sexta-feira, 31 de maio de 2013

FAVELA


Não tenho vontade de "subir numa favela" para conhecer de perto aquele universo. Eu assumo e confesso: tenho medo. Não me sinto confortável naquele local. Vielas me dão claustrofobia. Acredito na existência da solidariedade entre os moradores. Sei que as comunidades pacificadas estão melhorando, sendo melhor observadas pela população, mas eu gostaria que os morros cariocas fossem desocupados, que o verde voltasse e que todos que lá hoje moram tivessem uma habitação digna. Recentemente li que o índice de tuberculose na Rocinha é tão alto que chega a ser o maior do mundo. Bem, como esta favela é a maior do mundo, não poderia ser diferente.

Está em cartaz às terças e quartas no Teatro do Leblon o espetáculo “Favela”. Faz um tempo assisti ao brilhante espetáculo “Avenida Dropsie” que era o dia a dia de acontecimentos e personagens num logradouro. Em “Favela”, temos um retrato fiel sobre o dia a dia de uma comunidade: o tráfico, a boemia do samba, os gritos das mulheres, o corre-corre das crianças, os dançarinos de charm, as mulatas passistas, os evangélicos e seu costumeiro Apartheid social, racial e religioso, a presença das religiões africanas e a fofoqueira de plantão. É engraçado observar que o traficante tem mais respeito pelo pai de santo do que pelo pastor dedo-duro. Em recente matérias jornalísticas vimos um pastor peixe-grande se aproveitar da humanidade dos fiéis para eventos nada religiosos e que, com o seu “poder da oração”, até conseguia liberar condenados a morte pelas mãos de traficantes.

O texto de Rômulo Rodrigues me fez lembrar do filme “Cidade de Deus”. Porém o humor impera nesta montagem onde os tipos estão muito bem escritos e todos verdadeiros. Os altos e baixos, risos e lágrimas, estão muito bem divididos mantendo sempre o bom tom, os palavrões necessários e a fidelidade com o linguajar local.

A direção é assinada por Márcio Vieira. Excelente a movimentação do elenco, o entra-e-sai competente, explorando o cenário ao máximo, com sequencias de cenas ao fundo do palco que ilustram acontecimentos já passados aos olhos do público. Explorando sempre a bagunça organizada que é uma favela, Marcio consegue dosar muito bem a hora das canções com a hora do falar sério. Mostrar que existe o preconceito com o favelado, o morador da comunidade, sem ficar constrangedor. Gosto muito quando ele isola a única menina menor de idade no palco, sem que ela participe das cenas pesadas. Consegue mostrar que a vida infantil é igual em qualquer lugar, independentemente de onde se vive. É uma direção pensada com carinho para que todo o elenco brilhe por igual.

A cenografia de Derô Martin é o grande luxo do espetáculo. Uma confecção inteligente de tecido com relevos em poliuretano, mostrando exatamente o tijolo mal assentado, as janelas reaproveitadas, a tramela na bancada do bar, as roupas penduradas qual bandeiras hasteadas, o colorido do vermelho tijolo que mostra a tensão constante em que se vive na comunidade. Muito original e criativo. O figurino de Caio Braga é bastante correto e tira partido das formas geométricas do elenco, sem com isso magoar ninguém, apenas mostrando a realidade do “não tô nem aí para aparência” que os moradores demonstram no seu dia a dia. A luz de Djalma Amaral é sempre bem cuidada. A colaboração da coreografia de Sueli Guerra é muito bem-vinda! Na parte musical, Arlindo Cruz compõe a música tema. Ninguém melhor que ele para esta tarefa, com apoio vocal de Pedro Lima na preparação do elenco. Claro que com muitos em cena, alguns ‘desafinos’ e desencontros vocálicos são inevitáveis. Mas no conjunto a sonoridade é muito boa.

