domingo, 29 de setembro de 2024

PROFESSOR SAMBA - UMA HOMENAGEM A ISMAEL SILVA

Uma vez fiquei com inveja de uns amigos que iam desfilar na comissão de frente do Grêmio Recreativo e Escola de Samba Estácio de Sá, em uma ala coreografada. Vomos? – disse um deles. Eu ri da forma como ele falou o verbo, substituindo vogais. Daí, respondi: “Vomos”! E, para quem nunca soube porque eu sempre digo “vomos” quando me chamam para algo, cá está a explicação. Fui. Ensaios rígidos. O coreógrafo quase batia na gente. Éramos 30. Fomos diminuindo, viramos 15, voltamos a 20, saíram 10 – eu inclusive, por falta de tempo, pois os ensaios varavam a madrugada na quadra da Estácio de Sá – e sobram os profissionais. Aqueles que realmente importavam para o coreógrafo. Assisti ao desfile da escola na Sapucaí, e chorei. Porque, de alguma forma, eu “tavo” ali com eles, dançando, apresentando, representando a Estácio. Foi lindo. 

Está em cartaz na arena do SESC Copacabana, o espetáculo musical “Professor Samba”, dando vida, relembrando, jogando a bola pra cima, de um dos mais importantes músicos da história brasileira, Ismael Silva. Claro que você conhece pelo menos 2 músicas dele: “Se você jurar, que me tem amor, eu posso me regenerar...” e “Oh Antonico, vou lhe pedir um favor...”  Mas... e as novas gerações? E os saudosistas de boas canções? É aí que está a beleza e a função deste musical, trazer Ismael de volta para nós através de suas histórias e músicas.

Ana Veloso é a autora de um texto que fala direto com o público. Recheado de dados importantes intercalados com cenas que “deixam falar” por si próprias, em recortes de Ismaelzinho até se tornar o Professor Samba, Ana Veloso mistura um pouco da vida dos três atores que interpretam Ismael. Sem falar nas cenas de humor, na ironia, na presença das referências das religiões africanas, que abençoam a peça e abrem os caminhos para a passagem pela arena em forma de avenida.

Amo teatro de arena. O SESC Copacabana e o Teatro do Planetário são as únicas arenas que temos na cidade. Mas o nosso Maracanã é a arena de Copacabana. Nela, Wanderley Gomes, cenógrafo, resolve as cenas com seu cenário composto de mesas e cadeiras de bar, com objetos necessários (garrafas, trouxas de roupa, flores e copos). Com as mesas criam-se passarelas, túmulo e prisão. Wanderley também assina o figurino, trazendo as cores dos malandros da Lapa somadas a referência do Zé Pilintra (considerado o espírito patrono dos bares, jogos e sarjeta – todas as partes onde Ismael Silva teve sua vida envolvida). Bem pensado também o figurino dos músicos, em tons cor creme e a saia da Porta Bandeira ser também desta mesma cor. A luz de Paulo Cesar Medeiros é sempre de bom gosto e, nesta peça, inclui a plateia no espetáculo com azuis e vermelhos sobre o público.

Wladimir Pinheiro, multi artista, é o diretor musical e traz para o palco arranjos fidedignos e de alta qualidade para as músicas de Ismael Silva. Wladimir está muito bem aparado nos músicos Leo Antunes, Fabio D’Lelis, Marlon Julio, Marcos Passos, que, às vezes, entram em cena, falam frases, e são parceiros dos compositores.

Ana Veloso e Edio Nunes são os diretores deste musical. Utilizando toda a arena, incluindo as escadas, sabem bem explorar o que de melhor tem o elenco. Destaque para as cenas dos filhos conversando com suas mães – onde as histórias dos atores se fundem com a de Ismael Silva – e os números curtos de humor, como a Diretora da Escola e a festa na casa dos ricaços da Zona Sul Carioca. Uma simbiose entre direção, cenografia, músicos e atores que exalam emoção e disciplina.

E temos o trio de atores, cantores, artistas Edio Nunes, Jorge Maia e Milton Filho. Três grandes professores de atuação, voz e comportamento cênico. Os três são Ismael Silva, suas mães, amigos compositores, policial, entidade. Edio Nunes brilha ao cantar, sambar e fazer Ismaelzinho. Jorge Maia brilha com sua voz potente, sua presença cênica e sua Diretora de Escola. Milton Filho brilha em seus momentos que interpreta a mãe de Ismaelzinho se tornando viúva, quando Ismael perde um amigo e também como Francisco Alves e o ricaço da Zona Sul Carioca. Ver esses três em cena, fica claro para a plateia que os três são os verdadeiros professores.

A vida de Ismael Silva tem, neste espetáculo, uma homenagem à altura de sua importância na música brasileira, na criação das escolas de samba como a conhecemos hoje – os grêmios recreativos, onde se ensina música, dança, cultura aos mais novos. Ismael mudou a forma de se tocar samba, criou a primeira escola de samba carioca, a Deixa Falar – hoje a Estácio de Sá – e é o responsável pelo gigantesco sucesso do carnaval carioca. Ismael Silva está para o samba, assim como Dodô e Osmar estão para o “axé music”. Sendo que Ismael Silva é um, eles são dois!

Presumo que “Professor Samba” seja a segunda parte de uma antologia em homenagem aos grandes bambas do samba. Se Edio Nunes idealizou “Joaosinho e Laila” e agora “Professor Samba”, qual será o próximo episódio musical desta série musical teatral? O que não faltam são nomes! Vá já para o teatro de arena para assistir a este musical imperdível. Já fui duas vezes. E se me chamarem de novo, eu direi "vomos"! Aplausos de pé. Viva o Teatro, viva Ismael Silva.

Nenhum comentário: