quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

THE BOOK OF MORMON - UniRio

O politicamente incorreto me atrai bastante. Tudo que é certinho, que é feito para não magoar “as minorias”, me irrita! Como bem cantou, em piada, Danilo Caymmi, num show recente, imagina a música de Escrava Isaura: “Vida de Afrodescendente é difícil, é difícil como quê”... Não pega bem, né? Essa onda ridícula, que não para nunca, faz com que as pessoas evitem falar a realidade, ou pior, tapem o sol com a peneira. Ora, crente é crente. Macumbeiro é macumbeiro. Negro é negro. Viado é viado. E por que não se pode fazer piadas com isso? Tem sempre um mala de plantão que lança um processo judicial só aumentando a morosidade da justiça brasileira. Salve Porta dos Fundos!!

'tracoisa: nunca entendi o motivo de “servos do Senhor” baterem à minha porta para oferecer a palavra de Deus. Ora, Deus é tão onipresente, onipotente e onisciente. Precisa de servos para oferecer sua palavra? Não basta olhar a natureza e ver que ali está Deus? Não basta abraçar um filho para saber que aquele amor é Deus? Deus é energia. Energia em movimento retilíneo uniforme! Deus é combinação de prótons e elétrons. Deus está. É. Chame-o como quiser, acredite no que quiser, mas não me venha catequisar porque isso mais parecer pirâmide financeira, que é proibido por lei.

Já que fiz dois parágrafos politicamente incorretos, "catequiso" você, leitor, a assistir à montagem na UniRio do musical “The Book of Mormon”, campeão de indicações a prêmios na Broadway, que, graças à Universidade e a Rubens Lima Jr, está em cartaz até dia 21 de dezembro aqui no Rio. CORRA! Tomara que continue por mais um tempo a partir de janeiro na própria Universidade.

Criado pelos mesmos roteiristas de South Park, famoso desenho animado onde o politicamente incorreto é a diretriz, impossível não gargalhar. Não falo aqui de sorriso de canto de lábios, são gargalhadas histéricas da platéia. Ontem, uma pessoa ria tanto que disse: “pára, que eu vou morrer!”. Aí é que rimos mais ainda.

A história gira em volta da lavagem cerebral de uma determinada religião que prega o “bater de porta em porta” para oferecer a palavra de Deus, sob um olhar de um terceiro testamento, descoberto nos EUA e que deu origem à tal religião. Os servos, homens, jovens, com algum problema de relacionamento/psíquico, embarcam na onda e, após os exames finais do curso preparatório, são enviados para diversas cidades do mundo, sempre em dupla, para catequizar, converter, batizar novos fiéis para aumentar seu rebanho e, OBVIAMENTE, as riquezas dos líderes. A dupla protagonista parte para a África. Qualquer semelhança com nossas favelas não são mera coincidências. A missão: arrecadar fiéis. O meio: através da pregação “da palavra”. Em Uganda encontram um povo oprimido e revoltado contra o sistema e os traficantes/bandidos que mandam em tudo, cagando para as leis. Bem, como isso vai acabar, só indo ao teatro pra saber.

É muito importante para o teatro a pesquisa que Rubens Lima Jr vem fazendo ao longo de sete anos com os alunos/técnicos/parceiros e amigos da UniRio. Uma série dos melhores musicais foram montados lá por estudantes. E todos muito bem realizados. Tive o prazer de assistir alguns. Aliás, desde 2001 que venho assistindo a peças com alunos da UniRio. Seria perfeito se a Universidade tivesse um teatro grande, com equipamentos, para que as montagens ficassem em cartaz para o grande público assistir.

Mais louvável ainda é o nível profissional de todos os envolvidos. Os atores dançam, cantam e representam melhor que muita gente por aí... A cenografia, limitada pelo espaço do palco, é competente. O figurino melhor ainda. A luz completa e abraça todo o espetáculo. Coreografia das melhores! Sem falar nos arranjos, direção musical e músicos que tocam ao vivo. The Book of Mormon é muito melhor que vários musicais em cartaz que eu vi pelo Brasil nessas minhas andanças de 2013. Não há dúvida de que, se fosse considerado um espetáculo profissional, levaria todos os prêmios.

A dedicação e entrega de toda a equipe é contagiante. Rubens Lima Jr, o diretor, é um maestro adorado. Certamente é. O carinho com que todos os envolvidos se entregam de corpo e alma a esta montagem, tem clara justificativa na competência e carisma do diretor.

Citar todos os envolvidos é pecado. Não haveria espaço e cometeria grave erro por não elogiar a todos pelo talento, capacidade e profissionalismo. Destaco a dupla de protagonistas, os atores Hugo Kerth e Leo Bahia. Prontos para o mercado. Inteiros e dedicados. É emocionante ver aquele conjunto de meninos e meninas jovens, ainda em formação, outros recém saídos da universidade, já brilhando, cheio de talento e competência.

