terça-feira, 24 de maio de 2016

GOTA D'ÁGUA [A SECO]


Quando montamos “As Cantrizes” no Rio, um novo nome era fundamental: Laila Garin. Confesso meu encantamento  por sua arte de representar, por sua força cênica, sua voz e afinação. E lá estava ela, encerrando com chave de ouro nosso projeto, em janeiro deste ano, deixando todos boquiabertos.

Agora ganhamos um novo presente... A Gota D`água [A Seco], em cartaz no Teatro Net Rio, nos mostra uma versão recital do clássico musical de Chico Buarque, mestre absoluto no quesito MPB, em parceria com Paulo Pontes. Tive o prazer de assistir a duas versões deste musical, encenado pela primeira vez por Bibi Ferreira. Procure no Google pra saber tudo, pois aqui só me cabe falar desta versão “a seco”, enxuta, onde temos o que de melhor o musical nos oferece, como os diálogos entre Jasão e Joana, os xingamentos, as declarações de amor, a dor do ser mal-amado, a rejeição. Dói pacas! E Joana leva às últimas consequências a vingança contra seu ex-amado. É o texto de musical de teatro que eu mais gosto, pois, escrito em versos, nos deixa vidrados nos acontecimentos, sem falar do viés político de toda a história.

A adaptação e direção de Rafael Gomes nesta versão é inovadora, moderna e atual. Ele escolheu as melhores partes de Joana, os textos mais representativos do espetáculo, e que nos faz entender perfeitamente toda a trama. Comigo estava um amigo que nunca tinha assistido ao musical e, ao final, questionado sobre o que entendera, foi perfeito nos comentários. 

Gosto muito da forma como o cenário (André Cortez) é explorado, arrastado pelo palco, servido de escada, varanda, janela, basculante, porta, tudo em ferro, preenchendo o espaço. Aplausos também para o uso das varas de cenário e luz, do teatro, como parte integrante da cenografia!! Isto tudo muito bem iluminado por Wagner Antônio. Também belo é o figurino de Kika Lopes, sempre fantástica, onde a saia de Joana vira roupa de lavadeira!! Que beleza!

Destaque ainda para a direção musical de Pedro Luiz e os ótimos músicos. As versões de músicas que não fazem parte do original da peça, mas que cabem perfeitamente no contexto, todas de Chico Buarque, são lindas.

No palco, Alejandro Claveaux, que pôde ser visto na peça Clandestinos, de João Falcão, sucesso de público e crítica em 2008, interpreta um Jasão forte dentro de sua jovialidade e deslumbrado por um futuro promissor na música. Alejandro, além de cantar bem e atuar com competência, se mostra parceiro ideal para este espetáculo pela generosidade de olhares e expressão corporal que exibe nesta Gota D`Água.

Laila Garin é uma artista completa que vem crescendo a cada trabalho que apresenta. Sua força, garra cênica, dedicação, voz, afinação, entonações corretas para as frases é de tirar o fôlego. Assisti-la é sempre um presente e uma aula. De Gonzagão, A Lenda”, passando polo musical biográfico da maior cantora de todos os tempos, em Gota D`Água [A Seco], Laila consegue ser diferente e brilhante ao mesmo tempo. A cena em quer promove um feitiço no palco é mais que linda. Arrepiante.


Ahhh Laila... que prazer te ver como Joana!! Como é bom poder aplaudir este espetáculo de alto nível e qualidade! Vá já para o teatro e não perca este recital! 

Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção — faça não
Pode ser a gota d’água”

segunda-feira, 23 de maio de 2016

ESSE VAZIO


Minha primeira grande perda de um amigo foi a da Nana Pirez, que conheci na época da Tv Globo e cujo laço se solidificou após nossa saída da empresa. Nana é tão importante na minha vida que fui diplomado, pelos filhos legítimos, como filho e irmão. Uma honra.

Está em cartaz no Teatro Gláucio Gil, em Copacabana, ao lado do metrô, a peça Esse Vazio, texto de Juan Pablo Gomes, que conta o encontro de três amigos no velório de um amigo em comum aos três. O vazio que se sente, que fica, neste momento de perda, é imenso. Já senti. A peça me lembra outro espetáculo de mesmo tema: Nomades, onde três amigas fazem um balanço de suas vidas após a perda da amiga. Diferente desta, Esse Vazio trilha caminhos que pensamos será seguido pela dramaturgia, ora um documento, ora uma moça, ora uma relação além da amizade, mas nenhuma das histórias são o fio condutor de uma trama.

A  tradução feita por Daniel Dias da Silva é segura e transmite bem o incômodo e a felicidade do encontro dos amigos, num vestiário do clube onde o amigo é velado. Cumplicidades do passado, choro compulsivo, desconfianças do presente, mágoas, saudade, tudo está ali, em volta do vazio da perda do amigo.

Sergio Módena dirige o espetáculo com a competência de sempre, marcas firmes, pausas necessárias, buscando caminhos que o texto não mostra, deixando o publico atento para os próximos movimentos dos personagens. Cláudio Bittencourt criou um cenário bem realista com piso, armários pixados, banco e mesa que, em poucos metros quadrados, confina, sem paredes, os personagens, em fuga dos sentimentos. A luz de Tomás Ribas contribui para o confinamento, iluminando apenas a área cenografada, sempre com bom resultado. O figurino de Victor Guedes consegue nos mostrar quem é aquele que se deu bem na vida e quem não sai da zona de conforto.

O grande mérito da peça é a ótima atuação do trio Daniel Dias da Silva, Gustavo Falcão e Sávio Moll. Atores que acompanho há tempos e sei da verdade que empregam em seus trabalhos. Impossível destacar um ou outro neste velório, mas cada um brilha ao seu tempo, com personagens bem marcados e diferentes entre si. Daniel, Gustavo e Sávio são, sem dúvida, um trio em destaque na arte de representar do teatro carioca. O alto nível de comprometimento cênico dos três leva a plateia ao aplauso de pé no fim.


Esses Vazio nos faz pensar sobre as relações de amizade que cultivamos, naqueles amigos que ficam pelo caminho por não se evoluírem ao longo do tempo. Nos mostra que a amizade construída com verdade é impossível de ser desfeita. Esse Vazio preenche um espaço na nossa temporada teatral onde a amizade é e deverá ser sempre nosso bem mais precioso. Vida longa ao espetáculo!