segunda-feira, 23 de abril de 2018

A VIDA NÃO É UM MUSICAL


Era um a festa na cobertura dos gêmeos Guilherme e Leonardo Miranda, mas não lembro como fui parar lá. Só sei que me apresentaram Leandro Muniz e Daniela Fontan. Paixão dupla carpada à primeira vista. Corta para 2007, eu querendo abrir um teatro na Barra da Tijuca (olha a ironia aí, gente! Logo eu, que odeio aquele bairro...) e Leandro, Leo, Gui, Wladmir Pinheiro, Avelar Love e acho que a Dani se juntaram para fazer um show pra animar a festa. Depois tivemos a leitura de Peça por Peça, um super musical do Leandro, na Casa da Gávea. Vieram Relações, também na Casa da Gávea, e Sucesso no Sesc Tijuca. E eu ali, por perto, sempre babando essa turma talentosa e rezando para que fossem descobertos logo!

Sem rasgação de seda, porque este espaço tá mais pra local de elogios do que de opiniões, é necessário falar sobre coisa boa, uma vez que a internet está sendo tomada por coisas ruins e isto anda afetando o dia a dia da humanidade. E é por isso que, desde já, recomendo violentamente (expressão roubada do diretor Joaquim Vicente) que você assista a “A vida não é um musical”, nova peça do autor Leandro Muniz.

Coloque numa frigideira em fogo brando o filme A Vila (onde moradores se isolaram do mundo numa comunidade no interior dos EUA), um musical da Disney (onde a vida é perfeita e tudo é música), a situação delicada da política brasileira (com as piores tramoias e maracutaias possíveis) e traga para a vida atual. Acrescente uma xícara de ironia, duas colheres de sopa de sarcasmo, um tablete de coragem e uma generosa dose de verdade nua e crua. Espere entrar em ebulição e sirva ao público ainda quente. Isto é “A vida não é um musical”, em cartaz no Sesc Copacabana – o Maracanã do teatro carioca.

Na peça, a mocinha resolve sair do vale encantado Disney e conhecer a fundo o mundo. Caiu no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro. Uma eleição para governador está em curso e ela se vê atuando junto ao candidato da oposição enquanto o governador tenta a reeleição. Não vou dar spoiler. Faz-se obrigatório assistir. Num país onde quem está comendo quem é mais importante do que roubar cofres públicos, onde se prende um ex-presidente numa velocidade de Fórmula 1, tudo pode acontecer. O texto do Leandro tem tudo de sarcástico, irônico, verdadeiro e atual, seguindo à risca a cartilha do “como se deve fazer um musical de sucesso”. Não se poupa ninguém. É politicamente incorreto quando tem que ser, e realista no fim das contas. Toca na ferida aberta, espezinha os adversários, da um tapa na cara da sociedade conservadora. Foge do óbvio, se arrisca ao retratar candidatos da extrema direita e a igreja, diz o que está preso na garganta dos oprimidos.

O cenário do Nello Marrese, o figurino da Carol Lobato e a luz de Paulo Denizot fazem com que o espetáculo, de parcos recursos, tenha uma qualidade mais que profissional. Nello entende que espaço é fundamental, Carol sabe escolher o adereço que vai caracterizar a princesa e o bandido, Paulo ilumina com olhar de desenho animado. Uma beleza ver a harmonia entre esses três.

Um parágrafo exclusivo para a direção musical de Fabiano Krieger: é incrível como as canções se encaixam no andamento do texto e na hora certa. A parceria com o Leandro mostra que em “A vida não é um musical” chegou ao melhor momento da sintonia fina. Imagino a dupla criando o andamento das canções e a colocação das letras para que a história seja contada também pela música. Aplausos de pé. Os músicos de cena são Fabiano Krieger, Gustavo Salgado (que também assina a direção musical), João di Sabbato, Daniel Silva e Rafael Alves.

O elenco conta com um time de primeira: Daniela Fontan – sempre uma princesa seja à paisana ou caracterizada – está tão feliz no palco que seu sorriso nos contagia de imediato; Marcelo Nogueira – a voz mais potente dos musicais cariocas – é o príncipe hilário; e Thelmo Fernandes – presença marcante nos melhores espetáculos de teatro do Rio (Opera do Malandro, Gota D`água, Simonal...). Ainda no elenco, estão Augusto Volcato, Ester Dias, Flora Menezes, Ingrid Gaigher, Joana Mendes, Nando Brandão e Udylê Procópio. Um grupo feliz, animado, entregue, coeso, afinado e competente.

No comando da sopa de talentos, João Fonseca. É público que sigo seus trabalhos e não é de hoje e que sou fã e admirador de suas direções. Mas em “A vida não é um musical”, João é mais que um diretor, ele se empresta. É um professor, mestre, generoso e consciente da sua importância para o crescimento de todos que ali estão. João se cercou da melhor equipe e foi entregando ao elenco, músicos, equipe, o que de precioso ele tem: sua criatividade e segurança técnica. A marca João Fonseca de uma cena em câmera lenta está ali e ironizada por ele mesmo! Leandro também assina a direção e bebe na fonte joãofonsequiniana do melhor do teatro musical carioca. Logicamente o apoio da Direção de Movimento de Carol Pires é fundamental para o sucesso do espetáculo.


Falar mais pra quê? Agora é hora de sair da rede social e correr para o SESC Copacabana, pois a peça só fica até 6 de maio. Dê-se este presente. Vá rir, vá ficar com raiva, vá ver como anda a cena teatral carioca que consegue brilhar mesmo sendo bombardeada. Vá prestigiar seu amigo artista. Abrace o elenco, músicos, equipe toda no fim. Todos precisamos de afeto. Vamos combinar uma coisa: apenas vá assistir “A vida não é um musical” e depois me agradeça a dica.  Espetáculo Obrigatório.

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