“Está nos autos, excelência!”, disse aquele relator do STF para o dissidente colega topetudo ao negar, diante da primeira turma, o óbvio, o documentado e auditável. Houve sim uma tentativa de matar o presidente eleito e o membro do STF. Mandaram até um cabra ficar de tocaia. Mas, na hora H, o putrefato mandatário da nação abortou a missão. Outro exemplo: uma pastora, mãe adotiva de mais de dez crianças, combina com um jovem filho-amante matar o marido para ele assumir o trono de rei da casa. Mataram. Descobriu-se e hoje, a pastora que usava peruca padece numa cela sem maquiagem, sem beleza, sem carinho, sem coberta, num tapete atrás da porta... alias, quase isso. Noticiaram recentemente que a tal está de namoro firme com uma detenta do Talavera Bruce.
Isto posto, tá aí em cima a justificativa para a peça Macbeth Lady Macbeth, em cartaz no Mezanino do SESC Copacabana até dia 05 de outubro. Muitos acham que Shakespeare é um autor do passado, mas ele, visionário, sabe que a humanidade não muda... é a mesma... A peça ainda é atual e fala sobre a banalidade da brutalidade dos dias de hoje. Planeja-se matar um ser humano como quem olha a barata e pensa em pisá-la. Ou se mata um companheiro como quem ataca um mosquito com sua raquete elétrica.
É assim: “Após retornar vitorioso de uma guerra, o general Macbeth é recebido com a profecia de três bruxas: “Salve, Macbeth, que um dia há de ser rei”. Motivado por essa previsão e em parceria com sua companheira Lady Macbeth, o casal planeja e executa o assassinato do rei Duncan. Macbeth e Lady Macbeth lidam com a realização de seus desejos, mas também com o peso de sentimentos inescapáveis à existência humana.” Esta é a sinopse da peça que assistimos. E tem muito mais aí por trás e vou te contar a seguir.
Quando entramos, os atores estão performando cenas que parecem aleatórias. Movimentos e expressões seguem uma ordem e, ao se repetirem diante da entrada do público, conseguimos saber o que está sendo dito sem dizer. Alegria dela, medo dele, parceria no bater de mãos hi-five em cima. O cenário composto de uma grande mesa e duas cadeiras, é cheio de simbolismo. Sabemos, pelas inúmeras reconstruções de época vistas no cinema, que ali estamos falando de séculos muito passados. Cálices de prata, barro e madeira, frutas verdadeiras e falsas, pratos, folhagens. É lindo o cenário iluminado. Nota-se raízes de plantas nas pernas das mesas, crescidas ao longo do tempo, mostrando a solidez dos reinos, da parceria dos atores, da cumplicidade de Macbeth e sua Lady. O figurino também é bonito e inteligente pois usa materiais modernos para dar vida ao longínquo passado. Destaque para uma capa, um manto, escondido nas costas do ator que é revelado quando Macbeth vira Rei. Ainda sobre a roupa de Macbeth ficou clara a referência da cota de malha medieval. Ambos são assinados por Teresa Abreu. Ótimos.
A luz de Nina Balbi também é muito criativa para um palco cujo teto é baixíssimo! Destaque para os refletores elipsoidais que, sobre uma estrutura escondida com pano preto, iluminam, horizontalmente, toda a mesa no meio do palco, projetando sombras (memórias, fantasmas...) na cortina do fundo. Excelente!
A trilha de Marcelo H é certeira. Sons, músicas incidentais de tensão, a referência ao filme “A Grande Beleza” na música tocada para o baile oferecido pelos protagonistas “Far L’ Amore” (Bob Sinclar sobre canção original de Raffaella Carrà) – “Aah, a far l'amore cominicia tu” (Aah, a fazer amor comece você), tudo a ver com este casal bandido, assassino e cúmplice!
Miwa Yanagizawa dirige a peça. A sagacidade de usar a intimidade dos atores para os personagens, a cumplicidade, o jeito de falar do dia a dia de ambos, a movimentação... tudo funciona. É durante a peça que notamos que o prólogo, mudo, a performance, nada mais era do que os atores passando a peça no silêncio, uma pré-peça, onde um “cenas dos próximos capítulos” prévio já mostrava para a plateia as marcas e expressões. Ótimo também a alternância do texto, ora dito por um ora por outro, o mesmo texto, na carta inicial enviada por Macbeth para sua Lady, o jeito como ele a escreve, o jeito com ela a lê. Também ótima a troca de papeis com mesmo texto no medo do pós-assassinato. Tudo amarrado e pensado. A loucura dos dois, o baile, o romance... Miwa sabe que os atores usam cada vírgula para expressar sentimentos e contar aquela breve história. O coloquial no falar do texto clássico de Shakespeare é o que aproxima o público jovem (somos todos jovens diante do “Bardo de Avon”, apelido dado ao mestre da dramaturgia). Aplausos e mais aplausos.
Cláudia Ventura e Alexandre Dantas, atores da peça. É um deleite vê-los em cena. Tudo que foi escrito acima (perdoem o tamanho...) só é possivel porque os dois são feras, fodas e fantásticos atores. O domínio que têm de si, de sua palavra, de seus sentimentos, de suas expressões faciais e corporais está dito, mostrado, em cena. Tudo é bom. Do olhar cúmplice à piada da masturbação – Macbeth Alexandre masturba sua Lady Cláudia, porém erra o ponto G e acaricia a cadeira... gargalhadas! O carinho de Lady Cláudia quando Macbeth Alexandre se amedronta ao voltar para seu quarto com o punhal ainda sujo de sangue. A proteção de Lady quando seu marido surta na festa... Sou mais que fã e admirador. Sou aluno e aprendiz da dupla. Com esta peça, a sua Cia FaláCia comemora 35 anos de estrada. E muito bem comemorados.
O que vemos não é Macbeth e sua Lady cúmplices. São Cláudia e Alexandre cumplices. Só mesmo um casal que se curte, se admira e embarca na roubada, na aventura e na glória, um casal que tem tamanho lastro e intimidade pode apresentar um espetáculo destra monta, como diria Odette, aquela.
Para finalizar, (UFA!) corram, corram e corram para assistir a este espetáculo. É sensacional por todos os motivos ditos acima. É quando a gente assiste a espetáculos como este que a alegria e a certeza de estar na profissão certa se renova. Excelente. Bravo!
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