domingo, 8 de setembro de 2019

MONSTROS


     As notícias estão por toda parte: “Escola condenada a indenizar alunos por constrangimento em sala”, “Garota processa escola por mexer em seu celular”, “Justiça condena pais de aluno por bullying”, “Professora de escola municipal é agredida por familiar de aluna em SP”, “Professora é agredida por mãe de aluna dentro de escola estadual em Juiz de Fora”, “Aluna filma professora e vídeo vai parar no twitter do presidente”, “Aluna agride professora com socos e pontapés em escola de Teixeira de Freitas”.
     Pais superprotetores, mal-educados, ausentes, onipresentes. Qual a equação para educar? Como criar um filho para o mundo real e não numa bolha? “Menino não entra na cozinha”, ouvi uma vez. Preconceito escancarado. “Menino não lava louça”, continuou a tia. Ela estava errada. Deveria ter me ensinado a lavar louça e não me expulsado do recinto.
     Está no Teatro PetroRio, o musical Monstros. Premiado na Argentina, escrito por Emiliano Dionisi, com tradução e versões de Victor Garcia Peralta e Claudio Lins, a peça é um soco no estômago. A realidade nua e crua de como muitos pais estão educando as crianças. É espantoso como, mesmo sendo um texto de outro país, a realidade se encaixa perfeitamente na nossa...
      Resumindo: dois pais adultos se encontram numa festa, pois seus filhos estudam na mesma escola. Ambos têm certeza de que seus filhos são geniais, incríveis, maravilhosos, mais que especiais. “Um rostinho acima da média”. Problemas com coleguinhas são sempre culpa dos outros. O amor sufocante - e cego - desses pais certamente será responsável por desvios comportamentais dos pequenos. Ao longo da peça, vemos os pais-monstros saindo do armário. Os verdadeiros “eus” são escancarados. As relações doentias do dia a dia vão crescendo, até o clímax final; bomba jogada no colo da plateia.
     No palco, o cenário de Fernando Rubio, um imenso “grampo sargento” (cata no Google) usado na marcenaria, serve de banco, cama, divisória. O simbolismo do aperto, controle de movimento, segurança sob pressão, que são as funções originais do objeto, servem como referência para as relações entre pais e filhos. Claudio Tovar assina o figurino elegante. Maneco Quinderé nos oferece uma iluminação primorosa. Desde a primeira cena, passando pelas sombras, tudo está perfeitamente integrado ao espetáculo. As músicas originais de Martin Rodriguez, ajudam a conduzir a história. A direção musical e execução de Azullllllll é extremamente moderna e angustiante. Perfeita para o clima.
     Victor Garcia Peralta dirige um espetáculo tenso, ansioso, marcadíssimo. Seguro e certeiro, não há espaço para dupla interpretação, todas as intenções são aproveitadas, o espaço utilizado com exatidão, as marcas realizadas com propriedade. Destaque para a cena da reunião de pais na festa, dos apelos da mãe para que a menina desça da árvore, e a transformação de Claudio Lins de pai para filho em uma mesma fala.
     Soraya Ravenle (Sandra) é a mãe superprotetora de Luiza. Além da natural segurança como cantora, Soraya tem neste papel um dos melhores de sua carreira. Repito: a cena do encontro dos pais na festa, Soraia interpreta mais de 10 mães histéricas apenas com seu rosto e sua voz. Brilhante! Não menos enérgico, Claudio Lins (Cláudio) é o pai do “acima do peso” Francisco. Consegue passar do pai solteiro, que ignora o filho, àquele que promete “leva-lo à lua” para que a criança pare de chorar. Oferecendo recompensas, comprando a sua paz, substituindo amor por dinheiro. É comovente a fala do menino narrando uma ação, implorando pela aprovação do pai. Que dupla, senhores! Que dupla!
     É de se supor que os dois pais sejam adeptos ao movimento extremista que assola nosso Brasil. São eleitores do que há de pior na política sob a alcunha de “homens de bem”. Fazem muito mal à sociedade, não pensam no coletivo, não educam. Monstros é um espetáculo para ser estudado de perto por alunos de psicologia, psiquiatria e psicanálise. Um prato cheio para que se possa discutir a educação em nosso país. É para ir a fundo, ver, rever, analisar, comentar e buscar soluções para melhorar as crianças que estão sendo formadas agora.
     Obrigatório é pouco. Monstros é mais que necessário. Se você tem filhos, se já os teve, se quer ter, se tem sobrinhos, primos, não perca tempo. Corra para o teatro e veja um grande exemplo do que está acontecendo no mundo e como as relações estão nocivas. Monstros é de uma realidade e crueldade impressionantes e, graças a Deus, pudemos assistir a este espetáculo e refletir sobre o que está sendo dito no palco. Aplausos sem fim.

Um comentário:

Claudio Lins disse...

Rapaz, relendo agora... Acho que vc gostou mesmo! Que bom que te tocamos. Obrigado pela oportunidade.
Ab
Claudio Lins