The Book of Mormon, é uma celebração. Da vida, da amizade, da fé, da crença numa força superior, fé no ser humano, fé na força de vontade. Merece ficar em cartaz num teatrão da cidade. A montagem na UniRio nos permite aplaudir essa leva de bons atores que está se formando. Tomara que empresas vejam logo o teatro, os musicais, com uma forma real de ganhos financeiros e tornem esta arte um negócio lucrativo, para que os profissionais que estão saindo das escolas de artes cênicas possam ser absorvidos pelo mercado e mostrarem seus talentos e suas competências.


Obrigado, Rubens Lima Jr, por esta celebração, por me fazer rir, chorar, aplaudir com força, ver novos talentos nascendo na Universidade, por continuar fazendo grupos de estudos sérios sobre musicais, por convidar Alexandre Amorim para adaptar esta versão com tanta competência para o Brasil. Em estado de graça. Aplausos sem fim.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

NO TAXI


Fim de ano é certeza: todos os táxis que passam estão ocupados. Nem adianta ficar com o dedinho apontado para o outro lado, pois, de dentro do carro, o motorista faz um sinal, também de dedinhos, que significa “cheio”. E se está com pressa, engole a ansiedade. É pra mais de 20 minutos de espera. Em época de engarrafamentos por toda a parte, em função das modificações que a cidade está passando para ficar mais “bunita”, quem se dá bem são os taxistas, que faturam bastante no período de bandeira 2. E, nessas viagens intermináveis, certamente surgem papos e histórias mirabolantes. Eu sou do tipo calado. Quase não converso com o taxista, mas de vez em quando, puxo assunto só pra ver o que vai sair dali. E saem cobras e lagartos!

Partindo desta observação da vida cotidiana de um taxista, Cristina Fagundes escreveu “No Taxi”. A peça é uma tarde na vida do taxista e nós, público, acompanhamos este momento, cheio de aventuras para ele. A cantada do passageiro, a briga entre irmãs, uma doida varrida, uma amante e um ex-presidiário vão se revezando no taxi e, fazendo o motorista de cúmplice, contam rapidamente uma parte, uma fotografia animada, de suas histórias. O texto, bastante divertido e atual, revela as faces mais diferentes dos personagens que habitam nossa cidade e as inusitadas histórias que qualquer taxista pode ouvir ao longo de uma tarde rodando pelas ruas. Cristina escreve muito bem, retrata a vida atual com competência e usa um linguajar coloquial mas de ótimo nível. Além disso, todos os seus textos são divertidos, simpáticos e nos mantém acesos diante das histórias que vão sendo apresentadas.

Também como diretora e idealizadora do projeto, Cristina Fagundes consegue fazer da cidade, e do taxi, o cenário ideal para as histórias. Acerta quando leva 3 pessoas como plateia-cúmplices no banco traseiro e deixa os personagens sentados no carona. A cada bairro, uma parada, onde temos novidades. Todo o percurso entre Leme, Botafogo, Urca, Copacabana e Leme dura entre 45 a 50 minutos. Os atores, muito à vontade na proposta, sabem da importância de estarem cronometrados aguardando a chegada do taxi-palco. Muito criativa a idéia e bem realizada.

O figurino de Luana Monteiro é perfeito para a história e época atual, deixando os atores confortáveis para interpretar. Divertida e criativa também é a trilha sonora e as gravações/músicas tocadas no rádio do carro e os telefonemas recebidos pelo celular, que ouvimos por conta do viva-voz. A luz e o cenário, agradecemos à Deus, pois nada mais interessante que a luz do dia do Rio de Janeiro, que tem o cenário mais bonito do Brasil.

Os atores, todos ótimos, nos fazem entrar nas histórias e ficamos incomodados com a briga e com a cantada, ansiosos e preocupados com a maluca e o marginal. O taxista vira nosso motorista particular e torcemos para que nada de ruim aconteça com ele! No “Palco-taxi”, em ordem alfabética, Ana Paula Novellino, Cristina Fagundes, Fernando Melvin, Jorge Neves, Marcelo Dias e Rita Fischer são competentes e talentosos. Não dá para destacar um ou outro, pois cada um vive um personagem bastante denso e intenso. Claro que tem aquele que se gosta mais, e, no meu caso, Mabel Cesar me deixou hipnotizado com a sua passageira-maluca. Aplausos para todos.

No Taxi tem poucas apresentações ainda até o fim do ano, mas vamos torcer para que fique mais tempo “em cartaz” nas melhores ruas do Rio de Janeiro. Com apenas 3 espectadores por apresentação, certamente é uma peça para ficar em cartaz por milhares de anos, variando uma ou outra história de acordo com o dia a dia da cidade. Gostei muito mesmo! Recomendo.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

FLUXORAMA
















Existe um livro de bolso chamado Senhorita Else (de Arthur Schnitzler). Entre diálogos, a personagem principal “pensa” junto com o leitor. Lemos seus pensamentos, e, assim, a história nos é contada. Me instiga muito o que se passa na cabeça das pessoas, como elas pensam. Será que são tão loucas quanto eu? Ao simples caminhar até a padaria, penso, xingo, rio, faço contas, programo o dia, lembro de cosias. Às vezes, saindo do quarto, me esqueço do que fui fazer na cozinha, de tanto que penso, no caminho. E olha que são só míseros 10 passos... Somos todos assim? Nosso cérebro, pensamentos, são parecidos?

