segunda-feira, 30 de abril de 2012

JT - um conto de fadas punk


 Tenho conversado com autores de teatro que vou produzir, que precisamos produzir um teatro onde a plateia saia de lá pensativa, questionando sobre o que acabou de assistir. Acredito que a função principal do teatro é deixar algo para quem assiste. Algo que a modifique, que a complete. Não apenas entretenimento, mas um exercício do questionar, do pensar. Gosto de espetáculos que me fazem sair com vontade de ficar horas falando, exemplificando, conjecturando.

Assim é no espetáculo “JT - Um Conto de Fadas Punk”, que está em cartaz no Teatro I do CCBB, no Rio de Janeiro.  Fui com um amigo e, na volta para casa, no taxi, falamos muito sobre os personagens que superaram seus autores, e ganharam vida própria. Se perguntarmos a alguém na rua quem foi Arthur Conan Doyle ou J.K. Rowling, ninguém saberá dizer. Mas se falarmos em Sherlock Holmes e Harry Potter, até uma criança de 4 anos de idade saberá a resposta. A discussão é exatamente esta: quem é mais importante, o autor ou a criatura?

A peça JT discute exatamente esta questão. Uma autora cria um personagem que escreve livros. Os livros viram sucesso, ela inventa o autor contratando uma pessoa comum para se passar por ele (e por ela) e aí... o personagem ganha vida e a autora se revolva. O personagem se revolta e a autora se impõe. O texto genial de Luciana Pessanha nos faz ficar de olhos abertos e orelhas mais ainda para não perdermos o rumo da prosa.  É bastante acertada a escolha do punk para conduzir o tema. Traz para um universo diferente uma discussão intelectual.

A direção de Susana Ribeiro com Paulo José, na direção geral, é ágil, elegante e valoriza o trabalho dos atores e do texto que está sendo dito. Sem a pressa em chegar ao fim, com o prazer de deixar a plateia se envolvendo aos poucos com a história e torcer por um ou pelo outro lado. Torcer pela cria ou pelo criador. Eu torci pelo criador. Claro, pois sou escritor!

O barato da montagem é o criativo, mecânico e moderno cenário do mestre Fernando Mello da Costa. Com destaque para os painéis retráteis e as projeções, de Rico e Renato Vilarouca, que aproveitam muito bem o pequeno espaço cênico. O figurino da sempre elegante Kika Lopes é moderno, brincando com o preto e o branco. A luz do Renato Machado ora brinca com show, ora brinca com realidade, completa o cenário, define espaços, clareia ideias. Bacanas também são os arranjos e a trilha sonora da peça, direção de Ricco Viana, pois o que se espera é barulho, mas ali temos musica.

No elenco, Débora Duboc e Natália Lage rivalizam na melhor atuação, defendendo seus personagens, criador e criatura, respectivamente, com unhas e dentes. Grandes atrizes para papéis que marcam a dramaturgia e o teatro carioca neste primeiro semestre. Ainda no elenco, Roberto Sousa, Nina Morena e Hossen Minussi, são carismáticos e competentes, levando seus personagens para caminhos possíveis de uma realidade que vemos a todo momento.







Paparazzi’s, sites de fofoca, imprensa marrom, revistas de cabeleireiro, todos caem como umas patinhas no conto do vigário, na história da criatura inexistente. A plateia embarca no texto e acompanha atenta o resultado daquele embate. Sair do teatro pensativo, com um belo trabalho de toda a equipe é sem duvida um raro prazer e uma referencia que ficará para sempre na minha memória. Sugiro a todos que escrevem e produzem para teatro que assistam ao espetáculo para que nas suas próximas produções, seus trabalhos fiquem também como uma referencia do que é a real função do teatro: entreter e fazer pensar.

Nenhum comentário: