segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

GENTE DE BEM


Nelson Rodrigues, Mauro Rasi, Juca de Oliveira nos contam muito, em seus textos teatrais sobre o comportamento social e político do país da época em que escreveram. Nelson Rodrigues assinava “A Vida como ela é” no jornal. E basta ler dois ou três colunas para se ter exata noção do quão sem noção era aquela sociedade retratada. Mentiras, hipocrisia, “o que os outros vão achar”. Mudamos?

Cá estamos em pleno século XXI, beirando o fim de mais um ano (um feliz ano sob a ótica democrata!) e ainda temos muito que estudar a atual sociedade na qual estamos inseridos. Como chegamos a este ponto?

Dados sobre a população brasileira: as igrejas evangélicas cresceram 543% em 20 anos no Brasil (Pesquisa da USP). Em 2019, o número é de 109.560 igrejas. O Censo da Educação Superior 2019 indica que existem no país 2.608 instituições de educação superior. Isso diz muito sobre os brasileiros... Deus acima de tudo?

Yin e Yang são conceitos do taoismo que expõem a dualidade de tudo que existe no universo. Descrevem as duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as coisas. A 3ª Lei de Newton nos diz que para toda ação, existe uma reação de mesma intensidade, porém de sentidos opostos. A liberdade comportamental cresceu, o conservadorismo também. Na mesma proporção.

Como diria Millor Fernandes “Não se amplia a voz dos idiotas”, mas... como? Se as redes sociais trouxeram à tona vozes idiotas e que abarcam dezenas de milhares de seguidores? A liberdade de comportamento, a internet, as redes sociais, trouxeram para nosso cotidiano vozes antes caladas por vergonha. As pessoas precisam voltar a ter vergonha de serem burras.

Desculpem o introito acima, mas é para contextualizar o sensacional espetáculo “Gente de bem”, da Comparsaria Teatral que está no CCBB do Rio até semana que vem apenas. E já torço para nova temporada. Baseado no livro “Necrochorume e outros contos” de João Ximenes Braga, seis contos são levados ao palco mostrando como a população brasileira está caracterizada atualmente. Adriana Maia e Xando Graça assinam a dramaturgia. Hipérboles comportamentais. Exemplares de ridículos tiranos. Exageros de idiotas alimentados por quatro anos de um governo onde seu maior representante era o imbecil-mor. O ser desprezível que representa metade da população votante que lhe concedeu um mandato e quase conseguiu o segundo. Que gente é essa? Onde estavam? Sempre estiveram entre nós? Sim. Porém agora suas vozes “de bem” estão sendo espalhadas.

Seis contos geniais de João Ximenes estão muito bem dirigidos por Adriana Maia, que, mantendo a prosa do texto escrito, dá vida aos personagens com entonações vocais e comportamentais, ora com apoio apenas de uma maquete, ora de uma mesa com poucos objetos, corpos dos atores somados à iluminação, caracterizam sem medo pessoas loucas, mesquinhas, ridículas, de bem, que se acham no direito de pisar nos outros para manter seus privilégios. Excelente trabalho de direção. Destaque para a cena do casal escravizado que é representada 2 vezes por atores diferentes, e cuja emoção e força se mantém a mesma nas duas formas apresentadas. Gargalhei na história das vizinhas solteiras.

Cenografia e figurino são assinados pelo grupo Comparsaria. Anderson Ratto assina ótima luz. André Poyart nos traz uma direção musical competente.

O talentoso elenco, em ordem alfabética: Adriana Maia, Alexandra Damascena, Ana Achar, Anna Wiltgen, Camí Boher, Dadá Maia, Gilberto Góes, José Ângelo Bessa, Marian Consoli, Miguel Ferrari, Pamela Alves, Stefania Corteletti e Xando Graça. Seria injusto destacar alguém deste grupo unido e disposto a contar a história do Brasil deste momento. Aplausos de pé para todos. A força da Comparsaria está justamente em seu conjunto.

O google nos diz que “comparsa” é companheiro, parceiro. A Comparsaria Teatral é um grupo de excelentes atores / diretores / teatrólogos / trupe que visivelmente ama o ato de atuar, ama a arte dramática e que mostra para a sociedade o quão ridícula e “estudável” é o momento em que estamos vivendo. Assisti ao espetáculo “A Plebe do Coriolano” e a força do grupo se mantém a mesma.

Urgente ficarmos atentos para evitar o retorno do fascismo à presidência da república. O medo é diário. Eles sabem usar as redes sociais, espalhar as narrativas falsas pelas igrejas e aplicativos. Conseguem mudar a realidade. E como consequência, aumentam a pobreza e a fome. São espertos em manter privilégios e asfixiar minorias. Temos que mostrar a (nossa) realidade para fora da bolha em que vivemos, como nós estamos enxergando esses seres do mal revestidos de pessoas de bem. É importante fazer chegar em quem vive na realidade paralela o quão nocivas elas estão sendo para a nossa sociedade.

Vida longa a “Gente de Bem”! Que esta voz possa ser espalhada, que não tenhamos medo em contar, que possamos falar sempre como nos sentimos diante das atrocidades dos idiotas e seus seguidores. Aplausos de pé. (Escrevi muito, perdoem! Mas desabafei!)

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