quarta-feira, 5 de abril de 2023

O QUE FAREMOS COM WALTER?


A notícia chegou ontem pelo Twitter: A Globo demitiu vários profissionais com o credito de salário: quem ganhava mais, dançava... Porém é justamente o profissional com mais anos de casa, isto é, o mais velho... Podemos deduzir que foi para a rua quem já tá acima da idade, para a empresa, logicamente. Temos um caso de Etarismo descarado? Cartas para a redação.

Numa rápida viagem a São Paulo, em comemoração aos 70 anos da minha sócia, a atriz e produtora Sônia de Paula – somos sócios oficiais desde 2010, porém trabalhamos juntos desde 1998 -, assisto ao espetáculo “O que Faremos com Walter?”, no Teatro Opus Frei Caneca.

Traduzido e adaptado para o português por Diogo Villa Maior, a peça escrita originalmente pelos argentinos Juan José Campanella e Emanuel Diez, “O que faremos com Walter?” foi um sucesso na Argentina. A peça fala sobre exatamente o que acontece no primeiro parágrafo deste texto: a demissão de um porteiro da terceira idade, que trabalha há 20 anos no prédio. Em uma reunião de condomínio, apenas 5 moradores comparecem para tomar a decisão do encerramento do contrato. O que eles farão com Walter, o porteiro, é a pergunta que você só vai saber ao assistir à peça. Adianto que Diego Villa Maior nos traz uma adaptação eficiente e dinâmica, tipicamente brasileira, cheia de nuances e personagens que podemos encontrar em qualquer prédio residencial brasileiro. 

No palco, o cenário do sempre gênio Marco Lima, nos oferece uma portaria quase toda branca, de um prédio genérico, com seus rebaixos de gesso, bancos para visitantes e uma porta de elevador tradicionalíssimo em madeira, com direito a postigo com grade art decô. Toda a cena é iluminada pelo premiado César Pivetti, com a competência de sempre. Daniel Maia contribui com sua trilha sonora original nos mantendo atentos e em suspense aos acontecimentos da fatídica reunião.

O figurino e adereços, criados pelo diretor Farjalla, brinca com as cores da bandeira brasileira e com a personificação dos personagens através da cor que usa. Monocromáticos, temos: o personagem vermelho é esquerdista. A madame de verde, a conservadora-extrema-direitista. A de amarelo é a em cima do muro, vivendo entre gritos e reconciliações com seu marido ao telefone. O de azul é um estudante de direito da USP, cheio de privilégios, que anda numa corda bamba entre o lado de quem mais precisa de ajuda e o lado de quem quer ferrar o outro. Ainda temos o síndico, com sua roupa escura, entre roxo, azul, marrom (meus olhos me traíram nas cores exatas...) que procura ouvir a todos na reunião, mas que já tem a decisão pronta na cabeça. O porteiro, cor neutra, caqui. Sua irmã, cores claras. Finalizando o ótimo figurino, temos a Barbie Fascista, toda de rosa, idosa. Ou seja, Farjalla direciona o publico pelo figurino para os significados das personagens na trama. 

No elenco, o trio Grace Gianoukas (de verde) capta todos os olhares. Grace é expert em dar entonações maravilhosas a frases tanto de humor quanto de suspense. Ela comanda a reunião. Elias Andreato (Ótimo!) se desdobra entre Walter (o tal do título – de roupa caqui) e sua irmã gêmea (roupas claras), que surge na metade da peça. Dois personagens muito bem diferentes e que só engrandece o imenso talento do ator. Marcelo Airoldi nos traz um esquerdista de vermelho que se preocupa com o proletariado. Marcelo é competente em todas as suas falas e capricha na defesa de seu personagem. Mariana Armellini nos apresenta uma esposa que tudo consulta ao marido. E Fernando Vitor nos leva a discutir sobre os privilégios de quem berço. Tanto Mariana quanto Fernando, embora com menos texto que os outros, atuam com competência e seus personagens são marcantes.

Em atuações especiais, Flávio Galvão é o síndico do prédio que chega com seu moralismo para botar ordem na reunião, porém traz consigo uma garrafinha de bebida alcoólica! Ou seja... por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento. E, ninguém mais, ninguém menos, “the one and Only” Norma Blum, emprestando toda sua verve de grande atriz, seu talento impagável para interpretar uma senhorinha completamente fora da casinha, toda de rosa, uma Barbie Fascista que ainda tem a xenofobia no sangue e termina a peça como muitos daqueles brasileiros “patri-otários” que vimos balançando bandeirinhas na frente dos quartéis.

Dirigindo a comédia, Jorge Farjalla nos mostra uma visão onde o humor e a critica social não estão no espetaculoso. Farjalla entende que esta peça é texto e o que está sendo dito precisa ser escutado pelo público, que precisa de tempo para pensar, assimilar e se modificar. Assim, sua direção é focada nos personagens e na palavra. Menos movimentação, menos firulas e mais detalhes. É este o grande mérito do espetáculo, promover o debate sobre Etarismo, sobre os comportamentos dos moradores daquele prédio, sobre divisão política velada, sobre como chegamos a uma alienação por parte das pessoas sobre humanidade e coletividade. Ótimo trabalho como sempre.

“O que faremos com Walter?” é um grande acerto dos produtores Leonardo Miggiorin e Danny Olliveira, que trazem a discussão sobre o que fazer com o envelhecimento das pessoas economicamente ativas, se devemos aposentá-las e silenciá-las em vida, ou deixar que sigam trabalhando, uma vez que a pensão do INSS não paga nem os remédios, mas que com o salário a vida do idoso fica levemente confortável. 

Teatro não é só circo, muito menos só entretenimento. É discussão com humor ou drama, dos comportamentos e relações entre pessoas. Neste espetáculo temos um destes exemplos de uma peça que faz pensar, rir, torcer, ficar com raiva e nojo. Temos que nos acostumar, por um bom tempo, a conviver com pessoas que pararam no tempo e na história das relações humanas e coletivas. Aplausos de pé pelo excelente espetáculo.




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