terça-feira, 11 de dezembro de 2012

JACINTA


 A primeira vez que estive em Portugal foi em 2009. Em 2011 repeti a dose. Só quem lá esteve sente a emoção de tudo que aprendemos na escola, nas aulas de História, desde que “fomos descobertos”. Tive o prazer de ser guiado pela minha grande amiga Nãna Pirez, portuguesa, com certeza, uma das mulheres mais importantes desta minha primeira metade de vida. Depois, com meus amigos portugueses do Clube da Letra tive o prazer de saber mais histórias daquele país que passei a amar. Recomendo ainda que leiam o livro “O Português que nos Pariu”, de Ângela Dutra de Menezes para que saibam um pouco mais sobre a nossa pátria mãe.

É com grande prazer que “cá estou-me” para minhas observações sobre “Jacinta”, em cartaz no Teatro Poeira. A peça conta a saga fictícia da pior atriz da história de Portugal. Como bem diz o programa da peça “Jacinta é uma declaração de amor ao teatro”. E é mesmo.Jacinta busca o aplauso, o reconhecimento pelo seu esforço para ser considerada uma boa atriz. É disto que vivem os atores: do reconhecimento do seu trabalho através do aplauso do publico. E todo trabalho em teatro deve ser considerado e avaliado com lisura e respeito, mesmo não tendo a peça tocado a plateia. Em todo trabalho de teatro tem uma equipe que arduamente dedicou seu tempo, tem os atores que acreditaram na história, um condutor-diretor que sugere caminhos. Jacinta busca o seu. Expulsa da matriz, vem se abrigar na filial Brasil. Percorre o país de leste a oeste, norte a sul levando arte e cultura a quem nunca viu e precisa conhecer o teatro. Mesmo não sendo reconhecida, Jacinta não desiste. Assim somos nós, profissionais do teatro.

O texto do sempre criativo Nilton Moreno é um presente para qualquer ator. Piadas inteligentes, textos de bom gosto, frases lapidadas, desfecho perfeito. Acompanho Moreno desde “As Centenárias”. Me diverti com “Maria do Caritó”. E agora me emocionei com “Jacinta”. Texto ágil, moderno, culto, fácil de entendimento, que dá ao elenco e direção a oportunidade de brincarem e mostrarem todos os seus talentos em cena.

Na parte técnica, Fernando Mello da Costa criou um cenário que valoriza as trocas de figurino, com dois camarins laterais, servindo de apoio para as composições. Em cena, objetos apenas necessários e muito bem escolhidos. Os figurinos de Antônio Medeiros são um caso de amor à arte. Sem duvida um dos mais belos já vistos em cartaz nesta temporada, digno de prêmio. Maneco Quinderé assina a luz sempre de bom gosto e inteligente. Auxiliando a direção, as coreografias de João Saldanha e Marcelo Braga dão um colorido mais que especial aos números musicais e às cenas. Belo trabalho do conjunto.

Por ser uma comédia-rock, Branco Mello e Emerson Villani criaram musicas junto com o diretor e o autor, dando continuidade às cenas nos números musicais. Um grande acerto. Partes do texto tranquilamente podem ser transformadas em música de excelente qualidade e assim o quarteto faz. Tem fado, rock, vira, samba. Tudo para compor este espetáculo eletrizante.

Na direção, Aderbal Freire-Filho é um mestre nesta arte. Com o auxilio de seus fiéis escudeiros (os atores e a equipe), criou um espetáculo intenso, divertido, moderno, ágil e de uma direção das mais rígidas e corretas dos últimos tempos. Destaco as ótimas cenas em que os personagens, num navio, simulam o balançar das águas, os trejeitos de Jacinta, as composições dos atores, a ótima cena em que Jacinta aprende a recitar Hamlet. Aderbal sabe fazer um espetáculo de qualidade em que não basta agradar somente ao publico, ele sabe agradar ao elenco que está em cena, e a si mesmo, brincando com uma realidade possível. Aplausos de pé.

No elenco masculino, os “fiéis escudeiros”  de Aderbal, embarcam neste projeto e mergulham de cabeça. Acompanho todos desde “O Púcaro Búlgaro”, depois “Moby Dick”. Elenco de talento, talvez os melhores atores de suas gerações. Isio Ghelman impagável como a Rainha de Portugal  e perfeito como Shakespeare; Augusto Madeira brilhante como sempre, dando vida a diversos personagens entre eles o Pederasta e Manuel o provador Real; José Mauro Brant sensível e ótimo com a Velha Palhaça e Maria Pura; Rodrigo França excelente como o Cômico da Companhia de Jacinta e o assistente de inquisidor; e não menos competente, Gillray Coutinho, um mestre na arte da interpretação, genial como Coveiro e Gil Vicente levando a plateia novamente a aplaudi-lo em cena aberta, igual foi n’ “O Púcaro Búlgaro”.

Andréa Beltrão em seu melhor papel no teatro, interpreta Jacinta. A pior atriz portuguesa de todos os tempos. Andréa é uma das melhores atrizes de sua geração. Tem uma sólida carreira de brilhantes papéis no cinema, teatro e televisão. Desta vez, com sotaque português que mantém fiel durante as duas horas, ainda canta com sotaque, dança e atua com dignidade, perfeição e um talento à flor da pele. Andréa merece vários prêmios por esta dedicação à arte de representar, pelo seu talento totalmente empregado no espetáculo, por sua entrega à Jacinta. Uma das suas melhores atuações em teatro. Andréa Beltrão está em casa, está entre amigos, está feliz, está linda em cena. Uma celebração.

 

Opiniões devem ser ouvidas, lidas, mas cada um precisa ter a sua. Esta é a minha humilde, de um mero espectador sem estudo das artes dramáticas e que pode ser tendenciosa por adorar este elenco, o teatro Poeira, o diretor. Portanto, sugiro que você assista Jacinta e tenha a sua opinião sobre este espetáculo. Só assim vamos ter uma plateia isenta de pré-julgamentos, vamos formar novos espectadores para que o teatro de qualidade seja visto por um maior número de pessoas e que volte a ser uma arte auto-sustentável.

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