Não dá para escrever especificamente sobre cada um dos atores. A participação de cada um é bem marcante e muito bem realizada. Todos com verdade e respeito ao tema abordado. Elenco funcionando muito bem no conjunto e na individualidade. Não pode-se deixar de gargalhar com a mulher que apanha do marido e vai pedir ajuda ao traficante para dar um corretivo nele. Nem deixar de lado a vizinha fofoqueira-rádio-plantão da favela. O filho preterido pela mãe evangélica, o menino que sonha em se formar engenheiro, a filha do pastor que se revolta, o pai de santo, os traficantes conectados... são muitos bons papéis e muito boas as interpretações.

Não sei se um dia terei a coragem de conhecer de perto uma comunidade, por mais pacificada que possa estar. É mais forte do que eu. Nem é preconceito. É medo mesmo e eu confesso. Assim como não pretendo pular de asa delta nem saltar de paraquedas, deixarei esta visita para uma outra encarnação. Enquanto isso, me divirto com estes personagens, nesta “Favela”, neste espetáculo que, certamente, terá vida longa, pela garra e competência de toda equipe.

INDICAÇÕES DA SEMANA - 31/05 a 02/06

Copiando a ideia de um amigo, estas são as 15 peças de teatro, que eu assisti e que indico para o final de semana, em ordem alfabética.

6 aulas de dança em 6 semanas
A Partilha
Aos Domingos
Batalha de Arroz, num Ringue para Dois
Cruel
Do Tamanho do Mundo
Freud. A Última Sessão
Gozagão, a Lenda
Nós Sempre Teremos Paris
O Caso da Rua ao Lado
Pai
Simplesmente Eu, Clarice Lispector
Tarja Preta
Tim Maia – Vale Tudo, o Msical
Tudo por um PopStar


terça-feira, 28 de maio de 2013

José Dias lança livro

José Dias lança o livro “Teatros do Rio — Do século XVIII ao século XX” (Funarte), hoje no Teatro Dulcina, às 18h. Leia mais no link abaixo:.

DO TAMANHO DO MUNDO



Um dos meus primeiros trabalhos em produção foi sendo assistente no infantil A Bela e a Fera. Fui conhecer a peça na estreia. Me encantei pela montagem, que ficou em cartaz por 6 meses no Teatro dos Grandes Atores, na Barra. Meus personagens favoritos eram o Relógio, a Vassoura, o Candelabro e o Gaston. Este último, um machão que tentava a todo custo roubar à força o coração da mocinha Bela. Coitado. Era um vilão atrapalhado. Ainda mantenho contato com esses 4 atores. O Relógio, sempre que o encontro digo: você vai ser meu Willy Wonka quando eu montar A Fantástica Fábrica de Chocolate. O Candelabro virou surfista. A Vassoura continua na luta para ter seu talento reconhecido. E o Gaston, bem... este ator era ninguém mais, ninguém menos, que Mateus Solano. Desde aquela época o seu talento já era reconhecido por todos que assistiam ao espetáculo. Mateus deveria ter uns 20 anos. Já era um grande ator. Seu trabalho em cena era muito elogiado. Virei fã desde então. Sempre que ele está no palco, estou na plateia.

“Do tamanho do mundo” está em cartaz no Teatro do espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. Um certo dia um homem acorda, vai para o jardim e cai. Suas pernas não lhe obedecem. Seu lado esquerdo não lhe respeita. Custa a se levantar, se posicionar na cadeira. Até que chega sua mulher e ele tenta convencê-la do ocorrido. A partir daí, este homem começa a viver diferente. Está mais preocupado com o aproveitar os momentos da vida do que com a rotina. Se questiona ao ponto de perguntar à mulher se ele gosta ou não do amigo que irá jantar lá aquele dia. Já a mulher não entende patavinas e também começa a se questionar sobre esta nova relação com seu “velho” marido. Está ali o tema principal da peça: devemos nos render à rotina deixando para aproveitar o mundo apenas nas férias contadas de 30 dias ou devemos tirar umas “não-férias” e sair por aí enquanto durarem os estoques financeiros até que se tenha a plenitude da vida a ser aproveitada?

O texto é bastante ágil e o mérito é todo de Paula Braun. Muito inteligente, o narrador nos convida a entrar no questionamento sobre a vida, nos adestra para perceber o rumo da história e depois este mesmo narrado entra para bagunçar ainda mais aquele coreto. Cabe a nós decidirmos o “e o que vem depois” do fim da história. Gosto muito da fluência e competência dramática deste primeiro texto da Paula. Me lembrou um pouco aquele realismo fantástico que Aguinaldo Silva usava em suas novelas como Fera Ferida, A Indomada, Pedra Sobre Pedra. Uma beleza este texto de “Do tamanho do Mundo”!

O cenário de Cristina Novaes é ótimo! A parte de lazer de uma casa de classe média alta mostra ainda mais que a rotina impede que se tenha a plenitude dos pequenos prazeres da vida, como beber um vinho no café da manhã às 4 da madrugada! Gosto muito das portas e entradas e saídas como se fossem “lá dentro de casa”. Um cenário lindíssimo! Gosto também do figurino de Antônio Medeiros, bem como a luz de Felipe Lourenço que nos mostra perfeitamente a passagem do tempo, da manhã até a noite. Não posso deixar de falar também na interessantíssima preparação corporal, principalmente do Mateus e suas tentativas de se levantar do chão, no momento em que suas pernas não obedecem. Ponto para Toni Rodrigues.

Jefferson Miranda é o diretor. O espetáculo tem uma ordem, uma organização, e é tão limpo que observamos a direção de Jefferson nos pequenos detalhes (que invariavelmente acabam na gargalhada da plateia). Jefferson tira partido de tudo de excelente que tem em mãos: elenco, cenário, luz e texto.

O elenco pra mim é um dos mais afiados e entrosados dos últimos tempos. Alcemar Vieira é um narrador/parceiro da plateia. Ele nos representa na condução da história. E Alcemar fraz com perfeição. Isabel Cavalcanti interpreta uma tia totalmente descompensada, um ótimo senso de humor e verve cômica que enriquecem o espetáculo nos momentos em que rivaliza a sua interpretação com a tensão da cena marido-mulher em que ela, a tia, nem percebe o climão. A dupla de protagonistas, Karine Teles e Mateus Solano, da um show!! A naturalidade de Karine e sua personagem Marta é incrível! Sua fragilidade diante da mudança de comportamento do marido, seu ódio contido ao falar no telefone com uma cliente quase histérica, é de uma beleza, uma naturalidade, que me fez ficar de boca aberta. Tenho certeza que qualquer lista de melhores atrizes de 2013 haverá o nome de Karine Teles escrito. Não esqueçam este nome.

E, não menos importante, Mateus Solano. Tudo já foi dito sobre seu talento, sua credibilidade, sua competência e a capacidade de escolher textos que são à altura de seu compromisso com a arte de representar. Seria uma piadinha infame dizer que o talento de Mateus é “do tamanho do mundo”, mas me permito fazê-la. Graças a Mateus e sua composição de Arnaldo, fiquei com vontade de fazer igual e passar o resto da vida sem sapatos, de malas feitas e viajando para conhecer o mundo e pessoas.

É um grande prazer assistir ao crescimento de um ator que vimos despontar nos palcos e tivemos a oportunidade de fazer parte da sua vida por alguns poucos meses. Me sinto honrado por poder abraçar o Mateus (ainda mais neste momento de grande evidência televisiva). Mais prazeroso ainda é ver a competência e capacidade técnica de atores, autora, direção e equipe unidos a favor do bom teatro, aquele que deixa a marca e transforma o espectador.



Tenho elogiado muito os espetáculos assistidos recentemente. O mérito é todo deles. Felizmente os palcos cariocas dispõem, neste momento, de belíssimos trabalhos de atores, diretores, cenógrafos, técnicos, iluminadores, figurinistas, diretores de movimento. Pode parecer chato ler sempre aplausos e elogios. Mas se o patrocínio não é suficiente, nem o arrecadado com as bilheterias, que possamos abraçar os profissionais, aplaudi-los, para que mantenham o Teatro brasileiro em excelente forma!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

FREUD. A ÚLTIMA SESSÃO



Faço trânsitos astrológicos uma vez ao ano, tenho imagem de Nossa Senhora de Fátima na mesa do trabalho, amarrei 3 fitinhas do Nosso Senhor do Bonfim no pulso, peço licença a Yemanjá quando mergulho no mar, medito pela manhã (quando lembro!), entre outras atividades que podem ser consideradas demonstrações de fé. Minha religião é a fé. Onde tenho fé, onde acredito, lá estou. Minha relação com Deus é íntima. Não posso simplesmente dizer que Ele não existe pelo fato de não poder negar a sua existência. Vejo milagres acontecendo, o nascimento é um deles. Vejo a composição da Natureza. Sinto o amor fraternal. Testemunho as orações e promessas que tornam o pedido realidade. Acredito numa Energia que nos rodeia, nos impulsiona, nos repulsa, nos aproxima. A energia do pensamento para mim é a maior e mais potente de todas. Este é o meu Deus, que está dentro de mim, meu mestre interior.

“Freud. A última sessão” re-estreou no Teatro Clara Nunes. E peça, baseada no livro “The Question of God”, e transformada em teatro por Mark St. Germain, é o encontro de duas mentes brilhantes da história da humanidade. Sigmund Freud recebe em seu escritório Clive Staples Lewis (autor de vários livros, entre eles "As Crônicas de Nárnia"). Pois não é que Lewis, ateu convicto, de uma hora para outra resolve acreditar em Deus? E para dar mais gosto a esta mudança de hábito, escreve um livro com críticas a Freud por sua eterna falta de crença em Deus. O espetáculo retrata juntamente um possível encontro (infelizmente não chegou a acontecer) entre os dois para falarem sobre Deus e vida. Justamente num momento em que a Segunda Guerra Mundial está começando.

A tradução é assinada por L.F. Bayão. A fluência nos diálogos e escolha certa para as palavras traduzidas são o seu grande mérito. Gosto da passagem em que chamamos e falamos sobre Deus, sem ao menos nos darmos conta disso: “Vá com Deus”, “Deus lhe projeta”, “Deus me livre!”, “Seja o que Deus quiser”, “Deus lhe pague”, “Graças a Deus!”.

O cenário realista de José Dias é, como sempre, de bom gosto, atraente e bonito. Não poderia faltar o divã nem a mesa de estudos. O figurino de Kiara Bianca é correto para a época e elegante. A luz é de Aurélio de Simoni, sinônimo de competência e perfeição. Ótima também é a direção musical de Marcelo Alonso Neves. Como sempre, Sueli Guerra faz excelente contribuição com sua direção de movimento de espetáculos.

Leonardo Netto é Lewis e Helio Ribeiro, Freud. Ótimos trabalhos dos atores, composição, comportamento cênico, dicção, compreensão do texto e entrega a seus personagens. Não temos como decidir se ficamos ao lado de Lewis ou de Freud na defesa e na negação de Deus, pois os atores nos convencem, a cada frase, que as suas verdades são as corretas.

Lendo o programa, a frase de Ticiana Studart, diretora do espetáculo, diz “Entrar no teatro com uma sensação e sair com outra, esse é o plano básico que me liga a arte. Valeu à pena explorar as dúvidas de todos nós sobre alguns dos mistérios da humanidade”. Pois você conseguiu, Ticiana, com esta direção me fazer rir, lacrimejar, duvidar, ter mais fé ainda não só em Deus, como na arte de representar. Fé no teatro como veículo de mudança da humanidade. Vemos o seu trabalho competente, elegante, a sua crença ne sua arte refletida nos detalhes do espetáculo. Aplausos de pé.

Adorei o espetáculo. Gosto de sair da peça e refletir, vir pra casa e ficar quieto lembrando, pensando sobre a questão que acabei de assistir. “Freud. A última sessão” é uma produção exemplar da dupla Filomena Mancuso e Melise Maia.

