quinta-feira, 19 de novembro de 2015

TALK RADIO


Há pouco tempo, vimos na tv embates aos domingos entre Faustão e Gugu pela audiência. Um atacou de Mulher-Sushi. O outro de entrevista com facção criminosa. Não importava a qualidade do quadro, mas manter as pessoas ligadas no canal. Tivemos também a estreia do Pânico na Tv, onde ridicularizar o povo era a piada. Surgiram apresentadoras-polêmicas: Márcia Goldshmith e Cristina Rocha, onde o que vale é o povo na tv, se estapeando. Ratinho chegou e juntou tudo isto no seu programa, que, no início, levou a Vênus Platinada a arrancar os cabelos, com as brigas no palco por conta do exame de DNA, matérias de apelo sexual e histórias do povo, para o povo. É esta a voz de Deus? “Aqui e Agora”  e apresentadores Marcelo Rezende e Datena, viraram febre dentre as vozes oprimidas. As agruras e mazelas (duas palavras que só usaria mesmo neste espaço!) do dia a dia elevadas à enésima potência mantêm audiência. Até quando?

Criado em meados de 1940 nos EUA e apresentado por um jornalista que faz debates ao vivo, escolhendo a melhor (ou pior?) história para dar voz aos que precisam desabafar, nasceu um programa de rádio que gera bate-papo entre ouvintes e deixa a audiência lá em cima. Assim é, resumidamente, a linha dramática da peça Talk Radio. Vários ouvintes são postos no ar, pelo comunicador, e seus dramas são, ora botando dedos nas feridas, ora achincalhados, pelo próprio comunicador. E todos gostam! O texto premiado do autor Eric Bogosian e traduzido por Leonardo Franco, é inteligente tanto em diálogos, drama, quanto na tensão.

Leonardo Franco é Barry Champlain, o comunicador. Um ótimo trabalho de composição. Voz de locutor afiada, nos faz ficar com raiva, medo e torcendo para que ele implique, sacaneie e diga umas boas verdades ao ouvinte do momento. Uma grande interpretação! Stela Maria Rodrygues faz uma assistente de estúdio (e também ouvintes da rádio) com interesse pelo locutor. Linda em cena, Stela mostra um lado de atriz neste espetáculo, bastante diferente dos musicais que participa. Alexandre Varella é Dan, o produtor e outro ouvinte, que enfrenta e ameaça Barry; Marcelo Aquino é o fiel assistente de estúdio, sempre tomando bronca de todos os lados (como sempre, a culpa é da produção...); Bernardo Mendes faz Kent, um drogado que liga para a rádio dizendo que sua namorada está morrendo aos seus pés. Será verdade? Será pegadinha? A tensão deste personagem gera ótimos momentos na peça. Raul Franco faz vários ouvintes, sempre diferentes um do outro, e com bastante competência. E Mariana Consoli é ótima até dormindo! Como vem crescendo ao longo das peças que trabalha!!!

José Dias assina uma cenografia que auxilia a direção, com estruturas de ferro que permitem movimento dos ouvintes, deixando-os mais altos, ao fundo do palco, e uma mesa de locutor com tudo que é preciso para aquele trabalho. Uma aula de cenografia adequada e funcional. O figurino de Luana de Sá, em tons escuros, valoriza as expressões faciais, a palavra, e deixa claro o clima sombrio do estúdio, das vidas, dos dramas. A luz de Adriana Ortiz complementa a cenografia, se faz presente pela qualidade de sombras e focos. A trilha sonora de João Paulo Mendonça é acertada e Cynthia Reis contribui favoravelmente na direção de movimento.

Maria Maya é craque. Como atriz e, agora como diretora, nascida em berço esplêndido, tem no DNA a sabedoria de conduzir uma história. Como tudo se passa num estúdio, os ouvintes não poderiam estar apenas em vozes em OFF. Maria traz, não só para a cena, como os coloca em destaque, sem ofuscar o comunicador. Além disso, monólogos de alguns personagens da rádio são muito bem incluídos no ambiente, fazendo a plateia de cúmplice, aproximando-os do palco. Gosto muito de ver como, além de ótima atriz, Maria Maya vem se realizando trabalhos competentes, escolhendo boas peças para dirigir. Merece um reconhecimento. Claudia Ricart é a diretora assistente com grande experiência que contribui para este belo trabalho do conjunto.

Hoje em dia, com a internet, e as redes sociais, estamos vendo uma “legião de imbecis” tendo voz. Agora, com blogs, facebook e twitter, gente como eu, imbecil total, pode falar o que quiser, sem precisar de um locutor, comunicador, apresentador, esperar sua ligação telefônica ser atendida, para falar as asneiras e verdades, desabafar e denunciar, propagar inverdades e defender injustiçados. Recentemente vimos brigas por conta das tragédias diferentes entre as barragens rompidas de lamas tóxicas em Minas Gerais, e o fuzilamento e explosão terrorista de inocentes que estavam se divertindo em uma capital europeia. Tragédias anunciadas e bastante diferentes, mas cujas vozes dos imbecis de plantão criaram uma outra guerra. Culpa da mídia que explora os dramas com parcialidade? Culpa da rádio, que, lá atrás, em idos de 1940, deu voz aos trágicos dramas do cotidiano?

