Quem ainda não tomou um pé na bunda, prepare-se. Ele virá. E
depois disso, ficar roendo beira de calçada, com vontade de ligar o tempo todo
na tentativa de reverter o quadro. Mas como se aquele vaso de cristal já está
quebrado? Fiz terapia por deliciosos 6 anos e aprendi muito. Não, não fui à
terapia por conta de um pé na bunda, mas durante o processo ele aconteceu. E eu
amadureci. Aprendi que não se pode ser o provedor, o compreensivo o tempo todo.
Dá nisso. Aprendi que não se deve “cavar” uma reposta, pois ela certamente virá
negativa quando dita sob pressão. Se não quer ficar ansioso esperando a
resposta, é simples: não faça a pergunta! A ansiedade é culpa exclusivamente
nossa. Criamos expectativas em cima de uma fantasia sobre um fato. Portanto,
não quer sofrer, não ligue, não procure, não peça notícias. Mas como viver
então? Olhe para si, gaste seu tempo consigo. O momento é de se usar. Como já
disse Martha Medeiros em na crônica, “Use-se” (http://pensador.uol.com.br/frase/NTIwMDgx/).
Reestreou no Teatro do Leblon a peça “Tarja Preta”. Um
diálogo, muito franco, e hilário, entre uma mulher e seu cérebro. Em meio a
bebidas e remédios, os dois se confrontam sobre como agir numa situação
simples: ligar ou não ligar para o ex-marido. Parar ou não parar de pensar
nele? Ela, com um belíssimo pé na bunda, está inconsolável. Ele, tentando
colocar aquela mulher nos eixos da razão, mostra de forma clara e conturbada
(devido ao álcool e aos tarjas pretas), que a melhor coisa, para ambos (a
mulher e seu cérebro), é não ligar para ele. Se ela vai ligar ou não, só
assistindo para saber.
Recheada de humor inteligente (que prazer!), o excente texto
de Adrian Falcão tem como mérito os diálogos ricos, iluminados, calibrados por
nomes de remédios que dão ânimo aos deprimidos. A conversa franca entre a
mulher (coração) e o seu cérebro (a razão) é muito criativa. Impossível não se
identificar em algum momento.
Com a direção de Ivan Sugahara, diretor que admiro, respeito
e acompanho, a peça começa na plateia, num divertido número que não choca nem
agride ninguém. Ela, a mulher, chegando em casa trêbada, e seu cérebro
acompanhando (claro), a tentativa hilária de se vestir, se situar. Com um jogo
de cena ágil e moderno, Sugahara conduz o diálogo ocupando com competência todo
o palco, quase num ritmo frenético, mas saem deixar a plateia perder nenhum
lance daquele jogo de palavras e jogo da disputa (coração X cérebro).
No palco, caixas de remédios – tarjas pretas, claro – estão amparadas
por móveis confeccionados de papelão (caixas que embalam as caixas de
remédios). Ótima direção de arte de Rui Falcão. O figurino de Bruno Perlatto é
interessante, pois une pijama com roupa de festa. A luz de Tomás Ribas valoriza
cada cena. O apoio da Direção de Movimento de Paula Maracajá é fundamental para
o jogo no palco.
Em cena, Letícia Isnard e Érico Brás se divertem e,
obviamente, divertem a plateia. Completamente seguros de suas atuações, texto
afiadíssimo, cada um dá o melhor de si para defender tanto o coração (ela)
quando o cérebro (ele). Érico dá um show na cena do flashback quando conta como
aconteceu o encontro entre a mulher e o rapaz que virou seu marido. Letícia (cujo
o talento foi reconhecido por conta de Ivana, de “Avenida Brasil”) brilha nas
cenas em que troca a verdade absoluta criada pelo seu cérebro pela dolorosa paixão
criada pelo seu coração. Aplausos de pé por longos minutos.
Tarja Preta é um espetáculo de apenas 50 minutos. Queremos muito
mais. Porém, assim como uma pílula de dose única, o espetáculo é certeiro,
educa o psicológico e, melhor que Rivotril, levanta o astral de qualquer
pessoa!! Corra para o teatro.
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