Tenho visto, graças a Deus (olha Ele aí!), excelentes montagens teatrais aqui no Rio de Janeiro e sempre que posso recomendo aos amigos que assistam. Este espaço de opiniões teatrais é de um, assim como Ticiana, apaixonado pelo teatro. O debate no palco é ótimo. Nos faz crescer, sair acrescentado de dúvidas e certezas. A vida é assim. Deus seja louvado (Ele de novo)!!

domingo, 19 de maio de 2013

PAI



Relação com pai é um assunto delicado para mim. Perdi o meu faz quase 2 anos. Na época me senti órfão. “Agora tenho que caminhar com menos um apoio”. Não que o meu pai fosse um exemplo. Nunca foi meu super-homem, nunca foi uma inspiração. Nunca tivemos conversas sobre sua vida, nunca soube de seus medos, seus sonhos que não foram realizados, suas frustrações. Graças a minha terapia, e ao bom senso adquirido, esses “nuncas” entre mim e papai nunca me fizeram ficar triste. Era assim: um “oi” ao chegar e um “tchau” ao sair. E tudo bem. Nunca doeu. Só lamento ele não ter me deixado conhecê-lo. Lamento muito por ele.

Em cartaz no Galpão das Artes, no Espaço Tom Jobim, o espetáculo "Pai", de Cristina Mutarelli. A peça é um turbilhão de sentimentos e passagens na vida de uma mulher, Alzira, que conta brevemente as situações mais importantes e marcantes vividas com seu pai. Ao visitá-lo, Alzira entra num espaço cênico, a principio indefinido, e tem uma conversa séria com seu progenitor. Cenas do passado se revelam, histórias pesadas, de família, sentimentos guardados. Um texto muito rico e criativo, bastante pertinente, oferecendo à atriz e ao diretor um material rico para ser aproveitado. Poucas vezes vejo um texto tão gostoso de ser encenado quanto este. Adorei. Aplauso de pé.

O cenário, de Nello Marrese e Natália Lana, lembra uma residência abandonada à sorte, ao pó, representado pela montanha de areia, pó grosso, espesso, de difícil remoção. Assim como as dores e passagens narradas e interpretadas pela personagem Alzira. O figurino assinado pela atriz é bastante elegante e perfeito. Gosto muito da iluminação de Elisa Tandeta, que faz da luz espaços cênicos, permitindo sombras maquiavélicas e opressoras nas paredes laterais, um corredor-calçada de rua. Ótima luz. Gosto muito da trilha sonora incidental e das músicas escolhidas.

Nos dias de hoje dizer que um espetáculo é ótimo, não basta. Temos que utilizar da hipérbole, do superlativo, para garantir a quem nos lê/escuta que estamos muito impressionados com aquele trabalho. Então, lá vai: a direção de Bruce Gomlevsky é ótima, criativa, correta, inteligente, bárbara (piada interna). Ele consegue tirar o que de melhor tem a atriz, consegue utilizar-se das opções do cenário, luz e figurino, aproveita cada canto do palco, as pausas necessárias, bem como o silêncio. Impõe ao espetáculo um ritmo na medida certa, com marcações precisas.

Bem como a direção, a interpretação de Rita Elmôr é impecável, excelente, brilhante, foda. Pronto, entenderam o que quero dizer, né? Rita consegue alternar personagens, utilizar sua verve cômica e sua seriedade extrema. Rita vai do sotaque nordestino ao ódio. Da menininha, ao avô, num fôlego só. Sua cena do velho passeando com o cachorro chihuahua numa calçada qualquer é brilhante, impagável. Fiquei boquiaberto. Aplausos também na cena do velório do avô. Rita é incrível. Olhei em seus olhos e disse: "O que mais dizer para você além de 'brilhante'”?. Estivemos juntos num espetáculo em 2007 e desde então minha admiração, carinho e respeito por ela só aumentam.

Não gosto de ser exagerado ao opinar sobre um trabalho, mas neste momento, a emoção pós-peça exige. Faltou luz no teatro no final da récita e Rita teve um insight resolvendo a falta de luz, sem parar o texto. Os Deuses do Teatro devem ter gostado e trouxeram a luz necessária para o término do espetáculo. Raramente uso a expressão "arrebatadora". Daquelas que me fazem ficar de boca aberta com vontade de aplaudir a cada fim de cena. Pois aqui, neste momento digo que encontrei em "Pai" um desses trabalhos arrebatadores. Com mais 4 finais de semana pela frente, tire um tempo e vá conferir de perto este espetáculo. Nada mais gratificante para quem gosta de Teatro do que assistir a um trabalho digno, de qualidade e que só tem a acrescentar a todos nós. Aplausos hiperbólicos e exagerados!

domingo, 12 de maio de 2013

SARJETA, Meu Mundo Caiu



O tema “mudar para continuar vivendo” tem sido recorrente nestas últimas opiniões sobre teatro. Coincidência? Em “Tarja Preta”, a fossa com drogas, com a busca pela solução daquela dor. Em “Felicidade”, a mudança de vida em busca da alegria de viver. E agora em “Sarjeta, meu mundo caiu”, o tema é similar. O que mais me impressiona é que neste momento da minha vida, não tomei um toco, não penso em mudar de vida. Apenas gostaria de sair do Brasil e ir morar de vez na Europa, mas isso é um plano para daqui a 20 anos. Não impossível. Estou trabalhando neste sentido. Mas em nada tem a ver com mudanças em busca de felicidade... vai ver o cosmos está querendo me mostrar algo, mas nao to vendo...

Ja comentei que fiz terapia por bons 6 anos e em Sarjeta vemos uma mulher, abandonada pelo seu amor, encontrando na músico-terapia a forma de encarar este momento de dor. Magdalena Volpe, a personagem, entre uma música e outra conta os motivos que a levaram àquele local, àquela terapia. Magdalena abre seu coração para a terapia, exorciza aquele demônio, e no fim descobre que só existe uma pessoa importante em seu mundo: ela mesma.

Escrita e dirigida por Márcio Azevedo, em cartaz no teatro Cândido Mendes, “Sarjeta” é “um dos melhores besteiróis dos últimos tempos deste ano”! Com um texto ágil, divertido e inteligente, recheado de piadas novas e antigas (sem perderem o tempo histórico), Márcio inclui no cardápio todos os tipos de sofrimentos e respostas que uma mulher de meia idade, em franca tristeza é capaz de fazer para se recuperar da desilusão e se vingar da humilhação.

Na direção, Marcio deixa livre o talento de Gustavo Mendes falar mais alto, porém consegue utilizar todos os recursos do micro-palco, explorando cantinhos, brincadeiras com a plateia, posição dos músicos e artista no palco. A escolha dos temas musicais nao podia ser melhor para o momento de fossa, de sarjeta. Perolas da MPB como Sufoco, Vingativa, Abandonada e Eu sou a outra, entre outras músicas, são cantadas por Gustavo e acompanhada em coro pela plateia.

Não tem muitos objetos cênicos, apenas um aparador com rodinhas, garrafa, copo e cinzeiro. O figurino sim é bem interessante. Ambos assinados por Beto Carramanhos, que também é responsável pela maquiagem (visagismo) de Gustavo Mendes. No palco temos ainda a percussão de Flavia Torga e do pianista Julio Fonseca. Ótimos!

O espetáculo mesmo é Gustavo Mendes. Conhecido do grande publico pelas suas brilhantes interpretações da presidenta Dilma. E não é só de Dilma que vive Gustavo
Sua imitação de Ana Carolina é impagável. Mas em “Sarjeta” temos apenas Magdalena Volpe. Gustavo canta muito bem, é afinado e sabe cantar. Gustavo nos faz rir apenas com um olhar. Um comediante completo. O grande público precisa conhecer cada vez mais o seu grande talento.