Talk Radio é um espetáculo sobre como o indivíduo perdeu a importância, diante da necessidade capitalista do “temos que vender, temos que dar audiência, temos que valer os patrocínios”. E afinal, não é tudo uma questão de “quem dá mais”?. Vá já ao Teatro Solar de Botafogo, um dos meus favoritos no Rio de Janeiro, e se envolva com este ótimo espetáculo!

"Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco" - matéria abaixo

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2015/06/11/redes-sociais-deram-voz-a-legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco.jhtm

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

COMO ELIMINAR SEU CHEFE


Tive chefes incríveis. Uns gostei mais do que os outros, pois foram mais marcantes. Todos me ensinaram muito sobre o trabalho e, principalmente, sobre vida. Sou parte criação dos meus pais, parte criação da sociedade e boa parte criação dos meus chefes. Será que lembro os nomes? Roberto, Tarcísio, Elba, Frederico, Hierón, De Bem, Rosana e Gama. Nunca, nunca e nunca quis eliminar qualquer um deles. Se eu fiz alguma cagada, e fui repreendido, eles tinham a razão e foram me ensinando a fazer o certo. Todos sempre foram muito educados, simpáticos, divertidos e compreensivos comigo. Ainda gosto de todos e, sempre que posso, pergunto a quem os conhece, como vão.

Está em cartaz no Teatro Carlos Gomes, a comédia em formato musical, “Como Eliminar Seu Chefe”, adaptação de Flavio Marinho, sempre craque, para o texto de Patrícia Resnick com musicas e letras da cantora Country americana Dolly Parton (que não é a dona do guaraná vendido pela Rede TV - ok, piada infame). Tanto o filme, quando a peça, tem nome, em Inglês,  “9 to 5”, algo como “de nove às cinco”, duração do expediente. Flávio Marinho atualizou para “de nove às seis”, para ficar mais sonoro em português e funcionou.

A peça conta a história da secretária veterana, cansada de ter que suportar os mandos e desmandos do chefe autoritário e incompetente; da secretária novata que tem que se adaptar aos insuportáveis memorandos corporativos, administrativos, que só fazem arrochar os funcionários; e da secretaria bonita, loura e gostosa que leva fama, sem deitar na cama, de ser amante do chefe, e que, por isto, é odiada por todos. Claro que elas se unem para eliminar o tal chefe, colocar ordem no coreto e atingem ao objetivo, que só indo ao teatro poderá ficar claro sobre qual foram os meios que justificaram o fim.

Claudio Figueira é o diretor geral, diretor de produção e coreógrafo, o que ajuda na concepção tanto de marcas, interpretações, controle financeiro e ocupação do palco. E o resultado é bom. Os números musicais são bem armados, as coreografias bem encenadas. Tanto a direção das atrizes quando do espetáculo são bem pensados sempre em busca do que melhor pode ser apresentado ao público. Apenas uma consideração para melhorar a peça: o número de sapateado precisa ser microfonado no piso, pois não escutamos o bater das solas no chão, que é justamente o que causa a emoção do sapateado. Cláudio é um guerreiro, pois tem um elenco numeroso, músicos e toda uma produção ao seu redor. E ainda assim faz um trabalho competente.

A cenografia de Clívia Cohen é um de seus trabalhos mais bonitos em teatro. A sala do chefe, a repartição, os pequenos ambientes, todos abraçados por painéis no melhor estilo Niemeyer, que lembram tanto construções dos Ministérios em Brasília, quanto prédios assinados pelo arquiteto renomado. Os paineis ficam muito bem colocados em cena, tanto como coxias quanto fundo de palco. O capricho do cenário é evidente. Lá vou eu dar outra sugestão: ficou estranho vários contra-regras entrando em cena para movimentar o cenário. Uns com óculos de leitura pendurados no pescoço, outros na cabeça... com roupas diferentes uns dos outros, nem pareciam funcionários da repartição, nem funcionários do espetáculo, o que tira um pouco a magia da peça para o público. Será possível “esconder” os contra-regras com luz, roupa preta ou “dentro do cenário” para girar, entrar e sair? Encarem meu pitaco como sugestão para enriquecer a peça, é este meu desejo. O figurino, também de Clívia Cohen é colorido, bem confeccionado, na leitura anos 80. A luz de Paulo Cesar Medeiros é sempre boa.

