sábado, 14 de janeiro de 2023

JULIUS CAESAR - VIDAS PARALELAS


Um dos maiores presentes que ganhei durante a pandemia foi o livro “As 48 leis do poder” de Robert Greener e Joost Elffers (Ed.Rocco - 2000). Neste livro “dicas de comportamento” se misturam a um dicionário de ações para se manter, ganhar, evitar e conviver com os podres poderes nossos do dia a dia. A 1ª lei diz; “Não ofusque o brilho do mestre”; a 2ª diz “Não confie demais nos amigos, aprenda a usar os inimigos”; a lei 37 diz “Crie espetáculos atraentes”.

Aprendi na época em que trabalhei na TV Globo, que “O trabalho é fácil. Difícil é administrar as vaidades”.

Guarde os dois parágrafos acima. Reserve.

Está em cartaz no Teatro Oi Futuro, no Flamengo, em comemoração aos 35 anos da Cia dos Atores, trupe teatral de excelência no cenário artístico carioca, o espetáculo “Julius Caesar – Vidas Paralelas”. Escrito e dirigido pelo gênio Gustavo Gasparani, o espetáculo é um “making of” de um grupo de atores ensaiando a peça Júlio Cesar (de Shakespeare, sobre a conspiração que levou ao assassinato de Júlio César e os desdobramentos). Tem de tudo ali. Além do texto original do autor inglês, Gustavo criou diálogos, atritos, conflitos, reconciliações, dramas pessoas, lavagem de roupa suja, tudo que se pode ilustrar o quão difícil é a convivência humana.

Senta que lá vem textão.

No palco, a ótima cenografia de Beli Araújo usa de cortinas brancas que, ora juntas, pendentes do teto, simulam colunas de palácios romanos, ora viram tela de projeção. São auxiliadas por uma mesa com rodas que vira de camarim a painel de projeção para o protagonista ausente. Ótimo! Marcelo Olinto usa de “realismo contemporâneo” para dar leitura de roupas romanas ao moletom cruzado no peito. Também ótimo! A luz de Ana Luzia de Simone é um personagem à parte. O monólogo da diretora com as mãos projetadas em sombra sobre seu colo e coxas é de uma expressividade, uma lindeza, de emocionar. Soma-se a isto a direção musical certeira de Gabriel Manita com destaque para as trovoadas!

Gustavo Gasparani, por ter criado o texto, sabe muito bem como trazer o ensaio da peça e as cenas prontas para o público em uma ordem cronológica perfeita. Utilizar as varandas da plateia, criar uma passarela que avança sobre o publico (que é tratado como coro), só enriquece e aproxima os dois lados do espaço cênico: palco e poltronas. Todos somos teatro. Todos somos peça. Saber o tom de cada cena, a entrega de cada ator, o posicionamento cênico, e além de tudo brincar com os próprios atores que trollam (no bom sentido) a arte de dirigir (como na cena em que a diretora impede o colega de falar) é um achado!

O elenco “pica das galáxias” (não há outra expressão...) sabe tudo de atuação. Cesar Augusto, um dos fundadores da Cia dos Atores é seguro, firme, forte e, ao mesmo tempo, sensível e amoroso. Isio Ghelman aproveita cada vírgula, cada respiração, para encarar personagens diversos, opostos, sem uma falha. Gilberto Gawronski interpreta o que mais vemos por ai: o profissional frustrado, sempre se sentindo perseguido e ignorado, aquele que sempre fala de si, pede para si, quer para si, mas nunca se dá ao coletivo. Não é culpa do personagem que seu momento de fama não tenha chegado, mas a frustração existe. Gawronski não precisa provar seu talento. E é por isso mesmo que aqui tem um trabalho primoroso de entrega. Tiago Herz, mesmo em papéis não tão poderosos, dá conta do recado e auxilia o conjunto a brilhar. Gabriel Manita, ora como músico de cena, ora como personagem, também enriquece a montagem com sua presença, instrumentos, sons, vozes... 

Suzana Nascimento é a personagem “diretora/atriz” da companhia que está ensaiando a peça. Em determinada hora, os “amigos” tentam tombar a colega, tirando-a da ficha técnica. Mas a diretora/atriz está no auge da carreira televisiva, sendo chamada para entrevistas, cenas novas, dando autógrafos na rua. Sua fama impede a dedicação ao espetáculo. A inveja dos colegas, o abandono do espetáculo em função do lado "famosa da TV", têm consequências. Não é culpa da atriz/diretora que tudo aconteceu ao mesmo tempo. É assim que tem sido no meio artístico. Tudo junto ao mesmo tempo agora... E, como dizem, não se pode acender uma vela para Deus e outra para o diabo. A conta chega. E quando chega, Suzana Nascimento se empresta com toda força que uma atriz pode dar ao seu personagem. Tão tão tão maravilhosa que é difícil achar palavras que não sejam elogiosas para evitar o piegas. 

É um elenco de tirar o fôlego. E o que eles mostram em cena é justamente o que vemos acontecer: inveja do colega famoso, vaidades, egoísmo nas alturas. Teatro é a arte do coletivo. Teatro é um esporte de grupo. Um levanta, o outro corta, ponto. Um saca, outro recebe, defende seu campo. Quando a bola cai, é ponto do adversário. Não se pode deixar a bola cair e esse elenco, com direção, produção impecável de Claudia Marques, equipe criativa toda, mantém a bola alta, sem a menor chance de beijar o assoalho.

Julius Caesar – Vidas Paralelas faz uma demonstração das leis do poder, uma acareação entre as vaidades cotidianas, entre frustrações, medos, tomadas de decisões em prol do coletivo, retirada do poder de quem não está dando conta, mas também fala de emoções particulares, angústias pessoais, decepções, auto sabotagem, autoestima.

Ufa. Que espetáculo!

Recomendo violentamente que assistam para que possam aprender com esta aula de comportamento humano que as vaidades precisam ser colocadas de lado quando o objetivo maior é a vitória do time. Não existe o “Meu Projeto”, o “Meu Espetáculo”. Sem o coletivo, o trabalho não acontece. Aqui temos um time vitorioso. Um espetáculo de excelente qualidade e atraente, como diz a lei 37. Aplausos de pé.

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