“Sarjeta, Meu Mundo Caiu” é diversão garantida para quem gosta do gênero besteirol. Eu adoro! Faz tempo que não me divirto tanto, de dar gargalhadas de doer a barriga e o maxilar. Vá ao teatro conhecer o grande talento da dupla Márcio Azevedo e Gustavo Mendes e saia do espetáculo com a gargalhada em dia e pronto para enfrentar nossos dramas e comédias diários!

terça-feira, 7 de maio de 2013

FELICIDADE



Certa vez, um profeta e seu discípulo andarilhos, pediram pousada em uma das residências. No jantar, serviram apenas um copo de leite. Era a única coisa que o dono da casa tinha para oferecer, embora todos que ali moravam fossem pessoas saudáveis. A terra era boa, tinha bastante área para plantio, porém a família nada cultivava. Possuíam apenas uma vaca leiteira, de onde vinha o leite que sustentava toda a família. Pela manhã, o profeta e o discípulo levantaram, agradeceram a hospedagem e continuaram a viagem. Um pouco adiante da casa, viram que a vaca pastava à beira de precipício. O profeta, então, ordenou ao discípulo “Vá até ali e empurre a vaca para o penhasco”. No dia 13 de maio próximo completam 5 anos que fui demitido da Tv Globo. Jogaram a minha vaca do penhasco aquele dia. E a minha vida prosperou, tal qual a vida daquela família da vaca, que você pode ler o fim da história no link: http://rosyaguirre.blogspot.com.br/2010/11/fabula-da-vaca-e-do-precipicio.html

Felicidade é o título do espetáculo de Cristina Fagundes, em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, no Planetário da Gávea. Quatro pessoas à beira da morte (a vaca no precipício) têm uma chance de mudar, em 24 horas as suas vidas. Diferente da fábula de vaca, os personagens à beira do fim têm a chance de encontrarem a Felicidade para poderem continuar vivos. O marido banana, a idosa apaixonada, a criança culpada e o músico taxista são obrigados a se livrarem de suas dores, culpas, medos, para que encontrem a felicidade e busquem uma nova vida. Aquela que realmente os faça sair da zona de conforto, que não os agrada, para seguirem em outro rumo, que os faça feliz.

No palco, a cenografia de Paulo Denizot e Janaína Wending é composta apenas por bancos de madeira, uma cortina transparente ao fundo e quatro emblemáticos relógios. Assinando também a iluminação, Paulo Denizot completa a sua cenografia com apoio da luz, e ainda faz ótimos recortes no palco, separando cenas da peça. O figurino de Lua Monteiro está de acordo com a classe econômica de cada personagem. Importantíssima é a trilha sonora de Flavia Belchior e Cristina Fagundes, bem como a narração de Clarice Niskier. Ótima também é a contribuição de Duda Maia para a direção de movimento, auxiliando a direção do espetáculo.

Cristina assina o texto e a direção. Temos um pedacinho de Nelson Rodrigues em certas cenas, o que me fez gostar mais ainda, pois sou fã de Nelson. As quebras na narrativa são bem estudadas e conseguimos acompanhar os quatro momentos dos personagens sem nos perdermos no jogo de cena proposto. Gosto muito também dos momentos em que todos se lembram da “ordem” de conseguirem a felicidade em 24 horas e suspiram assustados em conjunto. Destaque para a linda cena da idosa rezando e ao fundo os outros 3 atores imitando imagens sacras.

Ana Paula Novellino, como a menina e a mulher dominadora; Bruno Bacelar como a idosa; Jorge Neves como o músico taxista e o sogro; e Renato Albuquerque como o marido banana, estão igualmente muito bem em seus papéis, com destaque para Ana Paula e Jorge que fazem dois personagens completamente diferentes e Bruno que interpreta uma idosa convincente, sem caricatura nem pieguismo. O conjunto funciona muito bem no palco.  Atores generosos, sabendo interpretar na medida certa o que cada papel pede, sem exageros, sem criticas, apenas emprestando seus talentos aos personagens. Mérito também da diretora/autora.

Quem nunca pensou em mudar de vida, jogar sua vaca no penhasco, sair da zona de conforto? As vezes se você mesmo não se joga, a vida te dá um empurrão. Sinto falta dos amigos da Tv Globo, mas nenhuma falta do trabalho que lá realizava. Sou grato à Vênus Platinada, não me canso de dizer. Jamais traí sua confiança por ter me ensinado sobre cenografia e televisão. Sou hoje um profissional das artes graças ao empurrão que deram na minha vida, na minha vaca, para o precipício. Assista ao espetáculo e tome fôlego para, ao sair, correr com vontade em busca da sua Felicidade. Não percam, a temporada é curta.

