domingo, 10 de novembro de 2019

RELÂMPAGO CIFRADO


     Dentre os trânsitos astrológicos que andam regendo meus últimos dois anos (tempo), o mais forte é o que me faz olhar para o outro e entender a sua condição de vida (empatia). As mentiras que criamos para seguir vivendo (tempo) sem tocar numa ferida, fugir de alguém e evitar um problema, ações de autodefesa, são alimentos para a negação da realidade. Empatia, tempo e mentira: palavras fundamentais na hora de se tomar uma decisão, seja na vida pessoal ou profissional. Até que ponto eu acredito nesta tese para seguir por aquele caminho? A minha ação terá consequência? Prejudica alguém?
     Relâmpago Cifrado está em cartaz no Teatro PetraGold, palco Marília Pêra. Com os ingredientes empatia, tempo e mentira, Gustavo Pinheiro escreve mais um texto de altíssimo nível. Duas médicas têm diálogos sérios, cheios de ironia, dúvida, desconfiança, “pegadinha”, testes: uma jovem procura uma especialista pedindo aval para realizar uma pesquisa numa grande universidade. Surpresa com a determinação da primeira, e espantada com o contato, a doutora testa a colega, faz perguntas sobre sua vida pessoal para obter respostas sobre seus comportamentos. A peça vai se construindo junto com o público. Nada é nos dito de início e as surpresas aparecem a cada curva de tempo. Usando a boa literatura, diálogos ácidos e inteligentes, citando Carlos Drummond de Andrade, o resultado não poderia ser menor que excelente.
     No palco, o cenário de André Sanches é composto por ampulhetas estilizadas. O figurino de Carla Garan é leve e elegante. Tudo iluminado por Aurélio de Simoni com suas sombras marcantes que escondem as verdades dos personagens. A trilha sonora é de Leila Pinheiro com seu piano acústico.
      Ana Beatriz Nogueira e Alinne Moraes são as duas médicas. Alinne se empresta, com dedicação e carisma, para a jovem ousada, que tem como motivador o desejo profissional de partir em busca de novos horizontes, apesar dos muros erguidos, das armaduras. Nos passa bem a ansiedade, a insegurança, e o titubear nas tomadas de decisão. Ana Beatriz Nogueira é a médica especialista, que testa a colega o tempo inteiro. Sem perder uma vírgula, acertando (sempre!) em todas as entonações e expressões, Ana Beatriz é uma aula de interpretação. Seu monólogo (três páginas!), nas últimas cenas da peça, é feito com tamanha segurança, confiança e empatia (pelo personagem) que a plateia nem pisca.
    Todo isso nas mãos dos diretores Leonardo Netto e Clarisse Derzié Luz, cientes de que esta é uma peça de comportamento e diálogo, onde o trabalho de direção de ator – expressão facial, porte, entonações vocálicas – é muito mais necessário que movimentação. Além de uma ótima embalagem (luz, som, ampulhetas e roupas), a direção sabe que tem em mãos um texto de qualidade e duas atrizes de primeira linha.
    Quando o teatro discute comportamento, ética, consequências, causas e a sociedade é retratada, está se prestando um serviço de igual poder à terapia de grupo ou aula com debates. Assistir a Relâmpago Cifrado é tão relevante quanto ler um livro de psicologia, assistir vídeo do professor Leandro Karnal ou palestra do filósofo Mário Sergio Cotrella sobre ética. Saímos todos questionando nossas atitudes e com um pouco mais de empatia. Que o tempo seja nosso aliado. Viva o amor e Drummond! Viva Relâmpago Cifrado!

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