sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O HOMEM QUE TINHA MEMÓRIA


Entrei no Poerinha, escolhi o melhor lugar para ver a peça. O publico sentou-se e aguardou. Os atores, cada um com seu banquinho, sentaram no palco e começaram a contar histórias curtas, inusitadas, sobre suas infâncias e vidas. Nos incentivaram a buscar, na memória, por uma das nossas, antiga, tema livre. Lembrei de uma e contei.

Quando eu era pequeno, fui um dos Reis Magos, num Auto de Natal no teatro do Instituto de Educação. Acontece que Rei Mago não usa óculos. Ainda mais fundo de garrafas como os meus. Daí, a coitada da criança teve sua visão arrancada carinhosamente por uma professora, me empurraram vestido de Rei, no palco, e lá fui eu, míope, míope, em busca de uma manjedoura. Até hoje to procurando Jesus, Maria e José. Outros da plateia lembraram histórias também divertidas. A tônica foi o humor. Ninguem contou um drama. Foi ótimo ter ouvido aquelas histórias.

Está em cartaz no Teatro Poerinha, aqui, vizinho de casa, em Botafogo, teatro que gosto muito, a peça “O Homem que Tinha Memória”. São 3 histórias de Peter Bichsel, retiradas do livro “ O homem que não queria saber mais nada e outras histórias”. A primeira, um homem viciado em trens. Sabe tudo. Horários, carros, degraus, numero do vagão, paragem. Lembrei de quando estive viajando pela Alemanha. A segunda, a história de um homem que, para mudar sua tediosa rotina, resolve mudar o nome das coisas e entra num universo só seu. Lembrei-me de Marcelo Marmelo Martelo. A terceira, mais um homem, agora tentando provar que a Terra é redonda. Ele traça uma linha reta e planeja, em ricos detalhes, como dar a volta. Escolhe e calcula a necessidade de ferramentas, transporte, alimentação e hospedagem. Um trabalho solitário, tal qual um produtor cultural.

  

Em todas, a solidão do homem, e a memória deste homem, são a linha do texto. As histórias são muito bem contadas. Adaptadas, dirigidas e atuadas pelo trio de atores Cadu Cinelli, Edison Mego e Warley Goulart. Sem a pressa de chegar ao fim, eles desenham o texto, a direção e as atuações, com calma, paciência e eficiência. Sabem que, ao contar cada história, estarão buscando pela memória, deles mesmos, e do publico, algo que os liguem ao espetáculo. E conseguem. Como são os idealizadores e atores, eles sabem muito bem onde querem chegar com este trabalho e o objetivo é alcançado. Competência, talento e qualidade.
Convidaram o expert Isaac Bernat para a supervisão. E a visão de fora, de alguém com tamanha competência e bom gosto, comparando com as suas peças dirigidas, em cartaz no Rio, é bastante rica e complementar ao que o trio faz no palco.

A cenografia e o figurino, dos Tapetes Contadores de História, não poderia ser mais apropriada. Sabem usar, com perfeição, tecidos, objetos, velcro. Cenário necessário, limpo, harmonioso e de ótimo resultado. Bem como o figurino. Tudo respeitando cada uma das histórias, diferenciando-as uma das outras e dando complemento ao texto. A direção musical de Cadu Cinelli contribui para o andamento do espetáculo e troca de histórias. A luz de Aurélio de Simone é um complemento competente.


Gosto muito de ver espetáculos como este, atores talentosos, texto de bom gosto e inteligente, que pegam a plateia pelo coração e pelo cérebro. Nossa memória às vezes nos prega peças, mas as boas lembranças estarão sempre presentes, para que possamos contar para os mais novos e para os desconhecidos. E, certamente, esta peça já faz parte das minhas memórias e vou contar essa história por muito tempo. Aplausos de pé.

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