O mais comum é acharmos que Tempo é uma sucessão de momentos que se movem do passado para o futuro, onde acumulamos experiência e modelamos a realidade em que vivemos. Kant vê o Tempo como “uma forma da intuição, uma estrutura mental que nos permite organizar as experiências e perceber a sucessão de eventos”. Platão concebia o Tempo como “um reflexo imperfeito do mundo das ideias, onde tudo é imutável e eterno”. Aristóteles, por outro lado, via o tempo como “a medida do movimento, ligado à sucessão de eventos e à relação de ‘antes’ e ‘depois’". (Obrigado, Chat GPT! Sem estas informações não saberia como começar a escrever estes pensamentos!)
Quanto tempo temos? A frase é dúbia. Quanto de tempo há em mim e quanto de tempo ainda me resta? Do que acumulei, o que tenho é mais positivo? Do que me resta, quanto será benéfico? Procuro deixar para a humanidade coisas que, no futuro, possam utilizar à vontade. Por isto escrevo livros, blog, peças, produzo teatro, shows e exposições, registrando o agora para uso-fruto de quem virá depois e para quem passa o Tempo comigo.
Claudia Mauro se apossou de seu Tempo e escreveu a peça TEMPO QUE EXISTE EM MIM, contando (falar e somar) e relembrando (memorizar e registar) um pouco de sua história, de forma divertida e reflexiva. Com muito humor, ao falar de seu corpo, nas formas dos músculos, na comparação com uma geladeira; com nostalgia ao pinçar memórias de infância com músicas e sons, ao trazer a família para o palco, a irmã, a mãe, o marido. Tudo junto e misturado, oferecendo ao público uma dramaturgia, relevante e necessária, para dizer aos seus contemporâneos: olha, sou humana, somos assim, o relógio marca, mas aqui dentro tudo parece igual.
No palco livre de cenário, um limbo, um espaço-tempo entre a vida terrena e o paraíso, Claudia Mauro canta, dança e representa, mostrando que é uma atriz das melhores que temos nos tempos atuais. Mesmo não precisando provar nada pra ninguém (talvez para si mesma?), TEMPO QUE EXISTE EM MIM prova para Claudia, e confirma para o público, a sua inteligência - cênica e pessoal -, humor e beleza. Sua tão citada ansiedade é controlada e Claudia não atropela as palavras e nem come os finais das frases, longe disto. Claudia é articulada (em sua forma de falar e em sua carreira), tem total domínio de si, de sua arte e do que pode deixar de legado, registro de seu momento atual, uma belíssima menina-mulher de 50 anos, onde fazemos – todos, até eu faço – um balanço do que fomos, o que deixamos e o que esperamos do que falta viver.
O espaço vazio, caixa preta, me lembrou Stranger Things (o seriado). Quando a personagem Onze (Eleven) está desacordada ou em momentos de grande esforço mental, ela frequentemente aparece em um "vazio" ou "mundo" totalmente preto, também conhecido como "espaço mental". Nesse espaço, ela acessa memórias, manipula objetos com seus poderes telecinéticos e se comunica com outras pessoas. É neste local que se passa a peça. (Gostei da aliteração “passapeça”!). Claudia, neste espaço-tempo, também se comunica e manipula o Tempo como um objeto.
A luz de Paulo Cesar Medeiros gira os refletores no sentido horário dos ponteiros do relógio analógico de um mundo digital, onde a atriz avança e volta na linha da vida, ilumina do fundo (contraluz) deixando a silhueta de Claudia Mauro valorizada. Sombras na parede, que aumentam e diminuem, fazem com que imaginemos os tempos que Claudia viveu na infância e as marcas que a vida lhe dá atualmente.
A direção de Alice Borges e Rogério Fanju é rígida no sentido do ritmo da peça. Os diretores não deixam espaço para que o publico se movimente na cadeira! É tudo cronometrado. A forma de Claudia falar, o gestual, a movimentação (olha Édio Nunes e Lucinha Machado aí na dança e no samba!), a sensível trilha sonora de Marcelo H, e o figurino de Georgia Guimarães estão unidos aos desejos da direção e da protagonista. A direção acerta ao evitar o Stand-Up Comedy e trazer o texto para teatro verdadeiro, com princípio, meio e fim, narrativa, pausas dançantes, história de vida que leva a plateia à identificação imediata.
O publico ri de Claudia, ri de si, ri sozinho, ri de nervoso, ri de identificação, ri de ansiedade e, por fim, um abraço coletivo, nos aplausos, riem juntos da vida, zombam juntos do tempo que existe em todos nós.
Que nome se daria para uma peça com apenas “Texto, atuação, iluminação e direção”? Seria a versão “Um banquinho e um violão” que tem na música brasileira? Cartas para a redação. É disto que se trata TEMPO QUE RESTA EM MIM: texto, atuação, iluminação e direção (incluindo aí coreografias, trilha sonora e figurino) muito bem executados. Um espetáculo sensível, divertido, com conteúdo e muito amor próprio.
TEMPO QUE EXISTE EM MIM está em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim apenas por mais uma sexta-feira, mas, um passarinho me contou que em breve pousará em outro palco carioca. Corra na proxima sexta-feira para assistir à peça. E me agradeça depois! Aplausos de pé.
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