O elenco, encabeçado por Tânia Alves, como a secretária chefe, atua e canta com firmeza; Marcos Breda, o hilário chefe mandão, explorando toda sua capacidade de bom ator para comédia; Sabrina Korgut, como a secretária loura, barbie, sempre se sai bem, tanto atuando, quanto cantando, segura e afinadíssima; Simone Centurione, como a novata secretária, um tanto tímida, talvez por conta de seu personagem; Gottsha, fantástica como sempre, impossível ficar quieto diante de sua voz e presença cênica. Seu número musical no banheiro do escritório é um dos melhores da peça. Ainda no elenco, Fabricio Negri é o contador e Cristiana Pompeu, a divertida secretária que bebe antes, durante e depois do trabalho. E mais 12 artistas, cantores e dançarinos compõe o espetáculo.


Todo musical que nos identifica, tanto pelo humor, quanto pela raiva, é de imediata comunicação com a plateia. “Como Eliminar Seu Chefe” certamente será bem recebido por todos que, diferentemente de mim, sempre quiseram, em alguma hora, fazer alguma coisa para prejudicar aquele que tortura os funcionários: o chefe maldito. Tive a sorte de ter ótimos chefes e espero também, sempre, ser um bom e humano chefe. Aplausos para toda a equipe e vida longa para “Como Eliminar Seu Chefe”!

domingo, 8 de novembro de 2015

SAMBRA


Desafio qualquer um a ficar parado diante da bateria de uma escola de samba. Tenho certeza que pelo menos seu coração irá bater mais forte. Comigo é sempre assim quando vejo a comissão de frente e a água da Portela. Algo que não se explica. Lágrimas aparecem do nada, sem pedir autorização e rolam com facilidade. Amor? Condicionamento? Não se explica, sente-se.
É com todo conhecimento de causa que Gustavo Gasparani apresenta no Rio mais um belíssimo espetáculo sobre sambas. Não há dúvidas do amor que Gustavo sente pelo ritmo. Desde 2005 vem se dedicando a pesquisas sobre uma dramaturgia genuinamente brasileira. Como resultado, em 2010 lançou, com Eduardo Rieche, parceiro de outros musicais, o livro “Em busca de um teatro musical carioca” (Ed. Imprensa Oficial – SP), um apanhado dos textos de musicais sobre o tema, resultado da pesquisa. Estão na lista “Otelo da Mangueira” (2006), “Opereta Carioca” (2008), “Oui, oui... A França é Aqui!! - A Revista do Ano,” (2010), “As Mimosas da Praça Tiradentes” (2012). “Samba Futebol Clube” (2014) foi o mais recente apresentado. Todos tendo o samba como foco.
Aproveitando as comemorações do centenário do ritmo, surgiu SamBRA, em parceria com a Aventura Entretenimento e a Musickeria. É claro que o ritmo jamais vai morrer. Sempre haverá uma roda de pagode, um compositor novo, um padrinho de olhos e ouvidos atentos, e o mais importante: público ávido por novidades.
Tudo é perfeito em SamBRA. Texto, ritmo, direção, elenco, cenário, figurino, projeções, coreografia, músicos, direção musical, coreografias, técnica, produção. Tudo, tudo e tudo é de alto nível e de excelente qualidade. As escolhas das músicas, a organização do roteiro, bebendo nas melhores fontes, recortando letras e transformando em texto, é um resultado contagiante.
Gustavo, além de assinar o texto, também é o diretor do musical. Esta atividade rendeu indicações e premios no musical sobre a união do samba com futebol, duas paixões nacionais. Não há dúvidas de que indicações virão por SamBra. Entradas e saídas de cena, tanto de cenário quanto elenco, ocupação de todo o palco, alternância de artistas protagonizando cenas, escolha dos momentos de emoção levadas ao extremo. Sábio trabalho.
A equipe é de craques. Vai vendo os nomes: cenário, Helio Eichibauer, figurino de Marília Carneiro e Reinaldo Elias, luz de Paulo Cesar Medeiros, direção musical de Nando Duarte, coreografia e direção de movimento de Renato Vieira, vídeos de Thiago Stauffer. Tudo é harmonioso, bonito e funciona a tempo e a hora com exatidão.
O elenco reúne os nomes mais aclamados, talentosos, afinados e presentes em vários musicais: Gustavo Gasparani, Alan Rocha, Ana Velloso, Beatriz Rabello, Bruno Quixote, Édio Nunes, Lilian Valeska, Mauricio Detoni, Patrícia Costa e Wladimir Pinheiro, que encabeçam o conjunto, com mais 7 integrantes. E o melhor: todos sabem sambar!!
Sem mais delongas, SamBRA fica em cartaz até dia 06 de dezembro (dia do meu aniversário - anotem!). Tempo suficiente para conferir, no Teatro João Caetano, Praça Tiradentes, um dos berços do samba, esta homenagem ao ritmo tipicamente brasileiro (e por que não, carioca?) que está no DNA de todos nós. Ótima oportunidade para assistir a um musical de qualidade, com tema nacional e que valoriza algo que é nosso. O Rio precisa da volta dos antigos espetáculos para turistas e moradores, que falam sobre samba e SamBRA ocupa esta lacuna com mais competência. Torço para que esteja em cartaz durante as Olimpíadas! Vida longa a SamBRA!