sábado, 4 de maio de 2013

TARJA PRETA



Quem ainda não tomou um pé na bunda, prepare-se. Ele virá. E depois disso, ficar roendo beira de calçada, com vontade de ligar o tempo todo na tentativa de reverter o quadro. Mas como se aquele vaso de cristal já está quebrado? Fiz terapia por deliciosos 6 anos e aprendi muito. Não, não fui à terapia por conta de um pé na bunda, mas durante o processo ele aconteceu. E eu amadureci. Aprendi que não se pode ser o provedor, o compreensivo o tempo todo. Dá nisso. Aprendi que não se deve “cavar” uma reposta, pois ela certamente virá negativa quando dita sob pressão. Se não quer ficar ansioso esperando a resposta, é simples: não faça a pergunta! A ansiedade é culpa exclusivamente nossa. Criamos expectativas em cima de uma fantasia sobre um fato. Portanto, não quer sofrer, não ligue, não procure, não peça notícias. Mas como viver então? Olhe para si, gaste seu tempo consigo. O momento é de se usar. Como já disse Martha Medeiros em na crônica, “Use-se”  (http://pensador.uol.com.br/frase/NTIwMDgx/).

Reestreou no Teatro do Leblon a peça “Tarja Preta”. Um diálogo, muito franco, e hilário, entre uma mulher e seu cérebro. Em meio a bebidas e remédios, os dois se confrontam sobre como agir numa situação simples: ligar ou não ligar para o ex-marido. Parar ou não parar de pensar nele? Ela, com um belíssimo pé na bunda, está inconsolável. Ele, tentando colocar aquela mulher nos eixos da razão, mostra de forma clara e conturbada (devido ao álcool e aos tarjas pretas), que a melhor coisa, para ambos (a mulher e seu cérebro), é não ligar para ele. Se ela vai ligar ou não, só assistindo para saber.

Recheada de humor inteligente (que prazer!), o excente texto de Adrian Falcão tem como mérito os diálogos ricos, iluminados, calibrados por nomes de remédios que dão ânimo aos deprimidos. A conversa franca entre a mulher (coração) e o seu cérebro (a razão) é muito criativa. Impossível não se identificar em algum momento.

Com a direção de Ivan Sugahara, diretor que admiro, respeito e acompanho, a peça começa na plateia, num divertido número que não choca nem agride ninguém. Ela, a mulher, chegando em casa trêbada, e seu cérebro acompanhando (claro), a tentativa hilária de se vestir, se situar. Com um jogo de cena ágil e moderno, Sugahara conduz o diálogo ocupando com competência todo o palco, quase num ritmo frenético, mas saem deixar a plateia perder nenhum lance daquele jogo de palavras e jogo da disputa (coração X cérebro).

No palco, caixas de remédios – tarjas pretas, claro – estão amparadas por móveis confeccionados de papelão (caixas que embalam as caixas de remédios). Ótima direção de arte de Rui Falcão. O figurino de Bruno Perlatto é interessante, pois une pijama com roupa de festa. A luz de Tomás Ribas valoriza cada cena. O apoio da Direção de Movimento de Paula Maracajá é fundamental para o jogo no palco.

Em cena, Letícia Isnard e Érico Brás se divertem e, obviamente, divertem a plateia. Completamente seguros de suas atuações, texto afiadíssimo, cada um dá o melhor de si para defender tanto o coração (ela) quando o cérebro (ele). Érico dá um show na cena do flashback quando conta como aconteceu o encontro entre a mulher e o rapaz que virou seu marido. Letícia (cujo o talento foi reconhecido por conta de Ivana, de “Avenida Brasil”) brilha nas cenas em que troca a verdade absoluta criada pelo seu cérebro pela dolorosa paixão criada pelo seu coração. Aplausos de pé por longos minutos.

Tarja Preta é um espetáculo de apenas 50 minutos. Queremos muito mais. Porém, assim como uma pílula de dose única, o espetáculo é certeiro, educa o psicológico e, melhor que Rivotril, levanta o astral de qualquer pessoa!! Corra para o teatro.