
Tenho assistido nas últimas 2 semanas a espetáculos teatrais de grande qualidade, o que mostra que a pandemia foi uma primeira peneira e agora, nesta fase de escassez de patrocínios, uma segunda peneira está trazendo para os palcos – pelo menos os cariocas – histórias que importam, com excelentes atores, dramaturgos, diretores e equipe pra lá de criativa, porém concisa.
Está em cartaz por curtíssimo tempo na Sala Rogério Cardoso da Casa de Cultura Laura Alvim, o famoso Porão, o espetáculo TAKOTSUBO CORAÇÃO PARTIDO. Fui ao Chat GPT saber a origem e o significado da palavra. Diz “ele” que “A Síndrome de Takotsubo (...) ou síndrome do coração partido, é uma condição cardíaca temporária que ocorre em resposta a estresse físico ou emocional intenso. O nome ‘Takotsubo’ vem de uma armadilha japonesa para polvos, pois o formato do coração durante a síndrome se assemelha a essa armadilha."
O texto, escrito por Mônica Guimarães e Cláudia Mauro, é ágil, eficiente e apresenta uma história com princípio, meio e fim, que leva a plateia a ficar ligada nos acontecimentos. Tudo se passa muito rapido, em apenas 50 minutos de peça, mas o que está sendo dito, e que foi escrito, é o necessário para se formular o proposito da peça em questão: alertar, informar, contemplar e comemorar a vida.
A peça é um relato pessoal passado a limpo e em velocidade máxima diante dos olhos do público. A qualidade do texto merece ser destacada, justamente pelo pouco que é dito, as frases escolhidas são o que marca a vida da protagonista. Palavras de afeto, acolhimento, carinho, amizade, agressão, raiva, humilhação, conservadorismo e liberdade conduzem a história de uma mulher atual que sofre, ora calada, ora revoltada, diante de homens e mulheres que tentam conduzir a sua vida para o caminho que eles desejam, criticando as escolhas, a liberdade e atitudes de uma mulher que só quer ser feliz.
Édio Nunes e Larissa Bracher, diretores de peça, optam por dar importância a cada cena, tanto um pequeno momento de reflexão da protagonista sentada em uma cadeira, quanto a cena da mesma cadeira usada como barreira contra o agressor. Os diretores não medem esforços para gastar a emoção dos atores trazendo a verdade cênica para o teatro. Conduzem o elenco a contar a história para a plateia - sentada praticamente dentro o palco – e, com isto, fazem, de todos, cumplices e parceiros da narrativa. Destaque para o uso de todo o espaço cênico disponível e as cenas fortes de agressão e romantismo, equilibradas sem exageros, permitindo aos atores extravasar sensações e passar verdade no que fazem.
A cenografia de Wanderley Gomes é o necessário, com destaque para o altar do budismo – Butsudan – fazendo com que, simbolicamente, as pequenas portas se abram em momentos importantes da história, como caminhos a serem seguidos, emoções sendo libertadas, liberdade almejada, paz e conforto. Temos ainda a cadeira “que tudo vê e ouve” e a área cênica branca que ajuda a iluminação. É dele também o figurino, a opção pelo vermelho sangue da protagonista, uma mulher vibrante, sangue forte, já informa que, antes da primeira palavra, ali tem algo que extravasa a pele. O figurino masculino é neutro, justamente para servir ao amigo, marido, pai, médico, se encaixando em todos os personagens.
Elogios à trilha ótima de Marcelo H, que dá vontade de sair dançando com a protagonista na festa; à luz de Paulo Cesar Medeiros, que faz milagre no micro-teatro, usando vermelho e azul para momentos de tensão e paz; e à direção de movimento de Toni Rodrigues que ajusta o andar, a dança, o enfrentamento, o recolhimento dos atores.
Monica Guimarães é a idealizadora, escreveu o texto e a protagonista. Com uma peça baseada em seus próprios fatos reais, não pense que Monica está em zona de conforto por isto. Pelo contrário, se coloca como atriz vivendo um personagem e defendendo sua cria. A história daquela mulher que sofreu tanto a ponto de seu coração chegar a “se partir” de tanto desgosto, embora sua, nos faz acreditar que Monica está dando vida a uma outra Monica, que não ela, porém sendo ela... confuso? Explico. Fernando Pessoa diz: “O poeta é um fingidor... Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” É isso que Monica faz. Monica é uma poeta-atriz. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que realmente sente. Pois a história contada no palco, é sua, pessoal e intransferível.
É mais que louvável ver um espetáculo que trata uma religião, o budismo, como caminho para autoconhecimento, fortalecimento e calmaria, sem ser panfletária. Não é uma peça que prega o “junte-se a nós, pois salvaremos a sua vida”, mas sim “olha, eu fiz este caminho e o resultado me salvou. Decida se te serve.”
Temos nesta peça um alerta: não aceite menos do que você merece, não guarde para si as pauladas da vida. Reaja! Fale! Seja cada vez mais dono, dona, de si. TAKOTSUBO cumpre seu papel de mostrar uma história verdadeira de superação, enfrentamento, crença, verdade e, acima de tudo, amor.
Viva o Teatro, seja ele num porão em Ipanema ou no anfiteatro romano, o que importa é a forma como se contar uma história. E TAKOTSUBO cumpre com louvor seus objetivos. Aplausos de pé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário