quarta-feira, 18 de abril de 2018

NARA. A MENINA DISSE COISAS.



A primeira vez que vi Aline foi numa festa de música brasileira. Como vocês não se conhecem? Passamos a noite rindo, bebendo e conversando. E dançando, claro. Dali surgiu a chance de trabalharmos em Muita Mulher pra Pouco Musical. Fizemos apresentações em SESCs e nos divertimos muito! Foi ela quem me apresentou Christovam de Chevalier e a admiração aos dois só aumentou com o tempo. Gênios.

É do Christovam a ideia de dar voz, novamente no teatro, a Nara Leão através das frases, discursos, comentários e entrevistas. Christovam e Nara foram ousados. Numa época em que “escritores eram presos, estudantes apanhavam na rua e deputados perdiam mandato por muito menos”, como diz Hugo Sukman em recente matéria no JB, ter a coragem de dizer coisas sem medo, era para poucos. Hoje, o que Nara disse poderia muito bem ser dito por outra pessoa do meio artístico e Christovam percebeu que o momento era oportuno. Hugo Sukman assina a dramaturgia, junto com Marcos França, onde as frases, músicas emblemáticas, enfrentamentos, mostram uma outra face da cantora. Um acerto.

No palco do Teatro Ipanema, um cardápio musical desfila sob o olhar atendo de uma plateia saudosa e com medo de reviver um passado negro. Iniciando com Nara esquecendo a letra de uma música, o prenúncio de um tumor desencadeia memórias. Ali os parceiros são rapidamente citados, pois o personagem principal é ela. Temos A Banda, Se é tarde me perdoa, Você e Eu, Desafinado, João e Maria e a emblemática Carcará, que leva a plateia ao delírio pelo discurso político tão necessário e atual. A direção musical é de Guilherme Borges e os músicos de cena Ralphen Rocca, Nelson Freitas, Erick Soares, David Nascimento e Leo Bandeira.

O cenário de Pati Faedo é ótimo. Cordas de um imenso violão, marca da cantora, ora servem de abrigo, de prisão, de sombra, de conforto, além de preencher o espaço do teatro. Uma beleza. O figurino de Paula Stöher é leve e caracteriza bem Nara, músicos e parceiros na época. A luz de Paulo Cesar Medeiros é sempre linda.

Priscila Vidca é a diretora, conduzindo a história de Nara, dando espaço para as canções, ocupando o pequeno palco do Teatro Ipanema em sua totalidade, indicando minúcias nos gestuais de Nara que contribuem para a construção da personagem principal.

Marcos França, conhecido de ótimos musicais biográficos, como As Aquarelas do Ary, Ai que Saudade do Lago, está, como sempre, generoso e afinado. Sua presença é marcante e, sem querer imitar ninguém, dá seu recado certeiro.

Mas é Aline Carrocino quem brilha como Nara. Detalhista, contida, minimalista, sua interpretação de Nara não pretende ser a cantora, mas sim homenageá-la através de pequenos gestos, tonalidade vocal, jeito de cantar. Uma composição certeira e forte. Aline, assim como Nara, vai crescendo ao longo do espetáculo e a plateia fica em suas mãos diante de sua voz, canto, atuação e dedicação. Um espetáculo que coloca Aline Carrocino de volta ao teatro adulto depois de sucessos voltados para o público infantil, como Luiz e Nazina, que renderam prêmios à atriz.

“Nara. A menina disse coisas” é um espetáculo para se ver de peito aberto, relembrando o passado negro da nossa história, que infelizmente está aqui, batendo na porta querendo entrar. Nara Leão fala por nós, não só nas palavras como nas letras de música. Amor, paixão, coragem e carisma. Tudo ali nos faz ficar emocionados. Imperdível.

Um comentário:

Alice Monteiro disse...

Seu comentário, Marcelo Aouila, é muito pertinente. E vai, em detalhes, contando o que assistimos no musical "Nara, a menina disse coisas". Quem ainda não viu, vai ter curiosidade de assistir, entre outros momentos emocionantes, a contundente canção Carcará, na voz de Aline Carrocino, atriz que interpreta magistralmente Nara Leão. Destaco também a bela idealização do musical, pelo jornalista e poeta Christovam de Chevalier, a direção de Priscila Vidca, a brilhante atuação do ator Marcos França, a luz, o figurino, os músicos, a escolha das músicas. O momento é importante para recordarmos a política de ontem, fazendo um paralelo com o que acontece na atualidade.
Alice Monteiro
Jornalista e poeta
monteiro.alice77@gmail.com