Assisti, sexta, no Oi Futuro do Flamengo, a peça FLUXORAMA. Três monólogos de Jô Bilac, onde cada história é um fluxo de pensamentos. A primeira, uma mulher que fica surda de uma hora para outra. E agora? Como tocar sua vida? O que isso “traz de bom”? Depois, perde o olfato, o paladar... nos envolvemos com aquela mulher. No segundo, um homem sofreu um acidente e, nas ferragens, tenta se manter vivo até os primeiros socorros chegarem, pensando, refletindo, se distraindo, com pensamentos sobre a mulher amada, sua vida, sobre como está sua situação no momento. E o terceiro, enquanto corre uma maratona, uma mulher tenta se manter na corrida, com pensamentos sobre desistência, superação, sua vida atual. Fluxos de pensamentos incontrolados. Ou seria uma reação do organismo, do cérebro, para que continuemos a viver em condições precárias? Seria assim a proximidade do fim? (Do sofrimento, da comunicação, da dor, da corrida, da vida...).

Jô Bilac é inteligente pra caramba. Isso me anima muito ao ir ao teatro numa peça dele. Sei que vou ouvir um texto criativo, pesquisado, rico em palavras pouco utilizadas. Deduzo que as histórias contadas vão me surpreender a cada frase, e assim acontece. Tenho uma grande alegria toda vez que meu cérebro é exposto à prova, e Jô Bilac consegue me fazer ficar ligado no texto, para compreender as entrelinhas, entender o motivo de suas escolhas nas construções das frases. Me sinto estimulado intelectualmente quando assisto a alguma peça sua. Adoro isso!! Obrigado!

O cenário de Olivia Ferreira e Pedro Garavaglia é um achado! Cria uma “bolha” de tecido elástico (uma segunda-pele) para a surda; um emaranhado de ferros retorcidos e peças de carro onde está o acidentado; e uma pista de corrida. Tudo no pequeno teatro do Oi Futuro, com tudo já em cena desde o começo, numa harmonia de cores. Algumas projeções com frases no fundo do palco, funcionam (na minha cabeça maluca) como um eco do pensamento dos personagens. O figurino de Julia Marini e a luz de Tomás Ribas são igualmente competentes e acertados.

A concepção da peça é também inteligente: três atores-diretores. Cada um dirige um dos monólogos em que não estão atuando: Inez Viana dirige Rita Clemente em Amanda (a que se depara com a surdez). Rita Clemente dirige Vinícius Arneiro (o cara das ferragens). Vinícios Arneiro dirige Ines Viana (a moça da maratona). Todos muito bem pensados e com objetivos plenamente atingidos. Talvez a direção de Inez Viana seja a mais completa de todas, pois tem a seu favor a possibilidade de maiores movimentos da atriz em cena. Enriquece a história com gestuais e o nervosismo da personagem. Rita Clemente dirige uma história onde o personagem está nas ferragens, não tendo muito como movimentá-lo, mas consegue a atenção da plateia pela palavra. Vinícius Arneiro dirige uma personagem que corre o tempo todo, então a ação já está definida, e mesmo assim, consegue, nos fazer cansar, torcer e pensar tanto quanto a corredora. Aplausos triplos!

Os atores embarcaram no jogo. Rita Clemente, ótima como a recém-surda, interpreta uma mulher assustada, ansiosa, com medo, mas confiante; perdida, tentando não enlouquecer. Vinícius Arneiro é o recém acidentado, se apegando a tudo que for possível, do passado e do futuro, à dor do acidente, para sobreviver àquele incômodo, o não-movimento. Inês Viana corre durante todo o seu monólogo – haja fôlego! – e consegue dosar respiração com interpretação. Após a peça conversamos com os atores/diretores sobre “a prisão do movimento” e que o espetáculo dá margens a estudos, mestrados e monografia sobe fluxo de pensamento, comportamento humano e a necessidade da sobrevivência.

Sem dúvida, FLUXORAMA é um espetáculo inteligente, de bom gosto e criativo, que só poderia estar no Oi Futuro, que sempre olha para frente em seus projetos, mostrando a criatividade, a pesquisa, a competência de jovens talentos da dramaturgia carioca, aliado a profissionais com notório reconhecimento da classe artística. Gosto de me sentir desafiado a pensar sobre um determinado assunto, quando vou ao teatro. FLUXORAMA é desses espetáculos inteligentes, criativos e instigantes. Aplausos!!