segunda-feira, 6 de outubro de 2025

FUTURO

Qualquer texto escrito ontem já pode ser considerado “de época”. Escrever sobre o agora, o que vemos acontecer, sobre política, televisão, seriado, memes é uma forma de fotografar os acontecimentos. Parece óbvio. E é. Por isso mesmo que escrever sobre o agora, com a linguagem do agora e se manter atual é tão dificil. E é isso que o Leandro Muniz faz com a sua peça Futuro, em cartaz no Teatro Firjan SESI, no centro do Rio. Leandro está tão atual no que diz em cena, que seu espetáculo permanece, por um bom tempo, moderno e atual. Explico.

Futuro é um apanhado de situações divertidas onde um autor se propõe a revisitar um texto antigo e dar modernidade a este. E pede ajuda à inteligência artificial, ao algoritmo. Assim, ideias inusitadas surgem. Numa delas, o autor insere um prompt (é assim que chamamos uma “ordem” que damos a uma inteligência artificial) que busca misturar clássicos aleatórios de sucesso da dramaturgia, do cinema e da literatura, como por exemplo “Tietanic”, misturando Tieta com Titanic, sempre em busca do texto perfeito, do sucesso garantido.

Leandro também é o diretor e brinca consigo mesmo, ora como autor, ora como diretor, ora como personagem, se zombando e se confirmando. Como escrever uma peça de sucesso? Ele pergunta ao algoritmo. Este devolve uma peça onde mistura alguns dos sucessos atuais dos palcos brasileiros: Ficções (com Vera Holtz), Tom na Fazenda e King Kong Fran. Assim, entra em cena uma personagem de peruca loura com máscara de macaco e um balde de terra molhada. Quem assistiu às tres peças citadas aqui, vai sacar a piada do personagem. Não quero dar spoiler, mas tem vários trocadilhos entre memes, palavras da moda, como “prompt”, “bet”, “live”, “burnout”, “selfie”, “ozempic”... se misturando a Nelson Rodrigues e Shakespeare, só para citar alguns autores de sucesso.

É preciso destacar a cena em que o casal resolve lavar roupa suja, pedir desculpa um ao outro, através de prompts solicitados ao Chat GPT ou ao Gemini. O diálogo se dá assim: “escreva um texto onde eu peço desculpas a ele, mas sem ser piegas, porém mantendo a firmeza e uma paixão recolhida”. “Escreva um texto para ela, dizendo o quanto sinto sua falta, mas não deixe transparecer a minha inferioridade nem minha ansiedade”. E nós, plateia, sabemos exatamente o que sairia da Inteligencia Artificial e seria dito no palco. Mesmo sendo apenas prompt.

A busca pela perfeição, seja em corpos ou textos, nos já torna dependentes da Inteligência Artificial. Por falar nisso, você já deu bom dia para a sua favorita hoje? Apenas esta gentileza já consome energia e água.

No palco, o criativo cenário-luz ou a luz-cenário de Paulo Denizot dá o tom da modernidade e atualidade. O figurino de Ticiana Passos coloca os atores neutros e confortáveis. E Fabiano Kieger é sempre brilhante na trilha sonora e nas paródias.

Ainda na parte da direção, Leandro pega toda sua verve de humor acumulado com espetáculos brilhantes do passado e faz os atores de gato e sapato, se revezando em cena quase com esquetes curtos ao estilo “Ta no ar” onde pequeninas cenas se alternavam como se o telespectador estivesse com controle remoto mudando de canal. É importante destacar a parceria da direção com a direção de movimento (Carol Pires) e a assistência de direção (Adassa Martins).

O elenco é de amigos talentosos que merecem todo o aplauso caloroso. Bia Guedes, Dani Fontan, Márcio Machado, Victor Maia e Tulanih. Cada um, ao seu tempo, brilha e arranca gargalhadas. É impossível destacar uma ou outra cena de cada um. Eles aproveitam tudo! E se eu falar de uma cena, vai perder a graça quando você sentar na plateia para assistir. Então, aceite esta dica, já prepare sua mão para bater palmas sem fim para esses atores que são o suprassumo do humor carioca. Ótimos.

Voltando ao inicio confuso deste texto, a peça Futuro parece que fala de algum futuro próximo que irá acontecer, mas Leandro, elenco, equipe criativa, está falando do agora, do já. Este texto não vai envelhecer tão cedo. É dificílimo falar sobre o agora, nesta época em que tudo muda muito rapido. Ontem éramos só viciados em redes sociais, hoje somos dependentes da Inteligência Artificial para quase tudo. Ninguém faz uma busca no google. Já pede ao Chat GPT, Gemini, Grok ou outra de sua preferência, que faça logo uma lista. Desde lugares para visitar numa viagem até textos para uma monografia de fim de curso. A “I.A.” já faz tudo para nós. Mas... a que preço? Até quando vamos passar informações sem sermos dominados fisicamente pelas “I.A.’s”? Está certo chamar as “I.A.” no plural? Serão muitas ou todas serão uma só, nos dominando? Está ai a reflexão que o espetáculo Futuro deixa para nós. Para o já. Para o agora.

Um espetáculo importantíssimo para a cena teatral carioca, falando do futuro no presente, com uma qualidade técnica de alto nível. A produção é de Gabriel Garcia, com fôlego de algoritmo para manter o pé no chão diante de tanta criatividade.

Tenha fôlego e mente aberta para captar as milhares de referências que você verá no palco. Corra para o teatro e divirta-se muito! Viva o Teatro!!


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