convite em cima da
hora só para enterro. Mamãe também é chegada num almoço familiar dominical.
Fico com dó e aceito. Essa obrigação social dominical me irrita um pouco. Mas
entendo as razões, aceito que as pessoas queiram estar junto aos seus entes
queridos neste único dia de folga que eles têm.
Em cartaz no Teatro Gláucio
Gil o espetacular ”Aos Domingos”, texto
da Julia Spadaccini. A história gira em torno de um almoço dominical. A família
será reunida após um longo tempo, pois o irmão, que mora longe, chega para ver a
irmã e o pai. Resumindo a história desta família, seus pais se separaram e os
filhos pequenos ficaram com a mãe. Aos domingos, o pai os visitava, mas na
verdade era de 15 em 15 dias. O menino ja observava a sacancagem do pai ao
mentir para a filha, mas mantinha na irmã a esperança da chegada do pai naquele
domingo da falta. Os anos passaram, o irmão viaja para o exterior deixando a
irmã cuidando da mãe. Esta morre. A filha casa “com um qualquer” para afastar a
solidão. Pai e filha passam a se ver, aos domingos, para um almoço burocrático.
O marido da irmã só pensa em si e no trabalho. Eis que neste domingo
específico, além do pai, a irmã receberá o irmão, que volta para visita-la, e, de
surpresa, um amigo de infância.
Júlia Spadaccini é craque
em diálogos ágeis e situações embaraçosas. Já assisti a vários espetáculos escritos por ela, sempre o humor falando mais alto. Desta vez, um drama
familiar, amparado na comédia (é impossível não rir em certos momentos) está
sendo levado ao palco. Sem conhece-la, diria que a autora é uma senhora de
idade, com uma vida carregada de histórias, mas Julia é novíssima e, como boa psicóloga,
constrói profundamente seus personagens. O texto é inteligentíssimo. Pedi um
trecho para reproduzir aqui:
“…
JOÃO - E você?
ANA - Eu?
JOÃO - Tudo bem?
ANA - Ah, Johnny! Tudo é muita coisa, não acha?
João ri.
JOÃO - Está feliz?
ANA - Feliz? Feliz de felicidade?
JOÃO - Tem feliz de outra coisa?
ANA - Ah, Johnny, felicidade é pra quem tem pouca lembrança,
coisa de 20 anos.
…”
Dá o que pensar, não é? Pois assim é todo o espetáculo.
Discussões acaloradas, reconciliações, revelações sobre passado e presente.
Sempre com humor, mas enfiando o dedo bem fundo nas feridas que não param de
lacrimejar.
A direção de Bruce
Gomlevsky é inteligente, explorando os diálogos e as situações que o texto
já oferece de bandeja. Tira partido das boas
atuações do elenco e explora ao máximo a movimentação ansiosa daquela mulher, a
futilidade e indiferença do marido, a insegurança do irmão, o constrangimento
do amigo e a ausência do pai.
No palco, o ótimo cenário
de Nello Marrese e Natália Lana pode ser uma cozinha aberta para um jardim com
árvores decepadas, um alpendre, uma varanda, onde os objetos necessários estão
ali para caracterizar a época do espetáculo, como a tv pequena. Ao fundo, três
grandes panos, parecendo roupas penduradas no varal, dão transparência para uma
cozinha e uma sala. O figurino é de Flávio Souza que impõe uma elegância no
amigo, despojamento no irmão, uma roupa de trabalho para o marido e um vestido
simples, mas que já foi de festa, para a irmã. A luz de Luiz Paulo Neném é
eficiente.
O elenco é encabeçado por
Juliana Teixeira que está ótima no papel de Ana. Movimentos seguros, vemos
claramente sua ansiedade por aquele almoço. Jorge Caetano interpreta o irmão
Edu, ainda com medo de se aproximar daquela família que largou para viver fora.
Bruno Padilha é o amigo João, que vem para o almoço trazido pelo irmão
e que mostra com precisão todo o seu desconforto em participar daquele
encontro. Paulo Giardini é Sérgio, o marido, numa brilhante construção que leva
a plateia a gargalhadas. Prêmio de melhor ator coadjuvante com certeza.
Aos Domingos é um espetáculo inteligente,
divertido, que faz pensar. Nos envolvemos naquela história do princípio ao fim
e não queremos que a peça acabe. Ficamos revendo momentos do espetáculo,
passando o texto na cabeça, após a apresentação, encontrando frases geniais
para repeti-las depois. Um ótimo programa, excelente teatro. Imperdivel
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