segunda-feira, 23 de maio de 2022

CUIDADO QUANDO FOR FALAR DE MIM

Toda noite, antes de dormir, lavo toda a louça da pia e guardo. Adoro amanhecer com pia vazia e limpa para o novo café. Mania?

Nesta época em que o mundo desaprendeu a amar, os dedos são apontados buscando culpados, o cancelamento nas redes sociais é uma constante, o linchamento público, o endeusamento de idiotas, é mais que urgente falar de amor, amor próprio, combater preconceitos de qualquer categoria e espalhar verdades. Aqui neste espaço, compactuamos com a verdade, buscamos informações relevantes, opino com base na ciência e, sim, é uma ditadura do meu gosto teatral!

Penduro as roupas de trás pra frente no varal. As maiores atrás, as menores na frente. Assim, o sol bate em todas de alguma forma. Mania?

Está em cartaz até dia 29 de maio, na sede da Cia dos Atores, na escada Selaron. na Lapa, o espetáculo “Cuidado quando for falar de mim”, idealizado e dirigido por Ricardo Santos, resultado de participação deste em reuniões de acolhimento da ONG Grupo Pela Vidda RJ, onde ele ia dar uma oficina de teatro. A oficina não veio, mas a partir desses encontros, Ricardo – que foi indicado ao prêmio Shell por O Rinoceronte – “percebeu o quanto era urgente falar do HIV, seus impactos na vida da população, os avanços da medicina e os estigmas de uma doença social”, conforme está escrito no release. 

E o resultado, o texto produzido por Carolina Lavigne é excelente. Os relatos são extremamente verdadeiros e encaixados numa sequência lógica que mantém o público alerta e atento a cada novo episódio vivido no palco. 

A direção do próprio Ricardo, sabe perfeitamente o que quer, não só dos atores, mas do texto, do espaço, da trilha e dos vídeos: apresentar pessoas que vivem com o vírus, de uma maneira normal, idêntica a qualquer ser humano cheio de manias. A presença do vírus para quem toma os antirretrovirais e está indetectável, é apenas algo a mais nas manias nossas de cada dia. Aplausos para a utilização do espaço cênico da Sede das Cias dos Atores. Para a calma em apresentar as histórias sem a correria em entregar o trabalho, para a dicção do elenco, para os vídeos que ilustram os relatos. Tudo funciona com excelência.

Todo dia, quando tá umas 17h30, eu molho as plantas do terraço e ligo a luz do abajur da mesa de cabeceira no quarto, mesmo que não esteja no ambiente. Mania.

A iluminação, assinada por Eugênio Gouveia é certeira, assim como o figurino criado por Tatiana Rodrigues. Também vale comentar a bela trilha sonora de Rodrigo Marçal. Que equipe afinada!

Quando eu trabalhava numa grande empresa de comunicação, antes de ir embora para casa, independente da hora, organizava a estação de trabalho. As pessoas diziam que eu “entrava de férias todos os dias”, pois a mesa ficava arrumada ao sair. Eu pensava na pessoa da limpeza que ia passar por lá e ficaria incomodado em tirar algo do lugar bagunçado. Mania.

O ma-ra-vi-lho-so elenco, formado por Higor Campagnaro, Juracy de Oliveira, Laura Araújo, Maurício Lima, Nina da Costa Reis, Taye Couto e Whiverson Reis, tem atuação digna de aplausos de pé. Sábios em cena, usam todas as ferramentas disponíveis para contar suas histórias, cada um protagonizando uma parte da peça. Atores do maior gabarito que só tem a orgulhar seus mestres e colegas. Ainda temos a participação em vídeo de Jordhan Lessa, que faz uma contribuição extremamente rica com sua história.

Tenho mania de escrever minha opinião sobre peças de teatro que assisto e gosto.

Hoje contei algumas das minhas manias. Não foi por acaso. Ao final da peça, no telão, pessoas comuns e diversas contam causos e manias de suas vidas comuns. E, uma delas, conta que é HIV positivo, fazendo parte dos relatos naturais do mundo. Ainda não é, mas deveria ser. Deveríamos debater e combater o preconceito, falar sobre o vírus, a vida normal, contágios... Durante a pandemia da Covid19 aprendemos a conviver com infectados, a cuidar deles. Nos vacinamos e agora dominamos a coronga. Assim é que devemos tratar o HIV, como algo que se pode conviver de uma maneira tão normal quanto as manias e causos que todo mundo tem. 

Vida longa ao espetáculo “Cuidado quando for falar de mim”. Que seu legado de informação e esclarecimento seja eterno. Aplausos de pé.


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